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Em reunião, Jandira Feghali diz que PEC 241 é para o mercado: ‘É a razão do golpe’

Apreciação de parecer do relator sobre a matéria está sendo discutida há mais de quatro horas e deputados já adiantaram que pedirão vista coletiva

luís macedo/câmara dos deputados

Reunião ocorre sob protestos da sociedade e de parlamentares. Votação deve ser adiada

Brasília – O primeiro grande confronto entre a base aliada de Michel Temer e representantes da oposição, como PT, PDT, Rede, PCdoB e Psol, ocorre hoje (4), na Câmara dos Deputados, na reunião sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241, que congela os gastos públicos por um período de 20 anos. A comissão especial que analisa a matéria está reunida desde a manhã para tentar votar o relatório sobre a matéria, mas a discussão é intensa e vários parlamentares já adiantaram que pedirão vista coletiva do texto.

O relator da PEC, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), lê o parecer há mais de duas horas, e com exceção do pedido de vista – que não pode ser negado –, os requerimentos apresentados até agora foram todos rejeitados.

O deputado Danilo Cabral (PSB-PE), integrante de um partido que se mantém independente no Congresso, considerou importante aprofundar a discussão em torno do tema. Posicionando-se contrário ao adiamento da leitura do parecer hoje, ele disse que considera necessário debater outras formas de resolver a questão fiscal do país, para que não seja apenas por meio do congelamento dos gastos públicos. E citou como alternativas a revisão da situação do lucro dos bancos, que chamou de “exorbitante”.

A deputado Cristiane Brasil (PTB-RJ) defendeu a continuidade da apreciação da proposta e a realização dos trabalhos da comissão em tempo ágil, mas destacou a “falta de comunicação entre o Palácio do Planalto e os parlamentares sobre a matéria” e que isso “precisa ser equacionado”.

A líder das minorias, Jandira Feghali (PCdoB-RJ), afirmou que o seu partido entrará com um mandado de segurança junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) nos próximos dias para pedir que seja sustada a proposta, pelo fato de ela alterar cláusulas pétreas da Constituição Federal.

“Vamos parar de enganar a sociedade brasileira. Vamos dizer, de uma vez por todas, que essa proposta transforma o que era piso em teto. Não dá para imaginar que se pode comparar a inflação no setor de saúde com a inflação real. Na saúde, lidamos com equipamentos de alta tecnologia, caríssimos, e temos áreas de custeio fundamentais para a manutenção da vida dos brasileiros. A inflação do setor de saúde não cabe no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)”, reclamou.

A deputada disse que, se aprovada, a PEC vai prejudicar o povo “em vez de reduzir o juro e aumentar impostos sobre os mais ricos, que era o que o governo deveria fazer”. “Essa PEC é para o mercado. Ela é a razão do golpe cometido contra a presidenta Dilma Rousseff. Restabelece no país a desestruturação das políticas universais conquistadas por todos nós em 1988. Consiste numa perversidade com a população”, acusou.

O deputado Ivan Valente (Psol-SP) queixou-se da forma açodada com que o governo Temer quer votar e fazer tramitar a matéria. “Não estou entendendo tanta pressa. Queria propor debates com mais equidade aqui, porque a PEC não congela os gastos por um mês nem dois, são 20 anos”, afirmou.

Alessandro Molon (Rede-RJ), que apresentou – sem sucesso – um requerimento para adiamento da discussão sobre a matéria, disse que todos precisam conhecer melhor o parecer do relator. “Essa proposta vai ter um impacto fortíssimo no país, portanto, não será uma decisão simples. Para mim, a PEC vai trazer fortes prejuízos aos direitos sociais dos brasileiros, mas se temos que apreciar a matéria, então que façamos essa discussão com mais tempo e de forma melhor”, ponderou.

“Quem votar a favor da matéria estará dizendo ao povo que a educação pública brasileira já é suficientemente boa e que os hospitais públicos estão ótimos no país”, ironizou Molon.

Henrique Fontana (PT-RS) disse que “o Brasil não é a Suécia” e que nenhum país em situação parecida à do Brasil adotou o congelamento de gastos como medida exitosa para ajudar na sua situação econômica.

Patrus Ananias (PT-MG), com base em sua experiência como ministro de Desenvolvimento Social do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e de ministro de Desenvolvimento Agrário do governo Dilma, avaliou que a proposta não tem nem dois meses de discussão e, mesmo assim, esse período foi marcado pela análise e cassação do ex-deputado Eduardo Cunha e pelas eleições municiais, o que tumultuou ainda mais a sua tramitação na comissão especial.

“Muitos colegas aqui já chamaram a atenção para os prejuízos na educação e saúde que a proposta vai acarretar, mas quero lembrar que também teremos perdas consideráveis na área social. A PEC 241 assina a sentença de morte do programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) – que garante o pagamento de um salário mínimo para as pessoas idosas e com deficiência, incapacitadas para o trabalho”, destacou Ananias.

O deputado André Figueiredo (PDT-CE) também bateu forte no texto: “Precisamos ter a convicção, nesta comissão, que congelar os gastos públicos vai ser o mesmo que impedir esta geração e as próximas de terem desenvolvimento”.

O relator da proposta, Darcísio Perondi, argumentou em seu parecer que as despesas com saúde e educação vão seguir os pisos atuais previstos para 2017 e que, a partir de 2018, tais setores passam a seguir os gastos de teto da PEC (por meio da correção pela inflação). Para os gastos em geral, em 2017 o limite será o total de 2016 corrigido em 7,2%. E a partir de 2018, segundo ele, o texto prevê a adoção do IPCA.

Darcísio sugeriu que o valor do IPCA a ser tomado como referência seja o valor acumulado entres os meses de julho de um ano até junho do ano seguinte, para evitar a reformulação da proposta orçamentária (que é enviada sempre ao Congresso até o dia 31 de agosto de cada ano) após a divulgação do índice definitivo dos meses finais do ano.

O deputado ainda afirma no seu texto que a autorização para que o presidente da República proponha mudança no critério de correção dos gastos a partir do 10º ano de vigência da emenda precisa ser feita por meio de projeto de lei complementar e não ordinária. E que cada presidente só deve propor esta mudança uma única vez, em cada mandato.

Por fim, ele propôs que até o final desse regime fiscal a entrar em vigor, a Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite ao governo gastar livremente 30% das receitas, seja ampliada. E estabelece no relatório que, nos próximos três anos, o Executivo possa ceder 0,25% do seu limite para compensar excessos de despesas de outros poderes, em função de despesas obrigatórias já assumidas até 2019.

Assessores do relator da PEC explicaram há pouco que os limites de despesas por órgão orçamentário permitem que, dentro de um mesmo poder, algum segmento possa ter correção um índice maior que a inflação, desde que outro tenha uma variação menor, como compensação.

Nesta quarta-feira (5), grupos diversos da sociedade civil, centrais sindicais e representantes de movimentos sociais farão um ato público no Congresso para protestar contra a PEC e outras propostas que representem retrocessos para o país.