grande pátria

Lula defende autonomia das nações latino-americanas na inauguração do Instituto Futuro

'Queremos andar pelas nossas pernas, autonomia. Queremos pensar com nossas cabeças, escolher nosso desenvolvimento', afirmou ex-presidente, patrono da instituição que pretende pensar o continente

reprodução/instituto lula

Instituto pretende ‘discutir políticas públicas tanto dos governos populares como das administrações conservadoras’

São Paulo – “O que eu puder fazer para que possamos avançar na compreensão dos problemas que temos que enfrentar na América Latina, para que um dia possamos avançar na criação de uma grande pátria, vou fazer”, disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante evento de lançamento do Instituto Futuro Marco Aurélio Garcia. Ao lado de importantes nomes da política e da academia latino-americana, o ex-presidente discursou sobre a importância da integração dos países do continente.

Lula é homenageado como patrono do instituto, que terá como objeto principal de estudo e articulação o desenvolvimento da integração latino-americana e caribenha. A iniciativa partiu da Universidade Metropolitana para a Educação e o Trabalho de Buenos Aires (Umet), em parceria com o Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso). De acordo com as instituições, a escolha do ex-presidente para tal posição se deve à sua representatividade na “luta em defesa da democracia, da soberania e da dignidade humana” no continente.

O Instituto “pretende discutir políticas públicas, tanto dos governos populares como das administrações conservadoras, e promover uma profunda reflexão sobre os caminhos possíveis e desejáveis para o avanço da democracia, da integração e da justiça social em nosso continente”, afirma em nota a organização. “Trata-se de avaliar o que fizeram de melhor os governos progressistas da região, com que obstáculos se defrontam, quais foram as razões de seus êxitos e também seus reveses”, completa.

Além do ex-presidente, compareceram ao evento realizado na tarde de hoje (15), na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, nomes como o presidente da CUT, Vagner Freitas, o ex-ministro Celso Amorim e o ex-chanceler da Argentina Jorge Taiana. “Foi bom para todos os países da América do Sul o entendimento dos governos e dos povos. Aumentamos as chances de melhorarmos as condições de vida do nosso povo. Podemos pensar nas relações entre Brasil e Argentina, ou entre Brasil e Uruguai em 2002 e 2010. Vamos ver que crescemos infinitamente mais, que os trabalhadores melhoraram de vida em todo o continente”, disse Lula.

O ex-presidente avaliou a conjuntura política do continente, bem como fez autocríticas, apontando o instituto como um instrumento de reflexão para futuros movimentos. “Precisamos aprender, pois temos muitas falhas. A política vai precisar ter muita intensidade. Se não fizermos as coisas de forma rápida, o mandato termina. Somos muito voluntaristas, deixamos de criar instituições multilaterais que poderiam estar garantindo coisas que fizemos durante nossos anos de governo.”

“Por que não consolidamos um banco do sul? Penso que o instituto pode contribuir para que nossos jovens não esqueçam do que foi pensado ontem e não esqueçam o que temos que construir. Vivemos em um período de negação da política. Um novo movimento mundial. A quem interessa enfraquecer a política? A quem interessa enfraquecer sindicatos? A quem interessa a inexistência de movimentos sociais? A quem interessa a despolitização da sociedade? Não interessa aos setores progressistas”, completou o ex-presidente.

Lula defendeu a autonomia das nações latino-americanas. “Vemos a situação se deteriorar. Me faz lembrar da disputa do governo FHC com o (Carlos) Menem, da Argentina. Era uma disputa de quem era mais amigo dos Estados Unidos, de quem ia passar uma noite de verão por lá, ou almoçar na Casa Branca. Já a nossa disputa é: não queremos brigar com os Estados Unidos nem com a Europa, eles são importantes. Mas queremos andar pelas nossas pernas, queremos autonomia. Queremos pensar com nossas cabeças, escolher o nosso desenvolvimento”, disse.

Autonomia e intervenção

Os presentes teceram críticas aos acenos do presidente norte-americano, Donald Trump, de possíveis intervenções militares na Venezuela. “Trump precisa aprender de uma vez por todas que não resolvemos conflitos políticos com armas. Resolvemos com diálogo, com acordo. Se ele não sabe fazer, podemos ensiná-lo como construir a paz”, disse Lula.

O presidente da CUT também criticou a atitude. “A agressão ao povo venezuelano vinda pelo presidente dos Estados Unidos deve ser refutada e enfrentada de maneira dura por todos os habitantes, por toda a sociedade”, afirmou Vagner.

O ex-chanceler Celso Amorim avaliou que vivemos um “momento de luta pela nossa integridade, por nossos direitos, baseado no princípio da solidariedade. O Lula sempre me disse que nossa integração não é baseada em interesses nacionais. Sim, também, mas o interesse tem que ser compatível com a solidariedade. Eu tenho mais de 50 anos de vida dedicada à política internacional. Não me lembro nunca de um presidente dos Estados Unidos ameaçando um país sul americano de agressão. Isso é uma violação da Carta da ONU. Em nossa época, na Unasul, seria motivo imediato para a convocação de uma reunião para condenar a ameaça”.

Estratégia contra o retrocesso

A importância da criação de um centro estratégico de fomento a novos projetos progressistas foi exaltada pelos participantes, que analisaram o contexto político do continente como adverso. “Neste momento em que ideias conservadoras afligem nossos países, é extremamente importante a continuidade do nosso trabalho. Vamos dizer que um outro mundo é possível, o mundo pelo ponto de vista dos trabalhadores e daqueles que defendem melhores condições de vida. Nossa obrigação é não trair as futuras gerações errando nos diagnósticos e ações”, disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, o Wagnão.

O reitor da Umet, Nicholas Trotta, reafirmou a ideia. “Estamos em um Brasil que vive um Estado de exceção. Estamos em um Brasil que rompeu com sua normalidade democrática após um golpe parlamentar. Também estamos em um Brasil que vemos avançar na retirada de direitos dos trabalhadores e dos setores populares. Por isso, acreditamos ser fundamental para todo o campo popular institucionalizar espaços como universidades e institutos para convocar organizações para debates”, disse.

O secretário-geral da CTA, central sindical argentina, Hugo Yasky, classificou os governos conservadores que ascendem no continente como “revanchistas”. “Estamos vivendo um momento de retrocesso, e a característica dos nossos governos é que são oriundos de grupos de empresários conservadores e reacionários. Além de um programa de ajuste que coloca em crise nossos países, eles criam desigualdade, fome e repressão. São governos revanchistas. Eles têm ódio das organizações sociais. Tudo isso com apoio de fontes conservadoras como a mídia. Eles tentam construir no imaginário popular a ideia de que o retorno de um governo popular seria voltar ao passado”, disse.

Marco Aurélio Garcia

Em meio às reflexões e prospecções, todos deixaram suas homenagens a Marco Aurélio Garcia, que morreu em 20 de julho e é homenageado no nome do instituto. “Um grande intelectual que nos ajudou a pensar a história contemporânea e o futuro do continente. Lembro dele se perguntar como é possível que essas figuras cinzas que estão no poder ali chegaram. Ele propunha pensar nas condições que levaram a isso. Temos que fazer um bom balanço, ter diagnósticos e entender o que está acontecendo”, sintetizou o secretário-executivo da Clacso, Pablo Gentilli.

 

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