Eleições 2016

‘Camaleão’ Crivella busca aglutinar conservadores para 2º turno no Rio

Com participação em bloco de centro-esquerda durante os governos de Lula e Dilma, candidato do PRB procura Aécio e Kassab e quer formar aliança contra Marcelo Freixo, do Psol

PRB/Divulgação

Crivella em campanha em Jacarezinho, zona norte, onde pretende melhorar em relação ao desempenho do 1º turno

Rio de Janeiro – Candidato mais bem colocado no primeiro turno da eleição para a prefeitura do Rio de Janeiro, com 27,78% dos votos válidos, o senador Marcelo Crivella (PRB) anunciou à imprensa que não teria agenda oficial de campanha hoje (4) e amanhã, pois estará em Brasília para “resolver assuntos do Senado”. A eleição carioca, no entanto, será tema dominante dos encontros que Crivella terá na capital federal com o presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG), e o presidente licenciado do PSD, o ministro Gilberto Kassab, da Ciência e Tecnologia.

Em pauta, a consolidação do apoio dos dois partidos ao candidato do PRB no segundo turno, que será disputado contra o deputado estadual Marcelo Freixo, candidato pelo Psol, que conquistou 18,26% dos votos no primeiro turno. Se tudo correr como espera Crivella, o encontro com os dois caciques garantirá a presença em seu palanque do peessedista Indio da Costa e do tucano Carlos Osorio, que chegaram em quinto e sexto lugares no primeiro turno com, respectivamente, 9% e 8,9% dos votos válidos.

A estratégia de Crivella aponta para uma clara polarização ideológica no segundo turno, com uma provável aglutinação dos partidos de direita e das forças conservadoras em torno da candidatura do PRB. Se confirmada, essa configuração à direita significará uma nova guinada na trajetória do senador, um “camaleão” político. Durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, quando chegou a ocupar o cargo de ministro da Pesca, Crivella atuou como um parlamentar de centro-esquerda e defensor de propostas avançadas. Antes, no entanto, já havia notabilizado sua ação política ora como porta-voz político das ideias e interesses da Igreja Universal do Reino de Deus, da qual é bispo licenciado, ora como fiel aliado do então governador Anthony Garotinho.

Logo após a confirmação do resultado da votação de domingo (2), Crivella admitiu que não recusará apoios. “Vou procurar todas as forças políticas. Eu, inclusive, já telefonei para todos os candidatos derrotados”, disse. O candidato no PRB, no entanto, avaliou “ser difícil lograr êxito” em eventuais negociações com o grupo político do PMDB liderado pelo prefeito Eduardo Paes e seu candidato derrotado nestas eleições, o deputado federal Pedro Paulo Carvalho, que chegou em terceiro lugar com 16,12% dos votos válidos: “A rejeição da população a esse tipo de político é clara”.

Além dos encontros com o PSDB de Aécio e o PSD de Kassab, o candidato do PRB terá também conversas com os dirigentes Carlos Lupi (PDT) e Roberto Jefferson (PTB), que apoiaram Pedro Paulo no primeiro turno. O “delator do mensalão”, inclusive, já declarou que todas as forças “sérias” da política carioca devem se unir contra o “chefe dos black blocs”, como ele define Freixo. “Não há nada mais detestável do que esquerdinha de universidade”, afirmou.

As linhas do desenho conservador em torno da candidatura de Crivella se acentuam com o apoio, já em andamento, do candidato Flávio Bolsonaro (PSC), que adotou discurso de extrema-direita durante a campanha e obteve desempenho surpreendente nas urnas ao chegar em quarto lugar com 14% dos votos válidos: “Estamos abertos a conversar. Temos muita proximidade em temas como família, combate às drogas e contra a legalização do aborto, entre outros. Agora, cabe ao Crivella, como vencedor no primeiro turno, me procurar”, disse Bolsonaro.

O candidato do PSC, cujos simpatizantes já lançaram o movimento “Fora, Freixo!” na internet, não esconde sua rejeição ao candidato do Psol. “Não dá para ter como prefeito do Rio alguém que é a favor da legalização das drogas e quer que as crianças tenham sua sexualidade antecipada e discutida nas escolas.”

Aliados pesados

Enquanto busca à direita novas alianças para o segundo turno, Crivella tem de administrar – ou esconder – célebres aliados que o acompanham desde o lançamento da candidatura. Um deles é Garotinho, liderança máxima do PR no Rio, que indicou o engenheiro Fernando MacDowell como vice na chapa do PRB e teve presença discreta, porém intensa, durante as ações políticas no primeiro turno. “Ninguém consegue ganhar uma eleição sozinho, sem apoios. A aliança com o PR dobrou o nosso tempo de televisão, mas o Garotinho não estará no meu governo, isso não faz sentido”, disse Crivella, quando questionado sobre a aliança.

Embora venha negando categoricamente que Garotinho possa participar de seu eventual governo, Crivella faz reiterados elogios à deputada estadual Clarissa Garotinho (PR), filha do ex-governador, que tem sido presença constante em todos os palanques da campanha. Nos bastidores, já é dada como certa a presença de Clarissa no primeiro escalão da Prefeitura, provavelmente na cobiçada Secretaria de Obras, com orçamento de R$ 2,7 bilhões este ano, em caso de vitória do PRB. O próprio MacDowell é cotado para acumular a vice-prefeitura com a Secretaria de Transportes na futura composição de governo.

Outro aliado que ajuda, mas dá trabalho, é o senador Romário Faria (PSB). Após anunciar ser candidato a prefeito, desistir, prometer apoio a Crivella para depois negar e, finalmente, rachar com o próprio partido (que apoiou Indio) para apoiar o candidato do PRB no primeiro turno, o ex-craque marcou a campanha com sua presença e suas ausências, como aconteceu no próprio anúncio do apoio. Por trás dessa aliança, pode estar o futuro apoio do eventual prefeito Crivella à candidatura de Romário ao governo do estado. A ideia do Baixinho, segundo aliados no PSB, seria criar um novo grupo hegemônico na política fluminense a partir da chegada de Crivella à Prefeitura, nem que para isso fosse preciso promover uma troca de legendas na política fluminense.

A Igreja Universal, comandada por seu tio, o bispo Edir Macedo, também permanece sendo uma pedra no sapato da qual Crivella parece aos poucos ir se livrando. Sua atuação nos últimos anos como senador e os votos considerados progressistas em temas como política de gênero e diversidade sexual o diferenciaram de outros parlamentares evangélicos e ajudaram a melhorar a imagem junto ao eleitorado de classe média ou com maior nível de estudo, setores onde sempre teve baixo desempenho.

Para deixar a imagem de “bispo” para trás, o senador buscou com empenho o eleitorado católico e chegou a ser acionado no Ministério Público Eleitoral pela Arquidiocese do Rio de Janeiro por distribuir panfletos onde aparece ao lado do cardeal arcebispo dom Orani Tempesta: “O Estado é laico”, repetiu pausadamente e por três vezes seguidas Crivella na coletiva após a vitória do primeiro turno: “Estou repetindo três vezes porque às vezes parece que as pessoas não me ouvem”, disse.

Novo perfil

Esse “novo Crivella” mais alinhado à centro-direita que começa a surgir no segundo turno contra Marcelo Freixo pode ter o perfil que faltava para que o senador acabe de vencer sua batalha política e pessoal contra a rejeição dos eleitores. Antes um político com forte rejeição, acima dos 35%, junto ao eleitorado de classe média e nos bairros mais próximos ao litoral, o senador, nestas eleições, chegou a 21%, uma das mais baixas rejeições entre os candidatos à prefeitura.

Outro ponto que conta a favor de Crivella é o chamado recall, que beneficia as caras mais conhecidas do eleitor médio. Esta é sua terceira tentativa de alcançar a prefeitura (antes havia disputado em 2004 e 2008), além de outras duas ao governo estadual (2006 e 2014) e duas, estas vitoriosas, ao Senado (2002 e 2010). Ou seja, Crivella concorre a cargos majoritários em todas as eleições ocorridas no Rio nos últimos 14 anos.

No entanto, agora terá de manter no segundo turno a tradicional forte presença na zona oeste da cidade (em algumas regiões chegou a 41% dos votos válidos no primeiro turno) e concentrar esforços para convencer um contingente de cerca de 2 milhões de eleitores dos bairros da zona norte e do centro, que na primeira fase da disputa dispersaram seus votos entre Freixo, Jandira Feghali (PCdoB), Pedro Paulo, Índio, Osorio e Bolsonaro.

Uma tarefa árdua, mas nada impossível para este engenheiro de formação que é ou já foi cantor gospel de sucesso, missionário na África, empreendedor de um projeto agrícola beneficente na Bahia, bispo evangélico de uma das maiores agremiações pentecostais do Brasil e senador de centro-esquerda, não necessariamente nesta ordem.

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