Crise nos presídios

Cármen Lúcia anuncia que Judiciário vai tentar rever detenções provisórias

Iniciativa buscará avaliar erros e casos de progressão de pena que possam reduzir número de detentos nos presídios. Em Roraima, deputados dão continuidade a diligência

José Cruz/Agência Brasil

Ministra pediu que tribunais informem quantos servidores e juízes podem ser mobilizados

Brasília – A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, se reuniu hoje (12), por quase cinco horas, com presidentes dos tribunais de Justiça de todo o país para discutir a crise no sistema carcerário. E anunciou medidas para analisar e revisar os processos criminais e de execução criminal referentes aos detentos nos presídios brasileiros em esforço concentrado, nos próximos três meses. A ideia é resolver gargalos que possam ajudar a reduzir a superlotação nos presídios, a morosidade nas decisões sobre progressão de pena e erros observados nos processos.

Segundo alguns desembargadores que participaram do encontro, a ministra pediu aos representantes destes tribunais para fazerem, em paralelo, um levantamento sobre a quantidade de presos provisórios em cada estado. A ministra não cogita retornar neste momento com o programa de mutirão carcerário, que foi realizado durante quase cinco anos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas pediu para que até as 17h da próxima terça-feira (17) os tribunais informem quantos servidores e juízes podem ser liberados para trabalhar neste esforço concentrado.

Em sua fala aos desembargadores, Cármen Lúcia (que não deu entrevistas após o encerramento do encontro) disse que a situação é “crítica e emergencial” e que “o Judiciário precisa fazer a sua parte, dando início ao trabalho o quanto antes”. Um dos motivos da iniciativa da presidente do STF é a constante crítica de falhas na execução criminal pelas varas do setor nos estados, vinculadas aos tribunais de Justiça, e grandes erros observados na detenção de presos provisórios.

Para se ter uma ideia, dados do relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que mostram resultados das inspeções feitas durante mutirão carcerário do órgão em Roraima, em 2010, e estão sendo lembrados nos últimos dias, apontam entre as deficiências observadas pelo setor naquele estado, além de problemas administrativos e estruturais nos presídios, sérias demoras por parte das varas de execução criminal para liberação de presos provisórios. Foi na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista, que ocorreram 33 mortes de apenados no último domingo.   

Erros em prisões

Os servidores do Judiciário que participaram desse mutirão encontraram, seis anos atrás, em Roraima, casos de presos provisórios que estavam detidos por mais de nove meses em complexos prisionais, por crimes que comportavam a suspensão condicional do processo. Também encontraram presos provisórios por ações que já tinham sido extintas, mas sem que estas pessoas tivessem sido liberadas. E, até mesmo, a prisão provisória de pessoas que não tinham sido notificadas para receber a denúncia do processo em questão.

Além disso, foram observados atrasos de até nove meses na realização de audiências para avaliar a suspensão condicional de presos e prazo de aproximadamente dois anos para sentença de processos criminais de conhecimento. A situação, conforme explicaram assessores do CNJ, apesar do alerta feito na época, não apresentou melhoras nos últimos seis anos.

Já em relação ao Amazonas, onde houve o registro de 56 mortes no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj) e de outros quatro óbitos na Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus, na última semana, o relatório do CNJ referente ao mutirão carcerário lá realizado (no ano de 2013) pediu a desativação de diversas unidades prisionais.

O órgão ainda recomendou ao Judiciário amazonense, com base do que foi observado naquele período, a reestruturação das varas criminais da capital e do interior com instalação de mais equipamentos de informática, ampliação do quadro de servidores e juízes concursados, além do reforço das ações de capacitação profissional.

No documento, conselheiros do CNJ e juízes que integraram o referido mutirão destacaram que “a superlotação é a realidade da maioria das unidades prisionais inspecionadas no Amazonas, com grande número de presos amontoados em celas de tamanho incompatível com a quantidade de ocupantes”.

O relatório destacou, três anos atrás, que não eram adotadas no estado medidas eficazes que pudessem “ao menos frear o acesso de aparelhos de comunicação e de drogas no interior das carceragens”. “Ademais, a dependência química não tem sido tratada, contribuindo para a elevação da reincidência”, acrescentou o documento.

No encontro desta quinta-feira, a presidente da mais alta corte do país também anunciou como nova coordenadora do departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do CNJ a juíza Maria de Fátima Alves da Silva, do Tribunal de Justiça do Pará (TJ-PA). Ela substituirá o juiz Luís Geraldo Lanfredi, que estava no cargo desde a época do ex-presidente do órgão, ministro Ricardo Lewandowski.

Deputados em Roraima

Por outro lado, os deputados da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara (CDHM) que se encontram em Roraima estão percorrendo desde o início da manhã presídios do estado e participando de reuniões com detentos, agentes e autoridades diversas para discutir o massacre observado recentemente – a exemplo da diligência que já realizaram no Amazonas. Mas a principal preocupação do dia revelada pelos representantes da comissão se dá com a atividade de monitoramento da área de fronteira do estado.

A intenção é coibir a entrada e saída de foragidos das unidades prisionais do Amazonas e dos próprios detentos de Roraima, diante da sua localização estratégica. E, também, evitar que apenados liberados pelo Judiciário para o sistema de prisão domiciliar em caráter provisório diante deste período de crise não descumpram com decisão judicial e deixem de retornar para a prisão, fugindo pela fronteira.

Esta foi a principal informação repassada por integrantes da comissão no início da tarde, que ainda destacaram a preocupação existente entre as autoridades com as declarações divergentes entre representantes do Judiciário, governo estadual e Executivo federal. Um dos alvos desta polêmica é o juiz Marcelo de Lima, que autorizou a liberação de 160 presos do regime semiaberto em caráter de emergência, no início da semana.

O magistrado afirmou que tomou a decisão com base em informações da área de inteligência, segundo as quais muitos presos seriam assassinados no Centro de Progressão Penitenciária (CPP), localizado em Boa Vista. “Não fui eu que tirei da cabeça que lá seria o local do próximo massacre”, afirmou, diante das críticas.

Conforme a decisão de Oliveira, os presos que foram liberados devem retornar para a unidade amanhã (13), mas ainda não se sabe se esta liberação será postergada. Os deputados pretendem elaborar um relatório com as impressões obtidas durante as inspeções no Amazonas e em Roraima para ser apresentado à mesa diretora da Câmara, em caráter extraordinário. O documento conterá sugestões a serem discutidas pela CDHM e posteriormente apresentadas pelo Legislativo que possam contribuir com o final da crise do sistema carcerário.