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Nas mãos da base de Alckmin, CPI da Merenda termina ‘em pizza’

Sem chegar a nenhuma conclusão relevante, comissão encerrou os trabalhos no momento em que a chamada grande imprensa noticiava denúncias que agravaram suspeitas sobre o envolvimento de tucanos no esquema

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress

Após quase seis meses de trabalhos, CPI da Merenda Escolar deixou muitas perguntas sem resposta

São Paulo – O relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apurou o pagamento de propina em contratos da merenda escolar da Secretaria Estadual da Educação do governo Geraldo Alckmin (PSDB) não trouxe nenhuma novidade em relação às investigações que já ocorrem no Ministério Público Estadual, na Justiça Federal e na Comissão Sindicante da Assembleia Legislativa. Nem quanto ao destino do R$ 1,3 milhão pago em propina pela Cooperativa Orgânica da Agricultura Familiar (Coaf). E sequer propôs qualquer medida sobre agentes políticos citados no esquema.

Mas os problemas nos trabalhos da CPI começaram bem antes do relatório. Com uma comissão formada por oito aliados de Alckmin no parlamento estadual, tendo eles sido eleitos para todos os postos chave do colegiado, nada fugiu ao controle do governo. Somente um oposicionista, o deputado Alencar Santana (PT), teve uma vaga na comissão. A bancada petista somava-se a ele para fazer volume e garantir tempo para questionamentos e requerimentos.

De início, a base aliada de Alckmin negava-se a instalar uma CPI. A Operação Alba Branca, que desbaratou o esquema, foi deflagrada em janeiro. Logo em seguida, vazaram depoimentos dando conta de citações à participação de parlamentares, como o próprio presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB) e três de seus assessores: Jeter Rodrigues, José Merivaldo e Luiz Carlos Gutierrez, o Licá. Além deles, foram citados o ex-chefe de gabinete da Casa Civil do governo Alckmin, Luiz Roberto dos Santos, o Moita, e o chefe de gabinete da Secretaria da Educação, Fernando Padula.

Mesmo assim, deputados aliados de Alckmin se negavam a abrir uma CPI. A oposição começou a coletar assinaturas, sem sucesso. Com apenas 23 deputados, os oposicionistas não conseguiram reunir as 32 assinaturas exigidas para protocolar o pedido.

A instalação da CPI acabou sendo uma conquista dos estudantes, que ocuparam a Assembleia em 3 de maio e só deixaram o plenário três dias depois, após a Justiça determinar a reintegração de posse do local. Mas não sem antes obterem o compromisso de Capez de que a CPI seria instalada.

A estratégia dos aliados do governo mudou. Estevão Galvão (DEM) – partido historicamente aliado dos tucanos – apresentou um novo pedido de CPI, que foi amplamente apoiado. Para a presidência da comissão, foi eleito o deputado Marcos Zerbini (PSDB). Na vice-presidência ficou Adilson Rossi (PSB), partido do vice-governador, Márcio França. Para a relatoria, foi escolhido o próprio Galvão. No mesmo dia da indicação do relator, Zerbini demonstrou o espírito da CPI, ao responder sobre as convocações de Capez e outros nomes do governo Alckmin. “Eu sei que quem foi acusado de forma injusta tem desespero grande em provar sua inocência”, afirmou.

Os demais membros da base aliada na CPI eram Barros Munhoz (PSDB), Carlão Pignatari (PSDB), Jorge Caruso (PMDB), Gilmaci Santos (PRB), Coronel Camilo (PSD) e Delegado Olim (PP). Os estudantes acompanharam as reuniões, sempre sob forte aparato policial. Eram proibidos de manifestar-se, embora várias vezes tenham desobedecido tal ordem, não podiam carregar alimentos, nem adentrar a parte inferior do plenário, onde estavam os deputados. Houve várias ações de repressão pela Polícia Militar no local, até com uso de cassetetes e gás pimenta.

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Estudante que acompanhava relatório final da CPI da Merenda é retirado com truculência da sessão de votação na Alesp

O decorrer dos trabalhos foi definido pelo Plano de Trabalho de Galvão. Um erro cometido no fim de junho, na ultima sessão antes do recesso parlamentar, fez com que os trabalhos da CPI ficassem comprometidos. A comissão aprovou requerimentos solicitando à Justiça paulista e ao Ministério Público Estadual os autos da Operação Alba Branca. No entanto, tais documentos já haviam sido encaminhados à Justiça Federal, em Bebedouro, 20 dias antes da aprovação do requerimento. Somente em agosto, quando a CPI voltou a se reunir, é que o pedido foi corrigido. Mesmo assim, a comissão foi ignorada pela Justiça federal e nunca recebeu os autos do processo.

As primeiras oitivas foram todas voltadas a funcionários da Coaf, sempre tratados como uma organização criminosa. Também foram ouvidos os delgados e promotores que atuaram na investigação. A todos eles, a base aliada do governador insinuou interesses em prejudicar o governo, imputou crimes e ameaçou. No entanto, quando os ouvidos eram servidores do governo Alckmin, a postura mudava radicalmente. Padula, que por dez anos foi chefe de gabinete da Secretaria da Educação, foi ovacionado. “Me considero tranquilo sobre sua pessoa. O senhor é honesto. Eu entendo como é ser acusado injustamente”, disse a Padula o deputado tucano Barros Munhoz.

Um dos depoimentos mais aguardado era o do presidente da assembleia, Fernando Capez (PSDB). Porém, na ocasião, a CPI parecia ter “tomado um calmante”. Exceto pela intervenção do petista João Paulo Rillo, Capez foi pouco questionado. “Existe materialidade evidente nas provas contra seus assessores. O senhor disse que mal conhecia Jeter, mas deu entrevista dizendo que ele morava numa casa pobre, de favela. Será o presidente desta Casa um incapaz, que não sabe o que ocorreu embaixo das suas barbas?”, questionou Rillo. Porém, os deputados discutiram mais entre eles, que com o presidente da casa.

Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapressjeter.jpg
Jeter Rodrigues (dir) e José Merivaldo sofrem processos adminstrativos, que se arrastam indefinidamente

Ao forno

As coisas começaram a mudar quando depoimentos dos investigados à Justiça começaram a ser publicados pela imprensa tradicional. As investigações encontraram R$ 122 mil de origem não declarada nas contas de Jeter Rodrigues e R$ 500 mil nas contas de José Merivaldo. O valor é muito semelhante ao delatado pelo lobista da Coaf Marcel Ferreira Júlio e pelo ex-presidente da cooperativa Cássio Chebabi, de que os ex-assessores de Capez receberam R$ 200 mil e outros R$ 450 mil foram repassados para ajudar na campanha à reeleição do deputado.

Após essas informações virem à tona, os deputados da base aliada de Alckmin começaram a apressar o encerramento da CPI. A ideia da oposição de ouvir mais pessoas que tinham sido citadas no esquema, bem como fazer acareações entre os ex-assessores de Capez e o lobista da Coaf passou a ser rechaçada. No fim, 45 requerimentos acabaram ignorados e o relator apresentou o documento final da CPI. Relatório que Jeter disse conhecer doze dias antes da divulgação. Mas nada disso parou o trator da base aliada de Alckmin.

No dia 13 de dezembro, por seis votos a um, a base de Alckmin (PSDB) na Assembleia Legislativa paulista aprovou o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da merenda escolar. Nenhuma linha sobre o dinheiro encontrado nas contas de Jeter e Merivaldo constou do documento. Nenhum deputado teve proposta de investigação. As grandes perguntas acabaram sem resposta: O que foi feito do R$ 1,3 milhão pago em propina? Qual o destino dos R$ 622 movimentados por Jeter e Merivaldo? Onde foi parar os R$ 700 milhões que faltam na conta?

A oposição apresentou um relatório paralelo, pedindo providências à Procuradoria-Geral de Justiça de São Paulo quanto ao deputado Fernando Capez (PSDB), para apurar a possível participação dele no esquema de corrupção. Para Alencar Santana (PT), era fundamental esclarecer se os R$ 622 mil movimentados pelos ex-assessores de Capez foram utilizados em benefício dele.

Também pedia abertura de investigações sobre a conduta do ex-secretário da Educação Herman Voorwald, do ex-chefe de gabinete da mesma secretaria Fernando Padula e dos deputados federais Baleia Rossi (PMDB), Duarte Nogueira (PSDB) e Nelson Marquezelli (PTB), citados como beneficiários da propina. E mencionava prejuízo de R$ 8,2 milhões aos cofres públicos, por superfaturamento nos contratos.

“É repugnante o roubo de merenda escolar, ainda hoje um instrumento de estancamento da evasão escolar e certamente um pequeno componente da educação que deve ser o pontapé inicial para a busca de um ensino de qualidade”, concluiu Santana. O relatório dele não foi sequer votado.

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