Falência do Estado

Pezão reassume governo com pacote amargo para reverter crise no Rio

Medidas de austeridade afetam o pagamento a servidores e fornecedores, interrompem programas sociais e comprometem o andamento das principais políticas públicas

© Armando Paiva/Agif/Folhapress

O governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, anuncia medidas para equilibrar as contas públicas

Rio de Janeiro – Após sete meses e meio licenciado do cargo, período em que fez tratamento contra um câncer no sistema linfático, o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB), reassumiu ontem (3) a rotina de trabalho no Palácio Guanabara sem tempo para comemorar. Obrigado a enfrentar uma crise orçamentária que colocou o Estado em situação de semifalência, afetando o pagamento a servidores e fornecedores, interrompendo programas sociais e comprometendo seriamente o andamento das principais políticas públicas do governo, Pezão anunciou hoje (4) um pacote de austeridade que, segundo ele mesmo, tem o objetivo de evitar que, ao final de seu mandato, em dezembro de 2018, o rombo nas contas fluminenses o faça ser lembrado nos livros de história como o governador que faliu o Rio.

Mas, mesmo que consiga fugir desta sina, Pezão propõe medidas amargas e impopulares, algumas com efeito imediato e outras que ainda dependem da aprovação dos deputados estaduais e só entrariam em vigor no ano que vem. Entre as medidas que mexem diretamente no bolso do trabalhador, a mais urgente, segundo o governo, é o aumento de 11% para 14% da alíquota de desconto previdenciário dos servidores da ativa e dos inativos que ganham acima de R$ 5.189,82.

Estes pagariam ainda uma alíquota complementar de 16% a título de “redução do déficit previdenciário”, o que eleva o aumento do desconto pretendido pelo governo a 30% dos salários. Se aprovada, a medida atingirá também aposentados e pensionistas que ganham menos do que R$ 5.189,82 e atualmente estão isentos de contribuição previdenciária. A contribuição deste último grupo seria temporária, segundo a proposta, com duração de 16 meses.

Outras medidas previstas que impactarão diretamente o salário dos servidores entrarão em vigor por meio de decretos do governador, como o estabelecimento de um teto para reajustes – que não mais poderão exceder o patamar de 70% do crescimento da receita corrente líquida do ano anterior – e a redução de 30% no valor das gratificações recebidas pelos cargos comissionados. Para dar o exemplo, segundo o governo, os salários de Pezão, do vice-governador Francisco Dornelles e de todos os secretários também sofrerão corte de 30% a partir de 1º de janeiro de 2017.

Pezão ainda não sabe como o Estado fará para pagar em dia o salário de dezembro e o 13º salário dos servidores, aposentados e pensionistas. “Cada dia será um dia de sacrifício e luta para honrarmos os compromissos do governo. Não adianta eu ir à Brasília para pedir dinheiro. O que eu preciso é resolver o problema orçamentário estrutural do estado do Rio”, disse o governador.

Neste início de novembro, a dificuldade para o pagamento de salários atingiu pela primeira vez os servidores do Judiciário que, até agora, eram os únicos ainda poupados dos atrasos. A categoria está em greve desde a semana passada.

O pacote de Pezão também prevê que Tribunal de Justiça, Tribunal de Contas do Estado (TCE), Ministério Público Estadual (MPE), Assembleia Legislativa (Alerj) e Defensoria Pública usem até 50% da receita de seus fundos para cobrir o pagamento de salários dos servidores que atuam nesses órgãos.

Esta medida, que também duraria por 16 meses, precisa ser aprovada na Alerj e já conta com a oposição das associações de classe. Outra medida que promete gerar resistência é o cancelamento dos reajustes aprovados desde 2014, que atingirá categorias sensíveis como policiais militares e auditores fiscais, entre outras.

Fim do social

As medidas impopulares do pacote atingirão também os programas sociais. O maior impacto acontecerá para os cerca de cinco milhões de usuários do Bilhete Único que, a partir do primeiro dia de 2017, por decreto governamental, só poderão utilizar o benefício até o limite de R$ 150 por mês. Acima deste valor, o usuário terá que arcar com a diferença. Além disso, o valor da tarifa diária paga pelos usuários passará de R$ 6,50 para R$ 7,50.

Alguns programas sociais simplesmente serão extintos. É o caso dos oito restaurantes populares, já parcialmente paralisados pela crise, que nos bons tempos serviram diariamente até 35 mil refeições e 22 mil cafés da manhã por apenas dois reais ou cinquenta centavos, respectivamente. Pezão pretende discutir com o prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella (PRB), a possibilidade de a prefeitura assumir pelo menos parte dos restaurantes.

Outro programa já semiparalisado que será definitivamente extinto em junho do ano que vem é o Aluguel Social, que beneficia pessoas atingidas por enchentes e outros desastres naturais com R$ 500 mensais. Criado após a tragédia de Nova Friburgo, este benefício atualmente atende a 9.640 famílias em 15 municípios fluminenses.

Também será extinto o programa estadual Renda Melhor, que funciona como complemento ao programa federal Bolsa-Família e faz parte do Plano de Erradicação da Pobreza Extrema no Rio de Janeiro. Este programa, que também já sofre com atrasos, atende a 154 mil famílias de baixa renda.

UPPs e UPAs

O objetivo do pacote é também tentar salvar as duas políticas de vitrine da gestão do PMDB à frente do governo do Rio: as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e as Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs).

A política de instalação de UPPs em áreas tradicionalmente controladas pelo tráfico de drogas sofre sua maior crise, com falta de verbas e aumento de incidentes violentos. Após o pedido de demissão do ex-secretário de Segurança Pública José Mariano Beltrame, considerado o “pai” das UPPs, o presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani, que também preside o PMDB no Rio, sugeriu a Pezão a redução à metade do número de UPPs. Atualmente, são 38 em funcionamento, e a proposta de Picciani ainda será analisada pelo governador.

A crise de atendimento nas UPAs, por sua vez, faz com que a possibilidade de municipalização das unidades também faça parte da pauta de discussões programada entre Pezão e Crivella. Segundo o Conselho Regional de Medicina (Cremerj), o déficit acumulado do setor de saúde no Rio já alcança os R$ 2,5 bilhões. Além das UPAs, segundo o Cremerj, também já estão seriamente afetados os atendimentos nos hospitais estaduais e o estoque do Instituto Estadual de Hematologia (Hemorio).

Ainda sem considerar todas as medidas do pacote a ser anunciado por Pezão, a proposta de Orçamento para 2017, enviada pelo governo à Assembleia com a assinatura do governador em exercício Dornelles, prevê um déficit de R$ 15,3 bilhões. Esta é a primeira vez que o governo do Rio de Janeiro envia aos deputados uma previsão de orçamento em déficit. A proposta tem de ser aprovada até o fim de dezembro.

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