eleições 2016

Capital paulista avança em mobilidade, mas ainda há muito a fazer, dizem especialistas

Redução da velocidade, polêmica que alguns candidatos prometem rever, diminuiu acidentes e melhorou fluência. Valorização de ciclovias e do transporte coletivo estão entre os maiores acertos da gestão

RIVALDO GOMES/FOLHAPRESS e RAFAEL NEDDERMEYER/ FOTOS PÚBLICAS

Em São Paulo, carro perde espaço e velocidade. Ônibus e bicicletas estão em alta em corredores e ciclovias

São Paulo – A cidade de São Paulo teve uma significativa evolução na mobilidade urbana nos últimos quatro anos, na visão de três especialistas ouvidos pela RBA. Nas avaliações, por um lado o prefeito e candidato à reeleição, Fernando Haddad (PT), pôs em prática a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587), sancionada em 2012; por outro, demonstrou ousadia para devolver a ciclistas e ao transporte coletivo espaços que, por cerca de 50 anos, foram considerados exclusivos e sagrados para o automóvel particular. Todos concordam, porém, que ainda há muito por fazer.

A medida mais elogiada foi a redução de velocidade máxima em ruas e avenidas da capital paulista, para 50 km/h em alguns casos, e no centro velho da cidade para 40 km/h. O pesquisador de mobilidade urbana do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Rafael Calabria destacou que a medida é o ponto de partida para outras ações que priorizem os demais modais. “Você passa a ter segurança para redistribuir o espaço, implementar ciclovias, ampliar calçadas, melhorar a distribuição de faixas de pedestres”, afirmou.

A ampliação das faixas de ônibus, que chegaram 416 quilômetros, superando a meta inicial de 150 quilômetros, também foi bem avaliada pelos especialistas. Assim como a construção da rede cicloviária, que chegou a 316 dos 400 quilômetros prometidos pela gestão até o fim deste ano, e da implantação de miniparques (parklets) no lugar de vagas de estacionamento nas ruas. Todos consideram absurdas as críticas de que as medidas tiram espaço dos carros.

“Os carros transportam 30% das pessoas que se deslocam, mas ocupam 80% do viário. Isso é insustentável. Precisamos de uma cidade em que as pessoas cheguem ao destino e não os carros. Que cada um possa se deslocar como preferir, mas que a pessoa que escolher o carro tenha consciência de que é a pior escolha”, afirmou Carlos Aranha, coordenador do Grupo de Trabalho de Mobilidade da Rede Nossa São Paulo.

Para Aranha, é preciso que se esclareça que a melhoria da mobilidade só vai ocorrer “destituindo o carro”. “Não basta educar as pessoas para usar menos o carro. Tem de tirar espaço. Infelizmente, parte da imprensa prefere atacar as medidas e defender uma minoria. O mérito dessa gestão foi ter levado adiante a pauta da mobilidade, que tem sido amplamente debatida na sociedade e encontrou espaço para ser ouvida, ainda que tenham sido avanços tímidos”, afirmou.

Avanços

Os resultados, mesmo assim, surgiram. Em um ano da redução de velocidade, o número de mortes nas ruas e avenidas da capital paulista caiu 21%. Ao mesmo tempo, o congestionamento no horário de pico da manhã foi reduzido em 6,6% e no período da tarde, em 16%. Ambos os dados são da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). No ranking internacional de tráfego, organizado pela TomTom Traffic, a capital paulista melhorou 51 posições, passado de 7ª mais congestionada do mundo, em 2013, para a 58ª, em 2015.

Tais resultados ocorreram sem a abertura de novas avenidas. A última grande via aberta na cidade foi a terceira pista da Marginal Tietê, em 2010, iniciada na gestão de José Serra (PSDB) e concluída no mandato de Gilberto Kassab (PSD). Algo que o criador do site Mobilize Brasil, que publica informações e estudos sobre mobilidade urbana sustentável, Marcos Souza, considera positivo.

“Políticas de trânsito não podem ter como parâmetro a quantidade de veículos. Senão, você só abre novas vias, que logo estarão tomadas de mais veículos. O que importa é ter mais infraestrutura diversificada para os deslocamentos”, afirmou Souza.

Nesse sentido, os especialistas são unânimes em defender a ampliação de todas as medidas, inclusive com a adoção de políticas mais restritivas ao uso do carro. “Cidades na Europa têm pedágios urbanos, combustível mais caro, estacionamentos caríssimos, proibição de estacionar na rua. Limita-se o uso do carro ao passeio, à ida ao médico, à viagem. Claro que isso tem de estar aliado a uma ampliação das demais estruturas modais”, explicou Souza.

Para o criador do Mobilize Brasil, uma solução é o fomento e a valorização das centralidades existentes em várias regiões da cidade, onde se concentram comércios e serviços, reduzindo a necessidade de deslocamento até o centro da capital paulista. Algo que já está contemplado pelo Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2013, no primeiro ano da gestão Haddad. “Isso teria um significativo impacto no trânsito e na qualidade de vida da população. Um trecho de dois quilômetros pode ser facilmente feito a pé. O carro deixaria de ter função central no cotidiano”, afirmou.

O que falta?

Esse ponto, no entanto, é o mais criticado pelos especialistas. A política de mobilidade da atual gestão deixou a desejar no cuidado com o pedestre. A prioridade definida na Política Nacional de Mobilidade Urbana deixa o automóvel particular em último lugar. Antes do carro estão: o transporte de cargas, o transporte coletivo, a bicicleta e, no topo, o pedestre. Que deve ser a referência de segurança e ter condições de deslocamento em toda a cidade. Mas, na avaliação de Souza, “São Paulo é um desastre para quem se locomove a pé”.

Calçadas precárias e estreitas, faixas de pedestres mal distribuídas, desrespeito dos motoristas fazem parte do cotidiano de quem se locomove a pé em São Paulo. E esse deve ser um dos principais pontos a receber atenção da próxima gestão. “O desenho das vias precisa ser repensado. Elas foram feitas para carros, com grande velocidade. Com o acalmamento do tráfego é perfeitamente possível reduzir a largura das faixas e ampliar as calçadas, por exemplo”, defendeu Carlos Aranha.

E, junto a isso, ampliar a fiscalização. A gestão Haddad instalou 103 novos radares em 2016, chegando a um total de 957 equipamentos. Em 2014, havia 806. Porém, é unânime a posição dos especialistas de que não existe indústria da multa. Inclusive, todos acham que ainda é precária a repressão às infrações de trânsito.

“Um levantamento feito pelo engenheiro Horácio Augusto Figueira indica que apenas uma multa é aplicada a cada 4.500 infrações cometidas. Ele verificou vários pontos da cidade e constatou as infrações de um período. Depois comparou com os dados da CET”, relatou Aranha. Entre as infrações, estão a falta de indicação com a seta, avanço irregular sobre a faixa de pedestres, dirigir com o braço para fora do carro e uso do telefone ao volante.

Outra ação prioritária é a construção de bicicletários e de sistemas de empréstimo de bicicletas em terminais de ônibus, estações de trem e Metrô, e outros equipamentos públicos. “A bicicleta é um excelente complemento do trajeto, quando faltam um ou dois quilômetros do local em que a pessoa desembarca. O sistema hoje é muito pequeno”, afirmou Souza. Ampliar as ciclovias, principalmente na periferia, as faixas de ônibus e corredores, manter a redução da velocidade também devem estar nas metas da próxima gestão.

Cesar Ogata/Secom
Redução da velocidade começou a ser aplicada em 2015 e os resultados foram positivos no trânsito e nos acidentes

O que dizem os candidatos?

As propostas do candidato à reeleição Fernando Haddad (PT) são manter e ampliar do que fez nos últimos quatro anos, sobretudo quanto no estímulo às viagens de ônibus e de bicicletas e redução de mortes no trânsito. Em relação aos pedestres, a única diretriz define a “melhoria das calçadas”.

Celso Russomano (PRB) apresenta o oposto. Tem sido categórico em afirmar que vai revisar a política de redução de velocidade, a instalação de radares e as lombadas eletrônicas, os quais acusa de ser um esquema de indústria da multa. Também pretende expandir as ciclovias e faixas exclusivas de ônibus.

O candidato João Doria Júnior (PSDB) já afirmou várias vezes que vai voltar a velocidade das marginais ao que era antes da política de redução de velocidade. Também vai rever a redução em outras vias e o número de radares. Afirma que vai ampliar as faixas de ônibus, as ciclovias e melhorar as calçadas – sinaliza privatizar a gestão de corredores.

A ex-prefeita Marta Suplicy (PMDB) também tem feito críticas à redução da velocidade e ao aumento do número de radares. Promete rever ambas as medidas. Promete construir ciclovias nas periferias – embora já tenha dito em debates que não são prioridade – e ampliar as faixas exclusivas, com ênfase no aumento de velocidade.

A candidata do Psol e ex-prefeita da capital paulista, Luiza Erundina, propõe por sua vez a manutenção da política de redução do limite de velocidade. Também pretende ampliar ciclovias e faixas exclusivas de ônibus, além de iniciar testes para implementar a tarifa zero no transporte coletivo.

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