Holofotes

Declarações políticas de agentes da PF minam credibilidade das ações

Código de ética da PF veta exposição. Para o ex-ministro Eugênio Aragão, agentes que representam o Estado não podem partidarizar atitudes e espetáculo serve para encobrir reais problemas do país

reprodução/TV Globo

Ignorando posições políticas polêmicas, programas de TV preferiu tratar da beleza do agente Lucas

São Paulo – Depois de ter curtido uma semana de fama após virar sensação nas redes sociais, o policial federal Lucas Valença, conhecido como “lenhador da Federal” ou “hipster da Federal”, é alvo de investigação interna por ter dado série de entrevistas a diversos veículos de imprensa sem autorização da corporação.

O agente ganhou notoriedade ao aparecer nas imagens durante detenção do deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na semana passada, Cunha teve prisão preventiva decretada pela Operação Lava Jato, por tentativa de obstrução em processo em que é acusado de receber propina em contrato de exploração de petróleo na África e de usar contas na Suíça para lavar o dinheiro.

Lucas Valença também chamou a atenção por conta de declarações polêmicas com conteúdo político-partidário, em postagens no Facebook e no Instagram, ainda antes da virar  celebridade. Não consigo sinceramente acreditar que o povo brasileiro reelegeu a presidente Dilma! Por mais que certa parte da população tenha votado nela, a despeito de seu despreparo, gagueira, insegurança, apoio de uma massa de corruptos…”, comentou o agente após o resultado das eleições presidenciais de 2014, pondo em dúvida a lisura da eleição.

Ainda antes, fazendo uso de termos chulos, divulgava petição virtual pela saída da presidenta. “Não sei quem foram os felas que a colocaram lá! Mas faço questão de fazer parte de quem vai tirar.”

Lucas agora conta com uma assessoria de imprensa, que divulga notas ditas oficiais em seu nome, e gerencia o assédio dos veículos de comunicação. Para o site Ego, dedicado a notícias e fofocas de famosos, ele chegou até a fazer “balanço” sobre os seus dias de celebridade, disse cogitar carreira artística e que recebeu convite para ensaio nu.

O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão acha graça do impacto midiático causado, mas diz se tratar de uma “cortina de fumaça” criada pela imprensa tradicional, para entreter ou desviar a atenção de temas mais relevantes. “Tenho certeza de que esse tipo de não-notícia interessa a quem quer botar uma cortina de fumaça em relação aos problemas do país. Pega-se um tema completamente idiota para esconder outras coisas que são mais importantes”, afirma Aragão, que retornou à função de procurador do Ministério Público Federal (MPF).

Sobre o conteúdo das declarações do agente em redes sociais, Aragão afirma que pessoas que ocupam cargos nas chamadas carreiras de Estado – que inclui órgãos como a Polícia Federal, o Ministério Público e o conjunto da magistratura – não devem se expressar politicamente, sob pena de comprometer a credibilidade de suas ações.

“São pessoas que incorporam o Estado, portanto, são o Estado 24 horas por dia. Começar a adotar postura político-partidária fica ruim, porque na hora que ele exercer o múnus (os deveres da função) dele, vai parecer que o faz imbuído daquele espírito político-partidário”, afirmou o procurador em entrevista à RBA.

Código de ética

O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luís Antônio de Araujo Boudens, relativiza a conduta de Lucas Valença. Diz que as declarações do agente foram dadas antes de ter projeção e feitas em âmbito privado, para amigos e conhecidos que o acompanham nas redes sociais, mas faz ressalvas: “É óbvio que ele agora tem de se precaver e ter postura mais contida, principalmente com opiniões políticas, nesse momento em que a Polícia Federal tem ampla atuação no combate à corrupção.” Sobre a contratação de uma assessoria, Boudens se mostrou mais preocupado, mas preferiu atribuir à necessidade de se explicar devido ao conteúdo de suas postagens.

O Código de Ética da PF, porém, é categórico. Determina que “o decoro, o zelo e a probidade” devem orientar os agentes em suas ações, e que estas devem ser exercidas “com imparcialidade”. O código proíbe servidores do órgão de “expor, publicamente, opinião sobre honorabilidade de outro agente público”, conceder entrevistas sem autorização e “divulgar manifestações políticas ou ideológicas conflitantes com exercício da função”.

Declarações polêmicas que põem em xeque a credibilidade e a imparcialidade de integrantes da força tarefa não são novidade. Durante a as eleições de 2014, delegados da Polícia Federal do Paraná envolvidos na Lava Jato também se manifestaram nas redes sociais para exaltar o então candidato derrotado Aécio Neves (PSDB) e atacar o PT.

Assim como o agente Newton Ishii, o “Japonês da Federal”, angariou a simpatia dos antipetistas e virou mascara de carnaval mesmo sendo condenado por facilitação de contrabando no país. Nem os delegados do Paraná, nem Ishii sofreram sanções disciplinares por parte da corregedoria da PF pela excessiva exposição.

Mais do que punição, o ex-ministro Eugênio Aragão acredita que casos como o de Lucas Valença devem servir para que a corporação emita recomendações para que seus integrantes não usem perfis virtuais para fazer política.

“A corregedoria não deve trabalhar apenas punitivamente, mas também preventivamente. Não significa que não podem exprimir opiniões sobre problemas específicos, mas não pode partidarizar. Seria um bom sinal.” Para Aragão, arroubos de ministros do Supremo Tribunal Federal, reconhecidamente o ministro Gilmar Mendes, que não se furta a opinar sobre os mais diversos temas políticos, contribuem para o desrespeito à liturgia dos cargos públicos. “O exemplo vem de cima.”

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