dez medidas

Enquanto a Ponte Para o Futuro desaba, instituições seguem brigando

Diferentemente do que querem fazer crer Dallagnol e seus companheiros, ser contra o pacote anticorrupção não te coloca automaticamente a favor dos corruptos

Marcos Oliveira/Agência Senado

Renan: festinha depois de manobrar durante o dia para aprovar as “10 medidas contra a corrupção”

The Intercept – “Descontraído, Temer fumou um charuto cubano oferecido por Eunicio. Ele ficou alguns momentos desfrutando seu charuto e conversando com Renan Calheiros (PMDB-AL) e Aécio Neves (PSDB-MG) em uma rodinha restrita.”

“Entre pratos de camarão ao molho branco, filé, salgadinhos, vinho e whisky, o clima era de descontração.”

“O presidente do Senado foi um dos primeiros a chegar. Segundo relatos, estava bem humorado e contou piadas envolvendo o ex-presidente durante a ditadura militar Emílio Garrastazu Médici.”

“Sarney estava bastante disposto, caminhando entre as rodas de conversa e trocando ideias. Por muitos foi chamado de ‘professor’”

Justamente no dia em que o mundo parou para chorar e homenagear as vítimas da tragédia da Chapecoense, parte do senado brasileiro participava de uma festinha de confraternização de fim de ano. Como podemos ver na reportagem de O Globo – que, junto de outros veículos de mídia, parece estar abandonando o governo ferido estrada – o clima era de muita descontração.

Depois de manobrar durante o dia para aprovar as “10 medidas contra a corrupção” alteradas pela Câmara, Renan estava muito bem humorado à noite. Aécio, o principal articulador da urgência manobrada pelo presidente do Senado, estava lá, sorvendo a fumaça do charuto cubano. Alguns senadores da oposição também confraternizaram, registre-se.

Do outro lado, os promotores da Lava Jato, munidos de suas famosas convicções, resolveram entrar de sola no jogo político. Não que essa sanha seja novidade, mas é que agora botaram o time inteiro no ataque. Em um país com instituições sólidas, não deveria ser da alçada do Ministério Público propor alteração de leis e, muito menos, promover uma campanha messiânica por ela. Apesar de ser apresentado como iniciativa popular, o pacote foi criado por meia dúzia de procuradores e levado às ruas para colher assinaturas de apoio. Com o país atolado na corrupção, quem ousaria não assinar um documento a favor de medidas anticorrupção apresentado por um moço de bem?

Não há consenso no meio jurídico em relação às medidas. Portanto, diferentemente do que querem fazer crer Dallagnol e seus companheiros, ser contra o pacote não te coloca automaticamente a favor dos corruptos. Até Janaína Paschoal, alçada à condição de grande expoente do moralismo brasileiro, é contra. O juiz Marcelo Semer, membro da Associação Juízes para a Democracia, considera o pacote “ruim, confuso e oportunista”. Em conversa por email, ele considerou as “10 medidas” um projeto de poder, porque aumenta o crescimento do estado penal e, consequentemente, as desigualdades:

“O projeto é em si artificial. Não se tratava de um projeto, mas de vários. Essa reunião de inúmeras propostas, bem mais do que dez, se deu por um motivo de marketing, inaceitável para o trato de uma questão tão séria como a alteração de leis que repercutem na vida de todos. A concepção das propostas, mascaradas com o “abaixo assinado” genérico (ninguém sabia efetivamente o conteúdo das propostas), era fundamentalmente um projeto de poder. Ampliação de competências do Ministério Público, amputação de atribuições do juiz e esmagamento da defesa.”

Num jogo de cena que jamais caberia para integrantes do MP, procuradores da Lava Jato ameaçaram abandonar os cargos após as modificações feitas pela Câmara. Mas, segundo Semer, o Frankstein criado pelos deputados não seria possível se não fosse a confusão do projeto inicial:

“Juntar num mesmo guarda-chuva propostas tão diversas, acabou permitindo os equívocos que se sucederam, ou seja, a inserção durante a comissão de outras matérias pelo Relator, e por deputados por emenda. Como o “projeto” era amplo, tudo cabia dentro dele, até mesmo a esdrúxula redação do crime de responsabilidade.”

De qualquer forma, os procuradores têm razão em se preocupar com a movimentação dos que pretendem “estancar a sangria” da Lava Jato. A famosa expressão que revela os motivos ocultos do impeachment, aliás, já está sendo usada por Dallagnol. As recentes ações do grupo político que tomou o poder confirmam a narrativa do golpe nos seus mais mínimos detalhes. Tirando a previsão de que Aécio seria o “primeiro a ser comido pela Lava Jato”, praticamente todas as outras falas do famoso áudio de Jucá & Machado estão se cumprindo. Cada frase do diálogo parece ser uma profecia.

Diante da confusão instalada entre as instituições, o ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa tuitou:

 

E ele havia avisado mesmo. Logo após a votação do impeachment na Câmara – que ele chama de “impeachment Tabajara” -, disse: “Aquilo ali foi uma encenação para justificar a tomada do poder. (…) Meu temor é que se torne banal tirar um presidente do cargo. Basta que ele contrarie interesses de meia dúzia de parlamentares poderosos”

Em entrevista à Folha nesta semana, o ex-ministro afirmou que as investigações da Lava Jato correm risco e que a grave crise institucional atual é consequência do impeachment:

“No momento em que o Congresso entra em conluio com o vice para derrubar um presidente da República, com toda uma estrutura de poder que se une não para exercer controles constitucionais mas sim para reunir em suas mãos a totalidade do poder, nasce o que eu chamo de desequilíbrio estrutural. Essa desestabilização empoderou essa gente numa Presidência sem legitimidade unida a um Congresso com motivações espúrias. E esse grupo se sente legitimado a praticar as maiores barbáries institucionais contra o país”.

Nessa briga de foice entre Lava Jato, políticos e juízes parece que todo mundo está um pouquinho certo, mas também muito errado. O Brasil está completamente perdido. Ficou claro que, diferente do que vinha sendo propagado até pouco tempo pelo governo e imprensa, as instituições seguem conflitando intensamente, movidas mais por objetivos corporativistas do que pelo fortalecimento da democracia. Enquanto a economia continua a afundar sem perspectivas de melhora, as instituições se engalfinham. Mas o grande problema do país eram as pedaladas fiscais, não é mesmo? Era só tirar a Dilma e construir a maravilhosa Ponte para o Futuro. Bem, os arquitetos do impeachment não estão mais conseguindo manter a ilusão de pé. A ponte está desabando, mas certamente haverá gente fumando charuto, escorada nos escombros.