Resistência

Na Alemanha, Jean Wyllys aponta razões do golpe e saídas para a crise do país de Temer

Sem abrir mão de críticas ao PT e aos governo Lula e Dilma, deputado tem posição objetiva sobre eles e dá esperança de que se possa constituir a necessária frente das esquerdas no Brasil

Flávio Aguiar/arquivo pessoal

Deputado Jean Wyllys fala sobre o golpe e as esquerdas do Brasil, em abertura de conferência na Alemanha

Berlim – No sábado (14), o jornal diário Junge Welt (um jornal berlinense independente, de esquerda, e muito semelhante à mídia alternativa brasileira) realizou sua 22ª Conferência Internacional Rosa Luxemburgo no Mercure MOA Hotel, em Berlim.

Muitos discursos, música e ar festivo. Homenagens à revolucionária polonesa que foi assassinada com Karl Liebknecht, em Berlim, pelo Freikorps (antecessores dos SS), em 15 de janeiro de 1919, lembranças de Fidel Castro, morto este ano, menções ao processo de paz na Colômbia, dentre outros temas, bastante emoção no ar, muitos veteranos de lutas históricas passadas e recentes marcaram o evento.

A abertura do evento ficou por conta do deputado federal brasileiro do Psol-RJ, Jean Wyllys, com o tema “A luta contra o retrocesso e a construção de uma nova esquerda”.

O deputado, que teve uma atuação marcante na defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff, tem uma qualidade interessante. Tendo entrado no partido em 2009, quatro anos depois da dissidência dos petistas que o fundaram, ele não tem o ressentimento contra o PT que caracteriza muitos de seus militantes.

Isto faz que, sem abrir mão de suas críticas ao PT e aos governo Lula e Dilma, ele tenha uma posição bastante objetiva sobre eles.

Abrindo sua fala, Wyllys fez uma “correção” ao título dado à sua intervenção, dizendo que falaria sempre “das esquerdas”, no plural, o que também é meritório. Caracterizou o ponto de vista do qual falava, dizendo que nasceu em meio muito pobre, “o que deixou marcas no meu corpo”, afirmou. Portanto, “não tenho um conhecimento ‘intelectual’ da pobreza, mas pessoal”.

Na maior parte de sua intervenção, explicou (o que é fundamental) o processo ilegítimo e ilegal de deposição golpista da presidenta legitimamente eleita, lembrando que, se guardava críticas à sua atuação, defendeu até o fim o seu mandato. A principal crítica do deputado à presidenta, sobretudo em seu segundo mandato, foi que ela abraçou um ideário neoliberal, contrário ao conteúdo de sua campanha, o que a fez perder o apoio das esquerdas de um modo geral.

Porém, ressaltou que os governos petistas promoveram muitos avanços até então inéditos na sociedade brasileira, como o de propiciar que 40 milhões de pessoas saíssem da miséria.

Por isto mesmo, além de outros avanços sociais, tornaram-se insuportáveis para a “Casa Grande“ brasileira, vendo esta com maus olhos a invasão de seus territórios – de shopping centers a aeroportos e universidades – pelos oriundos da “Senzala”, se valendo dos termos consagrados por Gilberto Freyre em sua obra mais conhecida.

Os arautos da Casa Grande promoveram então, no Congresso Nacional e fora dele, uma desconstrução sistemática das tentativas da presidenta no sentido de reerguer a economia, inviabilizando seu governo, além de promoverem uma campanha de ódio nas ruas contra as esquerdas de um modo geral, atacando desde parlamentares conhecidos até pessoas que simplesmente se vestiam de vermelho.

Como arautos da Casa Grande o deputado se referiu aos parlamentares liderados por Eduardo Cunha – hoje preso por acusações de corrupção, muitos deles também acusados por delitos semelhantes –; a integrantes do Poder Judiciário, juízes e promotores; à mídia conservadora; e a grupos de extrema-direita, que mobilizaram a classe média para ir às ruas em protestos contra o governo petista e as esquerdas.

Especificando suas críticas aos governos do PT, além da já mencionada adoção de um programa neoliberal no segundo mandato de Dilma, o deputado se referiu ao que considerou uma desatenção da parte deles com relação a temas fundamentais, como racismo, preconceitos contra mulheres, homofobia, meio ambiente, que devem ser levados em conta com tanta prioridade quanto saúde, educação, combate à fome, neste esforço de reconstrução das novas esquerdas – esforço que, segundo ele, compreende também a renovação do próprio PT.

Lembrou ainda que a direita brasileira soube açambarcar para si o ímpeto inicial das manifestações de junho de 2013, que eram progressistas, mas que acabaram abrindo um espaço que veio a ser ocupado pelo conservadorismo.

No debate, Wyllys esclareceu ainda uma proposta sua de projeto de lei para regulamentar as casas de prostituição, dentro de outras providências, dizendo que esta iniciativa partira da associação nacional de prostitutas que, inclusive, foi quem redigiu os termos do projeto. Lembrou que a legislação brasileira estabelece terreno para a discriminação contra prostitutas, ao admitir que esta não é crime, mas criminalizando a casa onde ela possa ser exercida. E explicou ainda que o sentido da proposta não é o de favorecer a cafetinagem, mas sim de possibilitar que as prostitutas possam se organizar em cooperativas para terem seus próprios locais de trabalho. Finalizou este tópico lembrando que é possível ser a favor ou contra a prostituição, mas que é necessário proteger os direitos de mulheres e homens que escolhem este meio de vida, muitas vezes como única opção.

O deputado ganhou um maciço aplauso dos inúmeros presentes ao se referir à cusparada que deu no deputado Jair Bolsonaro depois de este ter dedicado seu voto contra a presidenta Dilma a um de torturadores dela, além de ter dirigido a ele, Wyllys, ofensas homofóbicas. O deputado deixou claro que está sendo processado por isto no Conselho de Ética da Câmara e que poderá perder seu mandato, em votação que deve acontecer em fevereiro.

Outro tema que ganhou destaque foi o avanço da direita em termos continentais na América Latina, atacando os direitos dos trabalhadores na Argentina (lembrou ele que, ao contrário de Temer, que chegou ao poder pelo golpe em novo estilo, Macri foi eleito) e investindo contra governos como os da Venezuela, Uruguai, Bolívia e outros.

Em resumo, a posição do deputado dá esperança de que, sem perder de vista as diferenças, se possa mesmo constituir a tão necessária frente das esquerdas no Brasil para combater o retrocesso imposto pelo governo ilegítimo e ilegal de Michel Temer e dos que já pensam em sucede-lo, em 2018 ou até antes, ultrapassando-o pela direita.

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