Lula em Caravana

Os que querem que as pessoas não gostem de política são os que gostaram do golpe, diz Lula

Recebido por 10 mil pessoas em município de 35 mil habitantes, ex-presidente fala em recuperar a dignidade do Brasil. 'Um ser humano não cresce se não tiver esperança, e cabe ao Estado manter essa esperança'

Roberto Stuckert

Seu Fiinho, de 92 anos, presenteia Lula com roupa de vaqueiro. Caravana para resgatar a reconstrução da dignidade do povo pobre

Nossa Senhora da Glória (SE) – O sol forte e a temperatura acima dos 30 graus não fizeram Anaildes Lima Santos desistir do seu propósito. Nem o protesto do marido: “Você vai acabar se matando por lá”. A agricultora de 51 anos e quatro filhos saiu de Feira Nova e chegou às 14h à Praça de Eventos da cidade vizinha Nossa Senhora da Glória, no sertão de Sergipe, onde estava previsto, para 19h, o ato Sertão com Lula.

“Queria ficar na frente, ver de perto”, disse, encostada à grade que separava o público, estimado em mais de 10 mil pessoas, da comitiva que tem arrastado multidões por onde passa com a caravana Lula pelo Brasil. O município, distante 120 quilômetros da capital, Aracaju, tem 35 mil habitantes. “Valeu a pena.” Anaildes, olhos marejados, estava a poucos metros do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e havia conquistado seu objetivo.

O ex-presidente encerraria ali a maratona iniciada por volta de 8h desta segunda-feira (21) com uma entrevista à Rádio Fan FM, de Sergipe. Passou pela cidade de Lagarto, para se tornar doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), e por Itabaiana. Antes de chegar ao destino onde receberia o título de Cidadão Gloriense, haveria ainda mais duas paradas improvisadas pelo próprio chefe da comitiva, em São Domingos e Campo do Brito. Lula quis descer do ônibus e dar atenção às centenas de pessoas que tomavam a margem da estrada para de ver de perto o ex-presidente que “mudou a história de toda essa gente”.

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A história de Anaildes é semelhante à da maioria dos que estiveram naquela ou nas outras praças por onde a caravana vem passando desde 18 de agosto. Em tempos difíceis, a renda do Bolsa Família ajudou a manter a casa e a comida das crianças, que por sua vez foram mantidas na escola. “Agora, fiquei três meses sem receber, foi um sufoco. Mas consegui retomar.”

Com algum atraso, o título de Cidadão Gloriense estava prestes a ser concedido pelo prefeito, Francisco Carlos Nogueira (PT), o primeiro do mesmo partido de Lula. Nas três cidades sergipanas, anteriores, eram do PTC, PSC e PR, nesta ordem. “Por si só, por toda sua luta, já merece essa homenagem”, afirmou o prefeito Francisco Carlos, o Chico do Correio. “Saiu daqui do sertão ainda criança, no momento em que todos migravam para o sul do Brasil em busca do pão, e voltou como presidente do Brasil, para recuperar toda força e a vontade que o sertanejo tem. Fez Luz para Todos, tem Samu, tem CEU, tem Brasil Sorridente, tem ônibus amarelo pra transportar criança”, disse, lembrando que ele mesmo precisava percorrer a pé as longas distâncias da casa onde cresceu até a escola e não tinha água encanada.

“O senhor, com o saudoso Marcelo Déda – que tanto contribuiu para esse estado e não deve ser esquecido nunca – fez a ampliação da nova adutora do sertão e hoje a gente tem água em Nossa Senhora da Glória. Temos Mais Médicos, foram mais de 700 unidades entregues aos nosso munícipes pelo Minha Casa Minha Vida”, elencou Chico.

Os gritos para saudar Lula só encontravam concorrência em força e potência com os de “Fora, Temer”. Até a pequena Marcela Bianca, de 6 anos, gritava a frase que já virou mantra pelo país afora. Ao lado da mãe, Maria Angélica Santos de Souza, a menina explicava. “Gosto do Lula porque ele fez a terra e a Bolsa da Família. Do Temer eu não gosto porque ele é do mal.”

Marcela pode não saber direito o que está dizendo, mas deve ter tirado essa conclusão ao observar a rotina da família nos últimos tempos. Maria Angélica é empregada doméstica e vivia com o marido em Buíque, no Agreste de Pernambuco. “Era uma época que tinha emprego e dava pra viver bem. Agora, tive de voltar pra cá, para minha cidade (Cumbe, a 40 quilômetros dali) pra ver se a vida melhorava. Mas não adiantou. Por isso me dirigi até aqui hoje. Para ver o presidente que tirou os pobres da pobreza e matou a fome e tudo de bom deu ao povo”, disse, puxando mais um “Fora Temer”, ao lado da amiga Maria Berenice de Souza.

Agricultora de 63 anos, Berenice questionava como é que o “homem” podia achar que uma pessoa que trabalha a terra desde criança ia ter condição de se aposentar aos 65 anos. “Eu me aposentei no tempo de Dilma, mas essa gente agora, quando se aposentar, já é tempo de morrer”, disse, indignada com a ideia de reforma da Previdência defendida pelo atual governo.

Se Lula representa esperança para quem está perdendo o pouco que tinha, também estimula o futuro de jovens com quem se encontra nessa jornada, que tem a educação como um dos principais pontos de debate. Como Anne Beatriz Lima Oliveira, 18 anos, que estava ali na Praça de Eventos com sua turma do curso integrado de Agropecuária, do Instituto Federal, campus de Glória. “Porque agora o filho de um pobre pode cursar a escola técnica e o ensino universitário”, afirmou. “Estou fazendo esse curso para cuidar da minha cidade, do meu povo, que eu amo muito, do meu Nordeste”, dizia a jovem emocionada. “E sei que vou conseguir fazer um curso superior”, sonhando em ser veterinária.

Recuperar a dignidade

“Antigamente, o jovem não conseguia pagar uma universidade privada e não passava na pública. Ficava em casa sem sonho, sem esperança”, disse o próprio Lula, em seu pronunciamento de 32 minutos diante da praça tomada de gente. Ao subir ao palco, ganhou de presente de José Fiinho, 92 anos, uma roupa de vaqueiro. “Se tivesse dois cavalos aqui e apostasse com ele eu ia dar uma pisa nele”, brincou.

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Ali, voltou a explicar sua presença. “O político conhece no máximo os aeroportos dos lugares e não conhece o Brasil. Então eu queria ouvir o povo, olhar nos olhos e conversar, porque às vezes quem domina a informação é só uma TV que não mostra nada daqui”, disse. Com a caravana, diz ele, quer reconstruir o acesso dos pobres a “duas coisas fundamentais”: alimentos para suprir suas necessidades e oportunidades. “Um ser humano não consegue crescer se não tiver esperança, e cabe ao Estado manter essa esperança.”

Pouco antes de encerrar sua fala, Lula mostrou irritação ao saber que o governo Temer pretende vender a Eletrobras. O Ministério de Minas e Energia anunciou que vai reduzir a participação da União no capital da estatal e pulverizar seu controle entre operadores privados. “Eu preciso provar para essas pessoas que a gente não tem que vender Petrobras, BR Distribuidora, não tem que fechar a indústria naval, vender a Eletrobras, a gente tem é que criar vergonha na cara e trabalhar, porque esse país pode ser muito melhor”, disse.

Ao analisar a situação de crise e desencanto da população com a política, ele voltou a classificar o analfabetismo político alimentado pelos meios de comunicação como conveniente ao golpismo: “Os que querem que o povo negue a política, que não aceite a política, são as pessoas que gostaram do golpe de 64, as que gostam do fascismo, do nazismo. Os democratas, os socialistas gostam de eleição para poder escolher as pessoas mais representativas, de vereadores a presidente da República”.

O ex-presidente disse que, se for escolhido para ser candidato novamente, e se “a Justiça” deixar, vai vencer para fazer mais do que já fez anteriormente. “Todo mundo no fundo sabe o que tem que fazer para governar uma cidade, um estado, um país. Mas tem gente que acha que o óbvio é governar só pra 35% da população, só para os latifundiários, só entre os mais ricos. O governante tem que governar para todo mundo, mas aqueles que precisam mais, são os que devem receber maior atenção. Eu não descansarei enquanto a gente não recuperar a dignidade do povo brasileiro.”

Lula cumpre ainda mais uma etapa da agenda sergipana em Aracaju e seguirá na tarde desta terça-feira (22) para Penedo, em Alagoas. No estado, tem compromissos amanhã em Arapiraca, antes de ir a Maceió.

Cláudia Motta/TVT/RBA
Dez mil na Praça de Eventos. Como Berenice (boné), Angélica (óculos) e a pequena Marcela, que acha Temer ‘do mal’. Anne estava com a turma do curso de Agropecuária do Instituto Federal, e sonha ser veterinária

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