eleições 2016

Com Doria, lógica da especulação imobiliária voltará a reinar em São Paulo

Prefeitura voltará a ser balcão de negócios voltado aos interesses empresariais, diz professora de urbanismo Erminia Maricato, para quem Haddad conseguiu desmobilizar a 'máquina do crescimento'

divulgação

Erminia: especulação imobiliária expulsa pobres de áreas que podem ser valorizadas e cristaliza desigualdades

São Paulo – A lógica de especulação do mercado imobiliário vai voltar a reinar sobre a cidade de São Paulo com a eleição de João Doria Júnior (PSDB) para a prefeitura. Na avaliação da professora Erminia Maricato, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, o tucano é da mesma linhagem política dos ex-prefeitos José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD), cujas gestões se caracterizaram pela operações urbanas responsáveis por expulsar os mais pobres para áreas periféricas e cristalizar desigualdades sociais em bairros e cidades dormitórios.

Erminia prevê ainda a retomada do modelo de gestão voltado grandes obras, tudo colaborando para que a administração da cidade seja um balcão de negócios. “Não tenho a menor dúvida disso”, afirma, “é a máquina do crescimento tomando conta da cidade. Você vai ter o aeroporto de Parelheiros, que está em área de proteção dos mananciais, e que conseguimos segurar porque não era prioridade para a cidade”.

A professora estuda o problema da desigualdade na região metropolitana de São Paulo, que congrega 39 municípios. “Eu estou com alguns mapas sobre a concentração de negros, de famílias monoparentais, de crianças e adolescentes e se você pega o preço do metro quadrado, que é o grande negócio da cidade, seja de imóveis e ou de terrenos, você vê onde está a população negra, a maior parte de crianças e adolescentes e onde estão as famílias monoparentais chefiadas por mulheres”, diz. Segundo ela, o tempo que as pessoas levam para chegar ao trabalho e ao estudo é expressão de que as instituições históricas de Casa-Grande e Senzala – clássico de Gilberto Freyre sobre a antropologia da desigualdade no país – estão mais vivas do que nunca.

“Estão nas áreas mais baratas, com baixa escolaridade, baixa renda e predominância da população negra”, afirma. A lógica de expulsar as pessoas se dá sobretudo, diz a professora, com as operações urbanas e os investimentos públicos do período em que a cidade foi governada por Serra e Kassab (de 2005 a 1012). Ela diz que um caso sintomático da lógica da expulsão dos pobres está na operação urbana Água Espraiada. “Quando as áreas que a população pobre mora ganham importância, aí sim você tem a expulsão da população – é impossível pensar uma cidade sem as favelas, mas elas não podem existir nas áreas valorizadas pelo mercado imobiliário”, afirma.

Ermínia destaca que o prefeito Fernando Haddad (PT) fez uma boa administração porque conseguiu até certo ponto desmobilizar o que ela chama de “máquina do crescimento”. Ela diz que “a máquina são esses interesses que fazem da cidade um negócio” e cita também projetos como o Expo 2020, evento ao qual São Paulo concorreu para ser sede – acabou perdendo para Dubai; o Arco do Futuro, que pode entregar áreas de entorno da marginal Tietê para a especulação imobiliária; e o projeto de um túnel na avenida Roberto Marinho, que o ex-prefeito Gilberto Kassab deixou licitado, mas não foi realizado.

Uma particularidade desse projeto é que apesar de orçado em R$ 3 bilhões, não prevê que o túnel possa ser usado pelo transporte coletivo, o que só reforça a cultura do uso do automóvel na cidade. “A máquina do crescimento foi desmontada por quatro anos e agora, com esse sujeito que fala que vai governar a cidade como se fosse uma empresa, ele vai retomar essa máquina”, diz Erminia.

Mas ela também não poupa a gestão de Haddad de críticas, sobretudo ao aspecto da comunicação, que segundo Erminia “foi um desastre”. Isso ocorreu porque muitas das realizações de Haddad estão na “cidade invisível”, enquanto as grandes obras inserem-se no contexto da “cidade visível”.

“A cidade onde as creches foram construídas, onde os CEUs foram construídos, onde houve muito ponto de cultura incentivado, essa cidade é invisível. Para a mídia como um todo e para a representação ideológica de São Paulo, essa cidade não existe. Eu mesma tive dificuldade em perceber o que estava acontecendo”, destaca a professora. “Mas quando você faz uma ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, ou ampliação das marginais do Rio Tietê, essas obras na cidade visível, na cidade que bate panela, são da renda alta. É a cidade em que a gente fala, isto é, São Paulo. O resto não é São Paulo”, critica.

“Houve o desmonte da máquina do crescimento, mas houve uma invisibilidade e os pobres não viram e não reconheceram isso. Você tem 15 CEUs para serem inaugurados, três hospitais para serem inaugurados, agora, é uma derrota da política que foi consequência dessa campanha de destruir a democracia no país.”

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