Política externa

Atual governo fracassou na América do Sul, avalia Amorim

Para ex-ministro, Brasil deveria ter papel conciliador na crise venezuelana

Divulgação/Ministério da Defesa

‘Por que se preocupar tanto com a América do Sul?’, perguntou o repórter. ‘Porque moro aqui’, respondeu Amorim

São Paulo – Ministro das Relações Exteriores de 2003 a 2010 (todo o período do governo Lula) e da Defesa de 2011 a 2014 (gestão Dilma), o embaixador Celso Amorim critica a atual política externa, citando a crise da Venezuela. “Onde o Brasil fracassou realmente foi na América do Sul. Eu não posso conceber, independentemente da crise, que um país do tamanho do Brasil não tenha nenhum papel como conciliador”, afirmou, durante palestra realizada na noite de ontem (30), na Universidade Estadual Paulista (Unesp), na região central de São Paulo. Ele está lançando o livro A Grande Estratégia do Brasil, coletânea de artigos, discursos e entrevistas durante sua gestão na Defesa.

Para Amorim, ainda que a crise política naquele momento não fosse tão aguda no país vizinho, a criação de um “grupo de amigos” da Venezuela pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi “fundamental para que houvesse algum diálogo”. Ele disse não acreditar na deflagração de um conflito, mas, parafraseando o político Otávio Mangabeira (que falou em democracia), disse que “a paz também é uma planta tenra” e que, entre as nações, o histórico é de guerra.

“A paz, a diplomacia e a defesa estão muito juntas. E você não pode, com estridências, colocar tudo isso a perder”, afirmou.

Para o embaixador, com um governo como o Donald Trump nos Estados Unidos, seria um momento para a integração sul-americana se fortalecer. Mas ele diz não ver “nenhuma liderança” no continente. O Brasil, acrescentou, precisa ter uma presença mundial compatível com o seu tamanho, citando pioneiros da diplomacia, como o Barão de Rio Branco e San Tiago Dantas e apontando perda de soft power. “Você precisa também ter um poder robusto que é capaz de dar suporte a esse poder brando.” 

Amorim observa que, até pouco tempo atrás, um termo como Conselho de Defesa Sul-Americano era “impensável”, assim como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Escola de Defesa. Integração do continente, só no futebol, brincou, lembrando ainda da pergunta feita por um repórter: “Por que o senhor se preocupa tanto com a América do Sul?” A resposta foi singela: “Porque eu moro aqui”.

Mediado pelo professor Héctor Luís Saint-Pierre, do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais, o evento de ontem também comemorou os 30 anos da Editora Unesp e do Centro de Documentação e Memória (Cedem) da instituição. O livro aborda temas como atualização tecnológica, cooperação no continente e papel das Forças Armadas. A uma pergunta sobre uma possível intervenção militar diante da crise brasileira, Amorim afirmou não acreditar na possibilidade. “E nem creio que eles queiram”, acrescentou.

O embaixador lamentou o decreto do governo Temer, de 24 de maio, dia da marcha das centrais sindicais e movimentos sociais a Brasília, convocando as Forças Armadas, para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). “Episódio tão lamentável que o próprio governo voltou atrás em um dia.”

Ele defendeu ainda a opção, pelo Brasil, de compra de jatos suecos. Durante anos, o país negociou também com fabricantes dos Estados Unidos e da França. “A judicialização do caso dos caças suecos é algo espantoso, porque sempre foi a preferência da Aeronáutica”, observou Amorim. Segundo ele, a escolha permitiu uma compra um pouco mais barata e com maior autonomia tecnológica.