Coalisão e oposição

Temer já se equilibra para conciliar divergências e fragilidades da sua base

Partidos como DEM e PPS reclamam da insegurança do Palácio em suas ações, PSDB anuncia que analisará aliança em novembro e integrantes do Centrão dizem que o apoiam, mas não provaram na prática

Marcello Casal/ABR

Temer sabe que há interesses inconciliáveis a conciliar e que está rodeado de gente tão confiável quanto ele

Brasília – O governo de Michel Temer ainda não conseguiu sair da corda bamba: se sustenta para tentar combater as fragilidades que possui e que ficam a cada dia mais evidentes. São vários os motivos: a tentativa de aparar arestas com os partidos que se dizem da base aliada, mas não manifestaram apoio consistente até hoje, a procura para conciliar discussões internas com entrega de cargos a políticos que mais têm feito queixas nestes últimos dias e, ao mesmo tempo, discussões sobre medidas para evitar a debandada de bancadas – que prometem se reunir, após as eleições municipais, para discutir uma nova relação com o Executivo (uma delas é o PSDB).

Para um presidente da República que foi presidente da Câmara dos Deputados por duas vezes e até bem pouco tempo atrás era considerado bom articulador político, Michel Temer tem adotado um discurso que já virou chavão no Palácio do Planalto e não tem dito muito sobre sua “habilidade”: “Discutir a relação é sempre muito bom”, já afirmou. Também um dos seus principais escudeiros, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que tem bom trânsito com os parlamentares, costuma desconversar sobre o tema e dizer que o governo conta, hoje, com aproximadamente um terço do Congresso Nacional.

O que estaria faltando, daqui por diante, na opinião de Padilha, é a ampliação dos entendimentos que vêm sendo feitos desde a fase de afastamento de Dilma Rousseff – o que só acontecerá após as eleições municipais e a normalidade dos trabalhos da Câmara e do Senado. Nos bastidores, porém, a situação não é contada como tão boa assim, nem mesmo dentro do próprio Palácio do Planalto.

Um dos principais empecilhos do governo é o Centrão, formado pelos partidos PP, PR, PSD, PTB, Pros, PSC, SD, PRB, PEN, PTN, PHS e PSL, que antes apoiaram Eduardo Cunha. Os integrantes do bloco estiveram com o presidente duas semanas atrás, para marcar território e afirmar que darão “apoio incondicional” ao governo. Mas, nas matérias legislativas que já começaram a ser apreciadas, contribuíram para a falta de quórum na Câmara e no Senado e não se empenharam em garantir apoio consistente às iniciativas do Executivo.

Também vêm dos integrantes do Centrão os principais pedidos para que seja feita logo uma reforma administrativa que contemple os pedidos dos parlamentares para nomeação em cargos federais de segundo e terceiro escalão.

Em reservado, deputados chegaram a dizer que muito do apoio que pretendem dar a propostas como a de emenda à Constituição (PEC) 241, que congela os gastos públicos por um período de 20 anos, e a reforma da Previdência depende do resultado das eleições dos prefeitos que estes parlamentares apoiam, quando terão uma melhor ideia do desgaste de tais medidas perante o eleitorado.

Dúvidas sobre a economia

Entre vários parlamentares com quem a reportagem da RBA falou na última semana, foram apresentados três argumentos tidos como cruciais para a relação com o Executivo. O primeiro deles se dá porque as bancadas de vários partidos temem participar e apoiar um governo que tem propostas tão negativas para a população e, ao mesmo tempo, ainda não deu garantias de que vai melhorar a economia.

“Eles dizem uma coisa e recuam, apresentam argumentos inconsistentes. Isso aconteceu até na área de educação, o que deixa o quadro difícil para nós defendermos. Precisamos ver mais firmeza”, reclamou na sexta-feira (23) um senador do DEM.

O deputado Moroni Torgan (DEM-CE) disse que a legenda confia e tem expectativas de que o passado legislativo de Temer ajude a melhorar, daqui por diante, a relação entre Planalto e Congresso. “Ele tem uma chance única para mostrar ao país que está reunindo uma equipe boa, pensando em resgatar a credibilidade e cortar despesas”, afirmou, dando a entender que as negociações continuam em curso. Torgan evitou dar mais declarações, mas deixou claro que o apoio ao impeachment de Dilma Rousseff e a franca oposição feita aos governos do PT não significam apoio irrestrito dos democratas a todas as propostas apresentadas por esse governo

Outro fator é a desunião que tem sido pincelada aqui e ali e que ficou nítida na última semana dentro do próprio PMDB. Se sempre houve divisões na legenda e tais divisões foram amenizadas nos últimos meses, depois das denúncias feitas pelo deputado cassado Eduardo Cunha contra o secretário do Programa de Parcerias de Investimentos, Moreira Franco, elas ficaram escancaradas. Cunha acusou Moreira Franco de envolvimento em irregularidades no financiamento das obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.

E para completar, os deputados principalmente, não perdoam a descoberta de que Moreira Franco (secretário com cargo de ministro que tem, inclusive, o direito de ocupar o gabinete de Temer no anexo, quando era vice-presidente) teria se recusado a repassar recursos do fundo partidário que vai para a Fundação Ulysses Guimarães para deputados e senadores. A entidade era presidida pelo secretário e os parlamentares esperavam recursos para que eles próprios os reencaminhassem aos seus candidatos a prefeito, o que não aconteceu.

A briga, só revelada há poucos dias, tem como protagonista e adversário de Moreira Franco nesta confusão o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que com a posse de Temer na presidência passou a ser o presidente nacional do partido. Jucá evitou falar no assunto, que foi um dos mais falados no Congresso na última semana, tanto entre integrantes da sigla como entre parlamentares de outras legendas.

Outra questão, esta mais por parte do PSDB, diz respeito a uma mudança de decisão por parte de Temer, a respeito de possível candidatura em 2018. Caso haja este desvio de percurso, o entendimento do grupo é de que a iniciativa vai prejudicar planos não apenas dos tucanos como também do DEM e do PPS, que pretendem apresentar candidatos próprios à presidência da República daqui a dois anos.

O PMDB, mesmo que o nome não seja o de Temer, também se mexe nos bastidores para lançar um candidato próprio e esta falta de consenso para um futuro próximo, balança as estruturas atuais do apoio ao governo.

“Se o Palácio for habilidoso e garantir os consensos que pretende até o final de novembro, puxando o Centrão para perto de si, poderá garantir algumas vitórias no Congresso, evitar que outras não sejam gritantes e conseguir ir levando uma relação não tão bem resolvida com o DEM e o PSDB, o que lhe dará condições de manter essa coalizão. Mas poucas vezes um governo começou a trabalhar de forma tão intricada entre os partidos que o apoiam”, avaliou o cientista político Alexandre Ramalho, professor da Universidade de Brasília (UnB) e analista legislativo do Senado.

Radiografia dos apoios

A percepção pode ser observada em estimativas. De acordo com levantamento recente feito por técnicos do Executivo, dentre os partidos que apoiam o governo, DEM, PTB e PRB são os que menos têm ajudado nas votações – já que em média, de cada cem votos solicitados, 62 votam com as propostas de interesse do governo. Em tempo: PTB e PRB, embora com bancadas menores que a do DEM, integram o Centrão.

No caso do PSDB, o partido já agendou para a segunda semana de novembro uma reunião da executiva nacional para avaliar a relação com o Executivo. E o argumento de muitos tucanos é justamente que, desde maio, os integrantes da sigla são os que mais têm votado em apoio às matérias de interesse do Palácio do Planalto – 72 votos de cada 100 solicitados, número maior até mesmo que o do PMDB.

A principal preocupação da legenda, hoje, diz respeito ao apoio ou não à PEC 241.  Para o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), apesar disso, a reunião será o que ele chamou de “momento de convergência da relação”. “Vamos discutir e debater, não temos a intenção de fazer tensionamentos. O nosso trabalho será para dentro”, afirmou, procurando evitar polêmicas.

Já o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), confirmou que diante de tantas posições diferentes, é importante que a relação do partido com o governo seja constantemente avaliada. “Não estamos deixando de apoiar o Executivo, mas temos que avaliar a fundo estas reformas. Elas são necessárias, só que precisamos ver quanto cada partido vai apoiá-las a fundo, afinal este não é um governo do PSDB, mas de coalisão”, destacou.

Parte da queixa dos tucanos, em reservado, é com o fato de os próprios peemedebistas terem demonstrado, até hoje, ficar em cima do muro na discussão das matérias impopulares encaminhadas ao Congresso ou previamente anunciadas. Eles acham que se o presidente é da sigla, o PMDB que deve ir para a dianteira da defesa destes debates.

É nesse jogo de empurra-empurra e inseguranças que o Palácio do Planalto tenta se equilibrar para conseguir o apoio necessário para se manter, daqui por diante.

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