Delação

O xadrez das delações da Odebrecht e os cenários possíveis

Informações da empreiteira em delação premiada embaralham o jogo do golpe em curso; Aécio Neves, Michel Temer e José Serra estão implicados e não há como varrê-los para baixo do tapete

Lula Marques/ AGPT (26/08/2015)

Parcialidade ou isenção da Lava Jato dependerá das providências que forem tomadas pelo procurador Janot

Jornal GGN – Duas informações foram vazadas antecipadamente pela Lava Jato: os R$ 10 milhões em dinheiro vivo para Michel Temer; os R$ 25 milhões para José Serra por meio de conta no exterior. Há informações seguras de pelo menos um depósito na conta de sua filha Verônica Serra. Se quebrar o sigilo das contas de Verônica, não sobrará pedra sobre pedra.

Já se sabia que executivos da Odebrecht e da OAS implicariam Aécio Neves, Michel Temer e José Serra, entre outros. Não haveria como varrer para baixo do tapete.

A comprovação da parcialidade ou isenção da Lava Jato dependerá das providências que forem tomadas pelo Procurador Geral da República Rodrigo Janot.

Hoje em dia, não se tem a menor ideia sobre o desenrolar das ações contra Aécio Neves e outros próceres tucanos. Todos os processos são mantidos sob severo sigilo. Só vaza aquilo que interessa que vaze.

À luz de tudo o que se sabe sobre a Lava Jato e sobre o comportamento dos principais atores, é possível montar algumas hipóteses de trabalho.

Peça 1 – A divisão entre os vitoriosos

Há dois grupos nítidos na efetivação do golpe: um deles pode ser denominado genericamente de mercado, que representa o poder de fato; o outro, a camarilha dos 6 – Michel Temer, Eliseu Padilha, Geddel Viera Lima, Romero Jucá, Moreira Franco e o finado Eduardo Cunha – que representa a maioria ocasional no parlamento.

O poder mercado é composto pelo mercado propriamente dito, grandes grupos, a mídia e autoridades brasilienses, além do apoio constante dos Estados Unidos. Ele tem uma agenda clara. Não faz questão da presidência, mas do controle da Fazenda e do Banco Central e de implantar as seguintes medidas:

1. Acabar com o Estado de bem-estar social previsto na Constituição de 1988, por meio  do limite nominal para gastos.

2. Manter o trinômio juros altos, ajuste fiscal rigoroso e livre fluxo de capitais, a chamada trindade impossível, só possível em países de opinião pública subdesenvolvida.

Os sinais dessa divisão são claros. O Ministro Luís Roberto Barroso, do STF, por exemplo, do círculo de influência da Globo, já explicitou que a banda do PMDB é inadmissível, mas que a equipe econômica é de primeira. E o senador Cristovam Buarque, dono de notável discernimento, chegou a dizer que votaria contra o impeachment se Dilma Rousseff se comprometesse a bancar Henrique Meirelles.

É um coral enorme. Praticamente cada comentarista da Globo e dos demais grupos repete pelo menos uma vez por dia o bordão.

Peça 2 – Quem representará o mercado

A ideia de que o PSDB era o mercado sempre foi falsa. No Plano Real, o partido serviu apenas como cavalo de Troia para os economistas de mercado – Pérsio, Bacha, André, Gustavo, Malan, Mendonça de Barros, Armínio entre outros. Em todo o processo do Real, a economia foi conduzida exclusivamente por esse grupo.

Dentro do PSDB, apenas Fernando Henrique Cardoso tinha o endosso e endossava o grupo. Depois, parte do grupo se aproximou de Aécio Neves, parte de Marina Silva. Sempre houve enorme resistência ao nome de Serra devido ao seu voluntarismo.

Quando os economistas do Real deixaram o PSDB, o partido não conseguiu mais desenvolver um discurso próprio.

Portanto, quem tem a ideologia, o discurso e as alianças legitimadoras é o mercado. Em 2010, suportaram Serra de nariz virado. E Temer só interessa se cumprir o mandato de erradicar a Constituição de 1988, mesmo não tendo um voto.

E aí entram as denúncias contra Temer e Serra.

Peça 3 – O fator Gilmar Mendes

No final de semana, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o Ministro Gilmar Mendes mandou analisar a possibilidade de cassação do PT. Trata-se de um dos factoides periódicos que ele tira de sua maleta mágica, buscando desviar o fogo da mídia quando ameaça seus aliados. Provavelmente foi para desviar a cobertura da mídia das denúncias contra Serra.

Lembre-se:

O grampo do STF – No auge das investidas da Satiagraha contra Daniel Dantas, Gilmar protagonizou a história do grampo sem áudio, e do grampo no STF, cuja materialidade jamais foi comprovada. Nessa época, um de seus principais assessores era Jairo Martins, o principal araponga de Carlinhos Cachoeira. O carnaval permitiu instaurar a CPI do Grampo visando esvaziar a Satiagraha.

A conversa com Lula – No auge do julgamento do “mensalão”, criou a versão para a conversa com Lula, que foi cabalmente desmentida pela única testemunha presente: Nelson Jobim.

A vaquinha de Dirceu – Quando explodiram versões de seus contatos com o ex-senador Demóstenes Torres, Gilmar criou a história de que a vaquinha para pagar a multa de Dirceu no mensalão era fruto de milhares de laranjas.

A ofensiva contra o PT quer apenas isto: criar um fato que possa se contrapor às denúncias contra Temer e, especialmente, contra Serra.

Peça 4 – O fator Temer

O interino se equilibra entre mercado e sua turma. A cada dia que passa se comporta cada vez mais como dono do poder. E, a cada movimento, denota propósitos continuístas.

Tem produzido um aumento substancial no déficit e na dívida pública em troca da promessa futura dos limites nominais para os gastos orçamentários. Com a baixíssima popularidade junto à opinião pública, as sucessivas denúncias contra ele – culminando com a denúncia-bomba da Odebrecht – em circunstâncias normais, cairia.

Mas não se vive tempos normais.

Há três cenários possíveis:

Cenário do pacto sem Temer

Haveria algum espaço para que seu afastamento pudesse resultar em pacto nacional visando a uma trégua até as eleições de 2018, algo no qual os presidentes do Senado e da Câmara abrissem mão da sucessão, permitindo que fosse conduzido pelo presidente do STF Ricardo Lewandowski.

É uma possibilidade, mas um tanto complexa para ser aceita, mas que poderá se tornar viável dependendo do desenrolar da crise.

Por exemplo, se o PGR decidir atuar firmemente contra Aécio, Temer e Serra, ganhará pontos para radicalizar a caçada à Lula. O jogo seria zerado fortalecendo a ideia de pacto sem vencedores.

De qualquer modo, significaria manter no posto a atual equipe econômica.

Probabilidade baixa, principalmente porque haveria forte resistência no Congresso.

Cenário da guerra com o Congresso

O Procurador Geral da República decide pedir autorização para investigar o presidente interino e outras figuras de destaque denunciadas pela Odebrecht e OAS. Imediatamente estouraria uma guerra, com a camarilha se valendo de seu poder legal no Congresso para represálias contra o PGR e o MPF.

O bravo dr. Janot sabe que uma coisa é manter a independência sem risco em relação ao ex-Ministro José Eduardo Cardoso e Dilma Rousseff; outra é tratar com profissionais, entrincheirados no Congresso e ameaçando explodir o paiol se o inimigo se aproximar.

Probabilidade baixa.

Cenário da contemporização

A atuação do PGR não se mede pelas ações que propõem, mas pela maneira como trabalha cada processo. Basta colocar mais recursos em um e retirar de outro para ditar o ritmo de ambos. Foi assim que até agora Aécio Neves se manteve incólume.

Com Temer deverá ocorrer o mesmo – mas aí por razões de Estado. Certamente, a esta altura devem estar conversando em Brasília membros do STF, o PGR e seu grupo, para  encontrar maneiras de parecer que foram tomadas providências sem comprometer a governabilidade.

Quem pariu Mateus, que o embale. Se o PGR parte para o enfrentamento, deflagra uma crise política. Se contemporiza, rasga a fantasia.

Poupar Temer pode se justificar em nome da governabilidade. Mas não há nenhum motivo para esquecer Serra.

Como se diz em Minas, quem monta em cavalo grande, arrisca a levar um tombo maior.