De volta para o passado

Interesses do mercado colocam em xeque eleições de 2018

Roberto Amaral, coordenador da Frente Brasil Popular, e economista Guilherme Mello concordam com senadora Gleisi Hoffmann: Instituto Millenium deu recado claro contra a democracia no país

CUT/RS e reprodução/Youtube

Amaral e Mello: para o mercado, a democracia só vale quando ratifica os seus projetos

São Paulo – As eleições de 2018 correm risco real de não serem realizadas porque ameaçam as reformas do governo Michel Temer ou de um eventual substituto escolhido via eleição indireta no Congresso, caso o peemedebista não tenha fôlego para levar seu “mandato” até o fim. Esse é o recado que está sendo passado por setores vinculados ao mercado, como em evento realizado na terça-feira (20) pelo Instituto Millenium.

A senadora Gleisi Hoffmann (PR), presidenta nacional do PT, chamou a atenção para esse risco crescente na quarta-feira (21), da tribuna do Senado. O cientista político Roberto Amaral, um dos coordenadores da Frente Brasil Popular, e o economista Guilherme Mello, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concordam com a parlamentar.

O risco de um novo golpe que inviabilize as eleições, a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva ou ainda utilize a alternativa de mudança de regime “sempre existe”, diz Amaral. “A democracia representativa e o processo eleitoral são acidentes para a classe dirigente brasileira, para a direita. Eles não têm compromisso com o processo democrático. O compromisso deles é com os interesses da casa-grande. Isto que está sendo dito pelo Instituto Millenium era dito em 1963 pelo Ipes (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, criado em 1961). O Millenium de hoje é o Ipes dos anos 1960, que foi organizado para preparar ideologicamente a ditadura.”

Para o ex-presidente do PSB, as eleições de 2018 não estão asseguradas porque, entre outras coisas, o sistema teme o “risco Lula” ou, pelo menos, a retomada do processo histórico que estava em curso com os governos Lula e Dilma Rousseff. Amaral não vê ironia no fato de o PSDB, fundado como social-democrata, desempenhar o papel atual, por exemplo, por meio do Millenium. “A UDN também defendia a democracia e participou de todos os golpes no Brasil desde 1945.”

Na quarta (21), o Valor Econômico publicou matéria sobre o encontro promovido pelo Millenium. Segundo o jornal, a economista Zeina Latif defendeu a necessidade de “um debate sério sobre a agenda econômica no ano que vem”, e acrescentou: “É exagero dizer que vamos repetir 2002 (quando Lula se elegeu), mas não consigo jurar de pé junto que não vamos. O grau de incerteza é muito grande, tem potencial de gente muito esquisita no ano que vem”.

No senado, Gleisi comentou a reportagem do Valor, intitulada “Eleição de 2018 ameaça reformas, dizem analistas”: “Analistas de mercado”, ressaltou a parlamentar. “Aqui o que vale não é o povo brasileiro, não é o interesse da maioria, o trabalhador. Aqui o que vale é o mercado, aquela gente que ganha dinheiro na especulação de títulos públicos, na banca financeira. É essa gente que interessa.”

De acordo com o texto do Valor, a avaliação de empresários e economistas no evento do Millenium é de que “o cenário político conturbado pode não atrapalhar muito o desempenho da economia este ano, mas as eleições de 2018 representam risco real à agenda de reformas necessárias para o país voltar a crescer”.

Democracia como risco

Sob o ponto de vista da economia, Guilherme Mello manifesta opinião semelhante à de Roberto Amaral. “Existe uma agenda econômica que atende a determinados interesses. Zeina Latif é uma famosa consultora financeira e está olhando para o mercado. Eles gostam da democracia apenas quando ela valida as opiniões e projetos deles. Quando não valida ou ameaça, a democracia se torna um risco. E, portanto, seria melhor talvez não ter diretas já e nem ter eleição em 2018.”

Para o economista, os ideólogos dessa posição “morrem de medo” dos interesses e da opinião da população. Num processo democrático, a população naturalmente vai rejeitar e reverter as políticas que lhe prejudicam. “No fundo, o aviso da Zeina é contra a democracia, porque eles são incapazes de convencer a população das suas políticas.” O mercado só está expressando uma formulação segundo a qual as “reformas” como as implementadas por Temer são o único caminho, com ou sem democracia. “Como diriam na década de 90, there’s no other way, não há outra saída. Para eles, a saída é fazer as reformas e diminuir o Estado para resolver o problema dos países.”

Dizendo que “não há espaço para populismos”, segundo a matéria do Valor, Zeina Latif argumentou que o déficit fiscal chegou a 2,4% do PIB e o Brasil precisa de um superávit primário de 2,5% do PIB.

“O Brasil tem de fazer superávit primário porque tem um gasto com juros absolutamente fora da média internacional. A maioria dos países faz déficit primário, só que não tem tanto gasto com juros. O que está fora da curva não é o déficit primário brasileiro, é o gasto com juros”, diz o professor da Unicamp.

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