Resistência

‘Querem destruir Lula enquanto símbolo’, diz Laerte Coutinho

Para cartunista, é preciso 'dar solidez a uma vontade democrática' que existe no país. 'A população não se vê representada por ninguém'

André Setti/Divulgação

Para Laerte, reformas em andamento mostram que havia, antes do impeachment, projeto que estava engatilhado

São Paulo – A cartunista Laerte Coutinho não acompanhou o noticiário do dia sobre o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Curitiba, mas vê com preocupação o momento político do país, com sério risco à democracia e dúvidas sobre a realização das eleições em 2018. “Estou preocupada em dar solidez a uma vontade democrática. Existe um campo que precisa ser trabalhado, de sentimento democrático, forte, profundo. Tem de representar a população de uma forma mais íntima”, diz. A população não se vê representada pelo Congresso? “Por ninguém”, responde.

Sobre o processo envolvendo o ex-presidente, Laerte identifica o uso da corrupção apenas como pretexto de uma ação que visa inviabilizar o projeto representado por ele. “A luta é para destruir o Lula enquanto símbolo, de um movimento de autovalorização, de desenvolvimento, de se impor ao mundo como país. Tudo isso é objeto de ataque agora. Não se trata de prender o Lula, mas de destruir as forças produtivas.”

O modo como isso acontece é “muito perigoso”, diz a cartunista. “Derrubaram a única figura política que não estava mencionada em lugar algum (referindo-se à presidenta Dilma Rousseff) e puseram uma quadrilha.” Ela também considera “de arrepiar” os argumentos contrários ao indeferimento de pedidos contra o juiz federal Sérgio Moro. “Até quando vai a exceção, quem controla”, afirma, lamentando a presença, no Judiciário, de “gente moralista, que coloca a religião acima das questões jurídicas”. Para Laerte, “estamos caminhando numa faixa muito estreita de alguma democracia”.

Nesta semana, uma charge publicada no jornal Folha de S.Paulo mostra um Moro se “automanipulando”, como um fantoche. “Busquei uma metáfora gráfica de uma situação que eu acho espantosa, esquisita, estranha e abusiva”, diz a cartunista. Para ela, mesmo entre os seguidores de Moro certamente não há quem não o considere um juiz imparcial. “Acontece que quem o apoia acha que tem de ser assim”, acrescenta.

Laerte acredita que as reformas em andamento mostram que havia, antes do impeachment, “um projeto que estava no gatilho, para ser deflagrado”, citando a Emenda Constitucional 95, de limitação de gastos públicos, a Petrobras, privatizações, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Previdência. “Com essa canastra real, eles vão dar a missão por cumprida.” Em dúvida sobre a realização das eleições, ela também observa o aparecimento de nomes como Jair Bolsonaro, Luciano Huck ou João Doria no espectro político. “São sinais muito preocupantes. A luta contra esses ataques à democracia, e eu nem estou falando da esquerda… Estou preocupada em dar solidez a uma vontade democrática. Temos de garantir o passo seguinte”, afirma, pedindo “pressão constante” contra as iniciativas conservadoras.

Um passo foi dado com a greve geral de 28 de abril, acredita. “Foi um movimento muito bem sucedido. A imprensa está tendo até hoje um trabalhão para mostrar que não houve. Acho que isso já mudou alguma coisa no Congresso.”