Caravana

Lula retorna a Brasília Teimosa, em Recife, onde teimosia é o jeito para sobreviver

Ex-presidente dedicou manhã deste sábado (26) para revisitar bairro de pescadores que já foi de casas de palafitas e que a partir de 2004 passou por um processo de revitalização que se tornou referência

Mídia Ninja

Lula e Dilma são recebidos em comunidade de pescadores de Brasília Teimosa, na orla de recife

Recife Em seus discursos pelo Brasil afora, o ex-presidente Lula sempre lembra que aos 71 anos poderia estar em casa, descansando, cuidando da vida, dos netos. Mas teima em estar na estrada. “Decidi retomar a caravana, porque quero conversar com o povo para saber porque esse país estava tão bom e porque piorou tanto”, costuma dizer sobre a caravana Lula pelo Brasil, que neste sábado “meiou”, como costuma dizer o povo nordestino. Há dez dias percorrendo a região brasileira mais prejudicada pelos cortes de verbas dos programas sociais, da saúde, educação, a comitiva já passou pelos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e segue hoje (26) para João Pessoa, na Paraíba.

A teimosia de Lula é a mesma que se vê por aqui, principalmente nos lugarejos mais humildes, nos assentamentos dos sem terra, no povo que já perdeu quase tudo que havia conquistado, mas teima em manter o sorriso nos lábios, a doçura nos gestos.

Assim também é o bairro que a caravana visitou no último ato em Recife. Brasília Teimosa começou como uma ocupação. O nome vem do fato de ter surgido na mesma época da construção de Brasília, na década de 1960. E porque “teimosamente”, as pessoas voltavam a ocupar o local toda vez que o poder público, à época, retirava os moradores da região próxima ao centro histórico da capital pernambucana.

Durante décadas, os moradores viveram em palafitas de madeira, em condições insalubres.

Após uma visita, em 2003, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o prefeito petista João Paulo, deram início a um projeto que marcou a história da cidade: a retirada das palafitas e a requalificação da orla de Brasília Teimosa. Foram removidas 1.864 palafitas e entregues 4.552 unidades habitacionais.

Além disso, a região ganhou uma orla toda urbanizada e uma nova via, a Avenida Brasília Formosa.

Reencontro

Na visita deste sábado (26), Lula se reencontrou com milhares de teimosos como ele. Uma delas é a ‘pescadeira’ (como se diz por aqui), Alda Maria Mendes da Silva, 74 anos.
Aposentada, ela conta que vem passando dificuldades. Nos governos petistas, a gente recebia feira (cesta básica) todo mês e acabou há quase dois anos. Vinha pela colônia (a associação de pescadores onde Lula foi recebido aqui) e ajudava muito porque a aposentadoria não dá. “Cheguei aqui com nove anos. Pescava desde essa idade”, disse a senhora, natural de Olinda, que viu o marido e o filho serem assassinados pela violência na região. “Quero ele de volta e que o Bolsa Família e tudo que ele fez de bom volte também.”

Outra coisa que Lula deu aos teimosos, foi oportunidade. E Felipe Mendonça agarrou, “com unhas e dentes”. “A visita de Lula ao nosso bairro representa muito. Aqui onde a gente está era palafita e o pessoal não tinha condição humana nenhuma de viver. Ele transformou nisso aqui que a gente está hoje. Deu oportunidade a quem precisava”, disse o rapaz de 30 anos, nascido e criado no bairro. “Estudei em escola pública, me formei em Direito, passei na OAB, fui pra uma missão de paz na ONU graças ao fato de ele [Lula] tanto ter brigado para o Brasil ter acento no Conselho de Segurança”, relata o advogado que trabalha com direito previdenciário para auxiliar os pescadores a conseguir aposentadoria especial em Brasília Teimosa.

“O que a gente mais precisava era oportunidade. Quem conseguiu, agarrou com unhas e dentes e eu sou prova: eles fizeram algo por quem mais precisava, que é gente que é pobre. Quem está lá em cima não sabe o que é não.” 

Quem está lá em cima, como diz Felipe, sabe mesmo muito pouco sobre o que acontece nesse Brasil que não passa nas telas da TV. Como costuma dizer o ex-presidente, o Nordeste só era notícia quando tinha seca, quando tinha saque. “E agora isso está voltando.”

Oportunidade é também o que sonha para os filhos Carolina Patricia dos Santos, 40 anos, que levou a filha de 2 anos e meio, Maria Cecilia, para ver Lula. As duas nasceram em Brasília Teimosa. Carolina trabalha com as crianças que foram se apresentar um maracatu para homenagear Lula. É da Flau, uma ONG que tirou as crianças das ruas. “Antes elas vendiam picolé, gelinho e graças ao bolsa-família puderam estudar e ficam com a gente na instituição enquanto as mães trabalham.”

Cláudia Motta/TVT/RBABrasília Teimosa
Menina da ONG Flau exibe quadro de Brasília Teimosa antes e depois da intervenção urbana. Edileusa (esq), 61 anos, é marisqueira. Alexandra: ‘Minha esperança é ele e Deus’

Alexandra Maria de Oliveira, 37 anos, três filhos, queria falar com Lula para ver se ele a ajudava a conseguir uma casa. “Minha esperança é só ele e Deus”, disse. Moradora de Brasília Teimosa nos tempos das palafitas, foi enganada pelo dono do barraco onde morava e ficou sem casa. Ele ficou com o apartamento do programa promovido pelo governo à época. Hoje vive com a sogra nas proximidades. “Recebo bolsa família graças a Lula.” E diz querer “tirar o Temer antes que ele tire meu bolsa família. Eu quero Lula. Temer é ladrão e quero que ele saia. E não gosto que falem mal de Dilma.” A ex-presidenta se incorporou à caravana em Recife e vem recebendo muito carinho do povo por onde a comitiva passa.

As mulheres são, em Brasília Teimosa, guerreiras. Não à toa, assim é conhecida Edileuza Silva Nascimento: mulher guerreira. A marisqueira, de 61 anos, vive a mais de 40 no bairro. Faz parte da associação de pescadores e atua na luta contra a violência às mulheres. Ela mostrou as mãos, já sem digitais em função do mercúrio nas águas e da retirada dos mariscos. “Quando Lula estava no poder, era tudo uma maravilha. Agora parou tudo. A gente tinha todo apoio, mas agora está tudo indo de água abaixo”, disse a trabalhadora que todos os dias sai às 4h30 da manhã para pescar e não tem hora pra chegar. “A gente luta demais. Tem pescador que sai pra maré e não toma nem café, porque não tem nada pra comer. Por isso ele tem de continuar no poder que é pra poder a gente crescer, tá entendendo?”

Crescer e realizar sonhos, como diz Celeste Valença. “Tudo isso era um sonho de muitos anos. Lula disse que ia fazer e fez”, lembra a professora de educação física, de 71 anos, aposentada que durante 14 anos atendeu os alunos da pré-escola da região. “Não só a obra grandiosa para o povo de Brasília Teimosa, mas também uma fábrica de gelo, que abastece de norte a sul da região, carregando barcos com gelo, que é fundamental para a conservação dos pescado.” Essa é a profissão da maioria dos moradores da região.

Há mais de 40 anos vivendo em Brasília Teimosa, Celeste diz que só tem a agradecer a Lula. “Não só pelo que ele fez por Brasília Teimosa, mas pelas mudanças que ele fez em todo o Brasil. O Nordeste era considerado um apêndice do país e Lula viu que Norte e Nordeste eram estados produtivos, era só ter uma oportunidade e Lula deu essa chance ao povo. A gente só tem de agradecer por tudo que ele tem feito, e a gente espere que ele volte, sim, para fazer muito mais por esse país e pelo povo brasileiro. Porque quando tivéssemos um presidente que amasse o povo, as mudanças começariam a acontecer e foi assim quando Lula assumiu a presidência desse país.”

Lula na Paraíba

Por volta de 16h30 tarde do sábado a caravana chegou a João Pessoa. A viagem, de cerca de uma hora e meia foi feita em quase o dobro do tempo. Lula foi recebido em Goiana, cidade divisa entre Pernambuco e Paraíba, na já tradicional transmissão de bandeiras entre os estados por onde a caravana passa. Os sem-terra que querem a desapropriação da Usina Maravilha, que faliu, ofereceram um lanche. Mais alguns quilômetros e nova parada, em Mata Redonda, onde Lula desceu para falar com o povo que mais uma vez tomava a estrada na esperança de ver de perto o ex-presidente.   

À noie, durante ato público na Praça Ponto de Cem Réis, o ex-presidente recebe título de Cidadão Honorário da capital paraibana. Na manhã deste domingo, às 11h, terá encontro com movimentos sociais no Parque Ecológico Bodocongó, em Campina Grande.

Cláudia Motta/TVT/RBABrasília Teimosa
Jovens do Nação Flau apresentam maracatu na chegada da caravana a Brasília Teimosa. Alda, 74, pescadora aposentada, diz que há quase dois anos parou de receber cesta básica. Paula veio de Goiana, cidade vizinha, com o filho Ícaro para ver Lula e Dilma
Cláudia Motta/TVT/RBABrasília Teimosa
Felipe se formou advogado e atende pescadores em direito previdenciário. Celeste, 71 anos, viu Brasília Teimosa mudar
Cláudia Motta/TVT/RBABrasília Teimosa
Carolina, 40 anos, com a filha de 2. Ela é educadora na ONG Flau, que atende crianças em situação de risco. A caminho de João Pessoa, caravana para em Goiana


Com informações da Agência PT de Notícias