'sabatina' das arcadas

Ato na Faculdade de Direito da USP reprova e repudia Alexandre de Moraes no STF

Em ato diante da faculdade do Largo São Francisco, onde ele se formou (1990), advogados, estudantes e militantes contestam sua indicação. 'Esse será o intérprete da Constituição?', questiona professora

© Diego Padgurschi/Folhapress

Contra indicação de Alexandre de Moraes ao STF, grupos protestam na Faculdade de Direito da USP, no centro de São Paulo

São Paulo – Aluno da turma 159 da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), formado em 1990, o advogado Alexandre de Moraes teve seu nome reprovado e repudiado durante manifestação realizada ontem (20) à noite, exatamente diante da instituição em que estudou, no Largo São Francisco, centro paulistano. Perto das tradicionais arcadas, na tribuna livre, advogados, professores, estudantes e representantes de movimentos sociais deram argumentos técnicos e políticos contra a indicação de Moraes ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ele passará por sabatina hoje no Senado.

Professor titular da USP, Sérgio Salomão Shecaira (turma 151, de 1982), ex-presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), disse ver em “certa solidariedade na área jurídica” um motivo para alguns colegas não participarem do ato de ontem. Ele ironizou a rápida ascensão profissional de Moraes, referindo-se a ele como “exótico”, citando termo usado na semana passada pelo escritor Raduan Nassar. “O exotismo de alguém que não se atém aos estudos”, emendou. 

“Demorei quatro anos para fazer meu mestrado, outros quatro para fazer o doutorado, cinco para a livre-docência. Isso eu chamo de carreira”, afirmou. Em referência ao pós-doutorado inexistente, mas presente no currículo de Moraes, que o ministro licenciado da Justiça atribuiu a um erro da secretária, Shecaira afirmou que nem sequer havia pós-doutorado na época indicada.

Para ele, o país vive um “conluio conservador, que é algo que nos atemoriza, e muito”. O jurista disse esperar por avanços nas representações contra Moraes na Comissão de Ética da USP e na Procuradoria-Geral da República, por plágio. E observou que o foro para essa acusação seria justamente o STF. “Estamos dando foro privilegiado a uma pessoa para que ela escape das garras da Justiça. Seria o constrangimento maior para o já combalido Supremo Tribunal Federal. (Moraes) não tem notável saber jurídico, porque o saber jurídico dele é de terceiro, e não tem reputação ilibada”, afirmou Shecaira, lamentando a ausência, no ato, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Plágio

Para a professora de Direito Internacional Deisy Ventura, livre-docente do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, o indicado ao STF tem “repúdio do meio jurídico”, citando também ações populares contra Moraes e um abaixo assinado com 270 mil nomes, organizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, entregue ontem no Senado.

Fazendo referência a “indicações equivocadas” ao Supremo, Deisy afirmou que quem sofre as consequências é o Direito e, sobretudo, a população. Ela também comentou, indiretamente, as acusações de plágio contra o advogado e ministro licenciado: “Nós escrevemos nossos próprios livros”. Para a professora, Moraes deveria copiar 100 vezes na lousa “as frases que ele copiou”.

A professora citou declaração feita no ano passado por Moraes, que defendeu menos pesquisas e mais armamento, para manifestar preocupação com a possível futura presença na Corte Suprema de uma pessoa com ideias “antijurídicas”. “Esse será o intérprete da Constituição, que vai julgar seus correligionários até a semana passada, aquele que vai dar as costas à sociedade ou a todo aquele que pensar diferente?”, questionou. Para ele, se a nomeação se consumar, haverá “garantia de impunidade para crimes imperdoáveis”.

Com formação em Ciências Sociais e em Direito (turma 157, de 1988), Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, lamentou voltar 30 anos depois ao Largo São Francisco em um momento político difícil, bastante diferente do que viveu naquele 1988, ano de conclusão de curso e de aprovação da Constituição Federal. “Não vivemos golpe da noite para o dia. Mas temos no dia a a dia a perda de direitos, alguns na surdina.”

Para ela, indicação de Moraes “é uma vergonha para todos os professores da USP e para o país. “Espero que a Comissão de Ética leve isso adiante”, cobrou. “Se eu julgasse o currículo lattes de Alexandre de Moraes, eu não o aprovaria sequer para um mestrado”, afirmou Ana Lúcia, contando ter consultado o currículo do ministro no dia da indicação – e visto a informação de um pós-doutorado antes do doutorado. Além disso, dos livros que constavam como obras de Moraes, parte era simplesmente de outras edições. Sem muita expectativa de reprovação na sessão de hoje da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, a professora disse esperar que, ao menos, a sabatina possa “colocar o dedo em algumas feridas, que alguns senadores tenham coragem”. 

O 2º vice-presidente do Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, Thiago Barison de Oliveira, disse que a indicação de Moraes teve “repúdio unânime” da diretoria da entidade. “Estamos do lado da democracia, dos direitos humanos, da República brasileira,que está sendo atacada. Ele não merece estar naquela cadeira, não tem as credenciais. A credencial dele é ser golpista”, afirmou Thiago, para quem o governo Temer encaminhada uma “agenda de destruição do pacto de 1988”.

Golpe em andamento

Primeiro a falar na tribuna, o juiz do Trabalho Jorge Luiz Souto Maior, jurista e livre-docente na USP, disse que a indicação de Moraes é outra demonstração de que o processo que derrubou Dilma Rousseff não acabou. “Continua na perspectiva de destruição de direitos”, afirmou, referindo-se ao avanço de projeto sobre terceirização de mão de obra, à proposta de reforma da Previdência (“O fim da Previdência Social pública”) e a proposta de mudança na legislação trabalhista, tudo no sentido de “acabar com garantias constitucionais fixadas desde 1988”.

Ele lembrou que “é no STF que essas questões vão bater do ponto de vista jurídico”. “É preciso fazer com que o golpe não se consuma. Ainda está sendo dado, está em processo”, acrescentou Souto Maior.

Coordenadora da ONG Conectas Direitos Humanos, Camila Asano leu nota de repúdio em nome da rede Articulação Justiça e Direitos Humanos (JusDh), na qual se destacaram termos como “arbítrio e falta de diálogo” por parte de Moraes, criminalização de movimentos sociais e reputação acadêmica “questionável”. A JusDh também sugeriu mudanças no critério para escolha de ministro, incluindo consulta pública.

Advogado e diretor de redação do portal Justificando, Breno Tardelli leu perguntas que gostaria de fazer para Alexandre de Moraes. Ele questionou, por exemplo, o fato de Moraes ser sabatinado por vários denunciados na Operação Lava Jato e também pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG), que durante a campanha eleitoral de 2014 à Presidência pagou mais de R$ 360 mil ao escritório de advocacia de Moraes, por prestação de serviços jurídicos. No último dia 7, o ministro licenciado apresentou sua desfiliação do PSDB. Ele também já foi filiado ao PMDB e ao PFL (atual DEM).

“Só num governo que deriva de um golpe poderia ter esse moço indicado para o STF”, afirmou o coordenador em São Paulo da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, integrante da Frente Brasil Popular. Segundo ele, os movimentos sociais foram seguidamente reprimidos durante a gestão de Moraes como secretário estadual da Segurança Pública.

No dia do AI-5

Durante o processo de impeachment, o então secretário teria protegido os favoráveis à derrubada de Dilma, inclusive garantindo a manutenção de um acampamento “diante do quartel-general do golpe”, diz Raimundo, em referência à sede da Federação das Indústrias do Estado (Fiesp), na Avenida Paulista, enquanto entidades ligadas às frentes Brasil Popular e Povo sem Medo eram “reprimidas com extrema violência”. Para ele, confirmada a indicação, Moraes “será lembrado como um ministro que entrou pela porta de trás, questionado por juristas e movimentos sociais”.

Também se manifestaram, entre outros, representantes dos centros acadêmicos XI de Agosto e 22 de Agosto (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), Darci Frigo (Plataforma Dhesca Brasil), Marina Ganzarolli (Rede Feminista de Juristas, turma 180, de 2011, ex-aluna de Moraes), a ONG Educafro e a desembargadora aposentada Magda Biavaschi, representando a “anticandidata” ao STF Beatriz Vargas, professora da Universidade de Brasília (Unb).

Nascido em 13 de dezembro de 1968 – dia da decretação do AI-5, que abriu o período mais intenso de repressão na ditadura –. o paulistano Alexandre de Moraes é da mesma turma de José Antônio Dias Toffoli (no STF desde 2009, um dos oito ministros indicados pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva). Responsável pela indicação questionada, o presidente Michel Temer é mais um formado pela Faculdade de Direito da USP: turma 132, de 1963. Ontem, ele foi lembrado com gritos de “fora, Temer”. 

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