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SP não tem rombo orçamentário: arrecadação subiu e Doria tem R$ 11 bilhões em caixa

Prefeitura arrecadou R$ 800 milhões a mais no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado. Especialistas avaliam que prefeito faz caixa para ano eleitoral

Marcell Roncon/Futura Press/Folhapress

Doria e o secretário da Saúde, Wilson Pollara, que pretende fechar 50 Unidades Básicas de Saúde e todos os AMAs

São Paulo – Dados do orçamento municipal da capital paulista contradizem o discurso do prefeito, João Doria (PSDB), de que a cidade tem um rombo orçamentário e que por isso é preciso congelar os gastos. Em julho, Doria mantinha R$ 11,6 bilhões em caixa, segundo o Demonstrativo da Disponibilidade de Caixa obtido pela RBA. Já a arrecadação, até junho deste ano, ficou em 46,7% do total estimado para o ano. Em 2016, a arrecadação foi de 45,7% em junho. O crescimento de um ponto percentual é indicativo de melhora na situação. 

De acordo com informações da Secretaria Municipal da Fazenda, até junho deste ano, a arrecadação da capital paulista subiu cerca de R$ 800 milhões em relação ao mesmo período do ano passado – crescimento de 3,5%, superior à inflação dos últimos 12 meses, que ficou em 2,7% segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE.

Apesar do resultado favorável, Doria mantém congelados quase R$ 7 bilhões do orçamento municipal deste ano, equivalente a 12,78% do total de R$ 54,6 bilhões.Em 2016, a gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) congelou 7,47% do orçamento, apesar da arrecadação menor.

O gargalo orçamentário da capital paulista está nas receitas de capital, principalmente nas transferências que deveriam ser feitas pelo governo federal, verbas utilizadas em grande parte dos investimentos. Apesar do apoio incondicional de Doria ao governo de Michel Temer, inclusive pela permanência dele ante às denúncias de corrupção feitas pela Procuradoria Geral da República, a União não tem repassado verbas para São Paulo. Dos 940 milhões esperados para esse ano, apenas 13,5 milhões foram repassados até junho (1,45%).

Para o ex-vereador Odilon Guedes, mestre em economia pela PUC, pode ser que a situação mude até o final do ano, mas até agora não há problema de arrecadação que justifique o congelamento aplicado pela gestão Doria. “Ainda que os investimentos fiquem prejudicados, a falta de verba da União só justifica o congelamento das obras. Tudo que é despesa corrente – os programas existentes e ações cotidianas da prefeitura – não tem motivo para sofrer cortes. O governo tem de explicar isso”, afirmou.

RBA
Dados do caixa da gestão Doria relativos ao mês de julho deste ano

Para Guedes, o prefeito pode estar segurando a verba para aplicar no final deste ano e início de 2018, ano em que serão realizadas eleições presidenciais e para governos do estado. “O governo Doria vive de marketing. É possível que esteja deixando para fazer investimentos e ações que impactem a população no ano eleitoral. Ele gosta de se proclamar gestor. Bem, o que se espera de um gestor é que saiba se virar na adversidade e não que saia simplesmente cortando tudo”, ponderou.

A falta de transparência da gestão dificulta uma avaliação mais precisa do que ocorre no município, avaliou o coordenador da Rede Nossa São Paulo Américo Sampaio, que também considera a atual condução orçamentária uma tentativa de fazer caixa para o ano eleitoral. “A falta de clareza sobre metas para investimento e custeio ao longo do ano nos deixa em dúvida sobre o objetivo do prefeito. Não há esclarecimento técnico a respeito da necessidade do congelamento. A execução do orçamento também está muito baixa, sobretudo em obras”, ressaltou.

A Secretaria de Serviços e Obras sofreu redução no orçamento e tem mínima execução: R$ 36,8 milhões. A pasta iniciou o ano com R$ 1,1 bilhão. O orçamento atualizado é de R$ 732 milhões, dos quais R$ 552 milhões estão congelados. Já na área social estão congelados R$ 274 milhões do orçamento da assistência social (cerca de 20%), R$ 1,4 bilhão da educação (10%), R$ 203 milhões da cultura (47%) e quase metade da verba da Secretaria de Prefeituras Regionais, incluindo todos os recursos de recapeamento de ruas.

Também estão congelados R$ 134 milhões dos hospitais municipais, R$ 50 milhões da construção de moradias populares, quase todo o Fundo Especial do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, paralisando totalmente as ações de preservação ambiental e a criação de parques.

Para o vereador Antônio Donato, líder do PT na Câmara Municipal, Doria utiliza o discurso de “caos orçamentário” para justificar cortes em programas sociais e outras áreas da prefeitura. “É uma política de fazer caixa. Tinha R$ 5,4 bilhões quando assumiu, deixados pela gestão Haddad. Agora já tem mais de R$ 11 bilhões. O congelamento é muito desproporcional. Trata-se de um política equivocada de desmonte  que prejudica principalmente a população mais pobre”, afirmou.

Muitos programas já foram cortados pela gestão. Em várias oportunidades a gestão Doria alegou ter herdado um rombo orçamentário da gestão Haddad da ordem de R$ 7,5 bilhões. No entanto, durante a transição, em dezembro do ano passado, o secretário da Fazenda de Doria, Caio Megale, disse que “a gestão de caixa da Prefeitura é muito boa, as equipes que estão na atual Secretaria de Finanças têm feito um ótimo trabalho em manter as contas ordem”, em entrevista à TV Estadão.

Por conta do alegado déficit, a gestão Doria prevê o fechamento de 50 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e todas as unidades de Assistência Médica Ambulatorial (AMA). Além disso, reduziu o passe livre estudantil, extinguiu 51 linhas de ônibus, reduziu convênios de assistência social, encerrou oficinas culturais para crianças e adolescentes nos Centros Educacionais Unificados (CEU), reduziu apoio a grupos culturais, não tem realizado chamamentos públicos para fornecimento de produtos da agricultura familiar e orgânicos para merenda escolar, entre outras restrições.

A prefeitura justificou que “as receitas e despesas municipais não são lineares ao longo do ano, sendo as receitas mais presentes no primeiro semestre, devido principalmente ao recebimento à vista do IPTU e de parcela do IPVA transferida pelo Estado, ao passo que as despesas são mais fortes no segundo semestre, em parte como efeito do 13º salário e da maior despesa com programação de férias”, em nota encaminhada pela Secretaria Municipal da Fazenda. “Sendo assim, é normal o caixa municipal se elevar no primeiro semestre do ano para, contudo, ser integralmente utilizado ao longo do segundo semestre”, completou.

No entanto, os dados de arrecadação dos últimos três anos desmentem a afirmação da secretaria. A arrecadação de 2016, último ano da gestão de Fernando Haddad (PT) manteve-se estável até o final do ano, diferentemente do que diz a gestão Doria, que a arrecadação tende a cair no final do ano. Com exceção de fevereiro, quando a o montante arrecadado foi 9,49% do total esperado para o ano, nos outros meses o percentual ficou entre 6,4% e 7,8%, sem mudanças significativas entre o início, o meio e o final do ano.

Média semelhante à de 2015, que teve forte avanço em dezembro, com 13,07% do total anual esperado. Em 2014, ano que teve o pior resultado orçamentário da gestão Haddad, os números mantiveram praticamente a mesma média, com percentuais mais baixos.

A Secretaria da Fazenda também argumentou que “nem todos os recursos do município têm aplicação livre”. “A maioria é vinculada por lei à aplicação em setores específicos, o que é o caso dos recursos pertencentes aos fundos municipais e aos integrantes das operações urbanas consorciadas. Excluindo-se esses recursos, verifica-se que o caixa do município disponível para o custeio das suas despesas ordinárias é muito inferior ao apontado. O caixa atual é levemente inferior à média do caixa disponível observado nos últimos anos, neste período do ano”. No entanto, a gestão não apresentou nenhum dado que comprovasse a última informação.