Conflito de narrativa

Comunicação é elemento vital no debate da reforma da Previdência, diz professor

Para Lalo Leal, da USP, disputa tem diferentes níveis de profundidade. No mais simples, a população já percebe que será prejudicada; no mais elaborado, governo leva vantagem com discurso do medo

Rodrigo Gomes/RBA

Apesar da cobertura da mídia, Lalo Leal acredita que trabalhador entendeu que será prejudicado

São Paulo – Na semana passada, um vídeo divulgado nas redes sociais, produzido pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e narrado pelo ator Wagner Moura, afirmava que a reforma da Previdência proposta pelo governo Temer trará sérios prejuízos à população. Em seguida à divulgação, o Palácio do Planalto produziu um outro vídeo para rebater as afirmações do primeiro, chegando a afirmar que Wagner Moura “mentia” sobre a reforma. O fato ilustra o quanto a comunicação tem sido um elemento vital no debate sobre o futuro da aposentadoria do cidadão brasileiro. Outra batalha da chamada guerra da comunicação ocorreu com relação à visibilidade dada pela mídia tradicional às manifestações realizadas no último dia 15 em diversas cidades do país, que tiveram como principal mote justamente a resistência à reforma da Previdência, além da trabalhista.

Na análise de Lalo Leal, sociólogo, jornalista, pesquisador na área de políticas da Comunicação e professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), se por um lado a cobertura parcial dos veículos de comunicação sobre as manifestações não é motivo de surpresa, por outro o trabalhador está, mesmo assim, entendendo o quanto será prejudicado caso a proposta do governo de Michel Temer seja aprovada no Congresso Nacional.

“A cobertura das manifestações seguem a linha que a mídia já vinha adotando desde antes do golpe contra a presidenta Dilma. O destaque dado às manifestações contrárias ao governo Dilma desapareceu nas manifestações contra o Temer. É uma postura ideológica coerente com a linha editorial desses grandes meios”, explica Lalo, referindo-se aos portais, jornais, rádios e televisões dos principais grupos de comunicação do Brasil.

Como exemplo do que define como “posição parcial de cobertura” das manifestações contra a reforma da Previdência e Trabalhista do último dia 15, o professor da ECA-USP cita a reportagem que foi ao ar naquela noite pelo Jornal Nacional, com dois minutos e quarenta e quatro segundos, sendo apenas uma “nota coberta”, ou seja, uma locução em off com algumas imagens. Para ele, a reportagem do principal telejornal da Rede Globo foi um modo de “esvaziar” a importância da notícia, considerando o tamanho das manifestações de repúdio contra a reforma da Previdência pretendida pelo governo Temer. “Por qualquer critério jornalístico, foi incompatível o espaço dado pelo Jornal Nacional à relevância do acontecimento.”

Segundo Lalo Leal, outro exemplo de como o enfoque dado pela mídia diminui a importância das manifestações foi a capa do dia seguinte do jornal O Estado de S. Paulo. Nela aparecia a foto do interior de uma estação de metrô lotada e a notícia de que as manifestações haviam criado problemas no transporte público e no trânsito. “Esse foi o tom da cobertura desses jornais e da mídia eletrônica. O tom era de que as manifestações criavam problemas às cidades, sem discutir as razões das manifestações. Uma abordagem comum a todos os veículos, não tomando conhecimento das reivindicações e muito menos discutindo as reivindicações”, analisa o pesquisador na área de políticas da Comunicação

A exceção, para ele, foi o jornal Folha de S. Paulo, que no dia seguinte estampou uma foto da Avenida Paulista tomada pelos manifestantes. Apesar disso, no interior do jornal a reportagem sobre os atos foi deslocada para o caderno Mercado, com menos visibilidade do que seria no caderno de política, que abre o jornal. “Na verdade é um fato político nacional, era para estar no caderno principal de política. A Folha faz isso sempre para manter aquela ilusão de que ela é imparcial, mas no conjunto ela se posiciona também de maneira parcial. A cobertura do dia 15 nada mais foi do que uma continuidade dos movimentos contrários ao golpe, tanto antes, quanto depois da destituição da presidenta da República, o que não é nenhuma surpresa.”

Entender o prejuízo

Explicando não ter um olhar tão abrangente das redes sociais, até pela característica do próprio meio, Lalo Leal observa que o tema é complexo em sua discussão mais profunda, mas tem forte apelo simbólico. “Não há necessidade de maiores explicações para as pessoas entenderem que elas serão prejudicadas caso a lei seja aprovada. É uma questão que pega todo cidadão brasileiro e ele já percebeu, pelas redes sociais, que é muito difícil contra argumentar em favor da proposta de 49 anos para a aposentadoria integral e a idade mínima de 65 anos para homem e mulher. É muito difícil convencer de que isso é benéfico para o trabalhador e o cidadão em geral.”

O professor da ECA-USP acredita que, nesse nível de reflexão, “não há muito o que discutir”. Para ele, entretanto, nos níveis de “maior elaboração do debate”, há uma dificuldade de argumentar contra a proposta. “O governo tem mais facilidade em dizer: ‘se não fizer a reforma, a previdência quebra’.”

Segundo ele, esse tom de “fim de mundo” é mais fácil de compreender, ao contrário da contra argumentação, necessariamente um pouco mais elaborada, para mostrar que a Previdência não está quebrada e que o governo só contabiliza as receitas do patrão e do empregado, deixando de fora outras receitas da Seguridade Social, com o objetivo de não apresentar a Previdência como superavitária. “Existem estudos muito bem feitos que mostram que a Previdência não está quebrada, mas isso já é mais difícil na discussão midiática”, avalia.

“De um lado você tem as pessoas sentindo que serão afetadas e de outro, o governo dizendo que a Previdência quebra se não houver a reforma. Esse é o debate. Entre um e outro, me parece que a força maior está naquele que levou às pessoas às ruas dia 15, que é o temor de que todos serão prejudicados.”

De acordo com Lalo Leal, a reforma da Previdência proposta pelo governo Temer é “radical demais” e isso está ficando evidente para o trabalhador. Nesse cenário, o pesquisador pondera que tal radicalidade está, inclusive, unificando o movimento de oposição ao presidente Michel Temer. “Eles conseguiram unificar centrais sindicais que muitas vezes têm posições diferentes, conseguiram municiar a oposição contra o governo tal a virulência da proposta que está no Congresso”, finaliza.