Lava Jato

Supremo revoga prisão preventiva de Dirceu na Lava Jato

Depois de o procurador Deltan Dallagnol apresentar nova denúncia contra Dirceu com objetivo de pressionar 2ª Turma do STF, Gilmar Mendes classificou o ato de 'quase uma brincadeira juvenil'

EBC

STF reconheceu que há excesso de prazo na prisão preventiva, que chega a quase dois anos

Brasília – A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu hoje (2) soltar o ex-ministro José Dirceu, preso por determinação do juiz federal Sérgio Moro na Operação Lava Jato. Dirceu está preso desde agosto de 2015 no Complexo Médico-Penal, em Pinhais, região metropolitana de Curitiba.

Por 3 votos a 2, a maioria dos ministros aceitou pedido de habeas corpus feito pela defesa de Dirceu e reconheceu que há excesso de prazo na prisão preventiva, que chega a quase dois anos.

Votaram pela libertação os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. O relator, Edson Fachin, e Celso de Mello manifestaram-se pela manutenção da prisão.

O julgamento começou na semana passada, mas foi interrompido para ampliar o prazo para que os advogados de Dirceu e do Ministério Público Federal (MPF) pudessem se manifestar.

Na ocasião, houve somente o voto do relator, Edson Fachin, que repetiu os argumentos na sessão de hoje. O ministro concordou com a fundamentação usada por Sérgio Moro para manter a prisão de Dirceu.

Para Fachin, a alegação sobre a longa duração das prisões provisórias de investigados na Lava Jato não pode levar em conta somente o prazo temporal. Segundo o ministro, é preciso verificar a gravidade dos fatos e a reiteração criminosa. Dirceu foi condenado no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

“Eventual excesso na duração das prisões cautelares não deve ser analisado mediante prazos estanques. Não se trata de avaliação meramente aritmética.”, disse o relator.

Celso de Mello acompanhou o relator e votou pela manutenção da prisão do ex-ministro. Mello também entendeu que não há nenhuma ilegalidade na decisão de Moro que manteve a prisão de Dirceu, e disse que a prisão não pode ser substituída por medidas cautelares.

Para o ministro, ao longo das investigações da Lava Jato, percebeu-se que a corrupção contaminou o Estado e se caracterizou como sistêmica e endêmica.

“O efeito imediato que resulta desses comportamentos delituosos parece justificar o reconhecimento de que as práticas ilícitas perpetradas por referidos agentes, incluindo José Dirceu, tinham um só objetivo: viabilizar a captura das instituições governamentais por determinada organização criminosa.”, argumentou.

A divergência foi aberta pelo ministro Dias Toffoli. No entendimento de Toffoli, como a sentença de Moro não permitiu a Dirceu recorrer em liberdade, foi antecipado o cumprimento da pena na primeira instância, fato ilegal. Para o Supremo, a pena pode ser executada somente na segunda instância.

Embora reconheça a gravidade das acusações contra Dirceu, Toffoli também entendeu que a prisão pode ser substituída por medidas cautelares, que podem ser autorizadas por Sérgio Moro.

“Considerando os crimes investigados, as apontadas circunstâncias dos fatos e a condição do paciente, reputo adequadas e necessárias outras medidas cautelares, que, ao meu ver, são suficientes para minimizar os riscos que fundamentaram a decretação da prisão”, disse o ministro.

Ricardo Lewandowski também acompanhou a divergência e entendeu que prisões preventivas não podem ser fundamentadas em riscos abstratos à ordem pública e à investigação. Segundo o ministro, Dirceu está preso há quase dois anos sem que haja previsão para o julgamento da apelação pela Justiça Federal. Dessa forma, segundo Lewandowski, o ex-ministro não pode ter sua pena antecipada.

“Apenas a menção à gravidade dos delitos, não pode, ao meu ver, ser validamente invocada para a decretação de sua prisão preventiva, da prisão preventiva do paciente [Dirceu] e de qualquer outro paciente, como nós temos aqui reiteradamente afirmado”, acrescentou.

Último a votar, o presidente da turma, Gilmar Mendes, desempatou o julgamento, e também condenou as prisões por tempo indeterminado na Lava Jato, que considera  ilegais. Para o ministro, o uso da prisão preventiva como punição não é compatível com o princípio constitucional da dignidade humana.

“O caso mais importante em termos penais julgado originariamente por esta Corte [mensalão] não teve prisão preventiva decretada, e esse fato tem sido esquecido. Não é clamor público que recomenda a prisão processual. Não é o momento para ceder espaço para o retrocesso”, disse.

Em maio do ano passado, José Dirceu foi condenado a 23 anos de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Na sentença, Moro decidiu manter a prisão preventiva. Posteriormente, o ex-ministro da Casa Civil teve a pena reduzida para 20 anos e 10 meses. Ele foi acusado de receber mais de R$ 48 milhões por meio de serviços de consultoria, valores que seriam oriundos de propina proveniente de esquema na Petrobras, de acordo com os procuradores da Lava Jato.

Na manhã de hoje, o Ministério Público Federal (MPF) ofereceu nova denúncia contra o ex-ministro José Dirceu pelo suposto recebimento de propina das empreiteiras Engevix e UTC, entre 2011 e 2014.

No STF, a defesa de Dirceu sustentou que o ex-ministro tem mais 70 anos e não há motivos para que continue preso. Segundo o advogado, Dirceu não oferece riscos à investigação por já ter sido condenado e a fase de coleta de provas ter-se encerrado.

Pressão de procurador

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes criticou o anúncio do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba de nova denúncia contra o ex-ministro José Dirceu na Operação Lava Jato. Durante o julgamento em que a Segunda Turma do tribunal garantiu liberdade a Dirceu, Mendes disse que não cabe a procurador da República pressionar a Corte e classificou a apresentação da denúncia de “quase uma brincadeira juvenil”.

A força-tarefa de procuradores da Lava Jato no Paraná, chefiada pelo procurador Deltan Dellagnol, apresentou nova denúncia contra o ex-ministro, na qual acusa Dirceu de receber R$ 2,4 milhões em propina. Durante entrevista coletiva, os procuradores citaram fatos que poderiam justificar a permanência de Dirceu na prisão.

Ao comentar o caso, Gilmar Mendes disse que, se a Corte fosse ceder à pressão do MPF, deixaria de ser Supremo, a última instância do Judiciário. “Creio que hoje o Tribunal está dando uma lição ao Brasil. Há pessoas que têm compreensão equivocada do seu papel. Não cabe a procurador da República pressionar, como não cabe a ninguém pressionar o Supremo Tribunal Federal, seja pela forma que quiser. É preciso respeitar as linhas básicas do Estado de Direito. Quando quebramos isso, estamos semeando o embrião do viés autoritário.”