270 mil assinaturas

‘Moraes não tem a reputação ilibada exigida de um ministro do STF’

Senado recebe abaixo-assinado organizado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto contestando indicação de ministro da Justiça de Temer ao Supremo. Governo e oposição preveem sabatina tensa

Roque de Sá/Agência Senado

Paula Masulk, do Centro do XI de Agosto, entrega milhares de assinaturas do documento que pede ‘Moraes não’

Brasília – Os partidos contrários ao governo de Michel Temer vão ter sua primeira prova de fogo nesta terça-feira (21), quando o advogado Alexandre de Moraes, indicado pelo presidente Michel Temer para o Supremo Tribunal Federal (STF), será sabatinado. Ninguém acredita que possa surgir algum fato novo que venha a impedir Moraes de, a esta altura, ser aprovado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Mas espera-se um dia de protestos, perguntas constrangedoras ao sabatinado, lembranças do seu passado como advogado, dos seus clientes, de acusações de plágio acadêmico, de filiação partidária e militância do PSDB. A previsível tensão já é observada entre setores do Palácio do Planalto.

Embora o ano legislativo tenha começado no dia 2 e a oposição não tenha computado vitória nessas primeiras semanas, as poucas estratégias observadas até aqui mostraram que partidos como PT, Rede, Psol, PDT e PCdoB estão dispostos a combater as reformas da Previdência e trabalhista com mais garra do que nas lutas travadas no ano passado. Assim como as outras propostas enviadas pelo governo ao Congresso, nos últimos meses, que estão em tramitação.

Uma das primeiras investidas dos oposicionistas foi o atraso que eles conseguiram na votação da medida provisória que reformou o ensino médio, prevista para ser votada já no segundo dia de abertura dos trabalhos do Senado. Depois, protestos feitos por vários parlamentares na comissão que vai apreciar a proposta de reforma da Previdência na Câmara acabaram fazendo o governo recuar na intenção de ver a matéria votada dentro de pouco tempo. A ponto de o relator, deputado Arthur Maia (PPS-BA), reconhecer que não poderá apresentar seu parecer nas primeiras semanas de março.

Maia retirou do seu plano de trabalho datas referentes às apresentações de documentos e votações, diante dos vários requerimentos para realização de audiências públicas. O que mostra que o “apoio de 88%” do Congresso ao governo, citado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, não está sendo tão bem visto assim.

“É claro que o governo tem muita força, até porque conseguiu eleger os seus candidatos à presidência das duas Casas. Mas o caráter impopular das matérias em tramitação, a divisão do Centrão e a insatisfação de setores do PMDB e de outros partidos da base com a distribuição de cargos em estatais e ministérios estão atrapalhando articulações. E este é um vácuo interessante que os oposicionistas estão tentando aproveitar nas conversas de bastidores”, avaliou o analista legislativo Roberto Gomes, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Para Gomes, a oposição começou, depois do “susto” com a saída da ex-presidenta Dilma Rousseff, no ano passado, a finalmente se movimentar como oposição. A seu ver, “houve uma readequação natural entre os integrantes dos partidos, que estavam acostumados com 13 anos pertencendo à base aliada dos governos petistas e tentando aprovar as matérias e se viram às voltas com um movimento diferente”, observou.

Abaixo-assinado na CCJ

Na manhã de hoje (20), um grupo de deputados e senadores, ao lado de estudantes, entregou na CCJ um abaixo-assinado com mais de 270 mil assinaturas contra a indicação de Alexandre de Moraes à vaga de Teori Zavascki no STF. O documento foi articulado pelo Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Participaram do movimento os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Gleisi Hoffmann (PT-PR) e os deputados federais Carlos Zarattini (PT-SP), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Érika Kokay (PT-DF), Benedita da Silva (PT-RJ) e Maria do Rosário (PT-RS). A presidenta do Centro XI de Agosto, Paula Masulk, afirmou que Alexandre de Moraes “não tem a reputação ilibada exigida de um ministro do Supremo”. 

Os parlamentares também aguardam pedido no ao STF e na Procuradoria-Geral da República sobre a possibilidade de Moraes ter condições de ser indicado para o cargo, pelo fato de ter sido alvo de denúncias sobre fraudes em obras jurídicas.

Carlos Zarattini (SP), líder do PT na Câmara, destacou, na recepção aos estudantes, o que chamou de tentativa de blindagem, por parte do governo, com a indicação do advogado. “É evidente o objetivo do Temer com esta indicação. Se for aprovado como ministro, Alexandre de Moraes irá julgar seus ex-colegas de trabalho, ex-colegas de governo e ex-colegas de partido. Um verdadeiro absurdo e um escárnio”, afirmou.

Os estudantes da USP não foram recebidos nem pelo presidente da CCJ, Edison Lobão (PMDB-MA), nem pelo relator da indicação de Moraes, Eduardo Braga (PMDB-AM), mas não se intimidaram. Um requerimento apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues a ser analisado logo no início da sessão de amanhã vai pedir a inclusão do abaixo-assinado nos documentos sobre o advogado.

‘Contramão do desenvolvimento’

Coube à líder do PT no Senado, Gleisi Hoffmann, falar sobre o foco da oposição em meio a todo este movimento. De acordo com ela, além da briga na sabatina de amanhã, os oposicionistas vão atuar para impedir a aprovação de medidas apresentadas ao Congresso que, segundo ela, “estão na contramão do desenvolvimento”. “São muitas ameaças ao país e não vamos deixar que passem”, destacou a senadora.

Gleisi citou a mudança das regras de conteúdo local, a venda de terras para estrangeiros, a entrega do patrimônio das teles e, ainda, “a adoção de medidas sociais para favorecer quem ganha mais”. “Estamos decididos a ter um ano de luta, a brigar até o fim neste parlamento para impedir que estes retrocessos aconteçam. Até porque foi por isso que tiraram a presidenta Dilma, para entregar o país e reverter o modelo de desenvolvimento inclusivo que foi criado nos últimos 13 anos”, afirmou.

Também o líder da Rede na Câmara, deputado Alessandro Molon (RJ), tem atuado para garantir mais audiências públicas e que técnicos e especialistas diversos sejam ouvidos na comissão da reforma da Previdência. Molon reclamou, na semana passada, da conduta de Eliseu Padilha, que participou da abertura da primeira audiência pública da comissão para pedir apoio aos parlamentares – e saiu tão rápido quanto entrou.

“Ele (Padilha) tomou uma postura covarde e omissa, porque evitou ficar aqui para discutir o tema conosco. Sabemos das contradições desta proposta e sabemos dos riscos que representa para os brasileiros. Vamos debater esta e as outras reformas amplamente e não permitiremos uma votação açodada como deseja a base aliada”, disse.

As armas estão lançadas. E, apesar de o PMDB ter feito até ensaios da sabatina com Moraes, por mais que sejam grandes as chances de aprovação do nome do advogado para o Supremo, ninguém, na base aliada, demonstra estar tranquilo com a próxima reunião da CCJ. O que todos comentam nesta segunda-feira em Brasília é que, aconteça o que acontecer, a terça-feira antes do carnaval será bastante movimentada no Congresso.

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