Censura

Obrigar retirada de conteúdo da internet se torna prática comum no jogo eleitoral

Estudo da FGV revela que foram abertas cerca de 1.700 ações do tipo durante as eleições de 2014. Nas decisões da Justiça em segunda instância, 58% dos juízes são a favor da retirada e 42% são contra

CC Wikimedia commons

São Paulo – Estudo realizado pelo grupo de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito concluiu que cerca de 1.700 decisões judiciais determinando a retirada de conteúdo da internet foram despachadas durante as eleições de 2014. O dado se refere às decisões disponíveis no site do Tribunal Regional Eleitoral dos 27 estados do país, mais o Distrito Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Segundo Mônica Rosina, coordenadora do grupo, o dado é revelador sobre as ofensivas contra a liberdade de expressão durante períodos eleitorais brasileiros e refletem a pouca afinidade dos políticos brasileiros com a democracia. Decidimos fazer essa pesquisa para fornecer informações que possam subsidiar o debate sobre a liberdade de expressão durante as eleições, disse Mônica.

Os dados foram divulgados durante um debate sobre liberdade de expressão nas eleições, ocorrido hoje (26), na Associação dos Advogados de São Paulo (AASP).

Usamos o critério das decisões colocadas na internet porque é assim que a justiça eleitoral brasileira opta por se mostrar para quem procura por suas informações, disse Mônica, afirmando que, no entanto, na internet não está o número de ações totais. Como muitas decisões eram similares, ela explicou que o grupo de pesquisa utilizou alguns filtros e, ao final, concentrou o estudo em 484 processos.

Com relação às decisões da Justiça, o estudo mostra que, entre os pedidos de liminares, 66% dos juízes concordam com a retirada de conteúdo da internet. O número cai para 62% na decisão em primeira instância. Em segunda instância, 58% dos juízes são a favor da retirada e 42% são contra.

O estudo revela que 46,7% dos autores da ação são partidos políticos ou coligações; 30,3% são os próprios candidatos; 22,8% a imprensa (pessoa jurídica); e apenas 0,2% os provedores de conteúdo. Entre os réus, 43,6% são as candidaturas; 17,7% os candidatos, como pessoa física; 14,6% os provedores de conteúdo na internet; e 9,4% o partido ou coligação. A professora da FGV mostrou que, quando o réu são os provedores da internet, o Facebook lidera, sendo alvo em 71,6% das ações, seguido pelo Google, com 20,9%, e o Twitter, réu em 5,4% das ações.

As redes sociais são o local de publicação preferido das ações, sendo alvo de 56,8% dos processos. Na sequência vêm os blogs, com 12%, sites da administração direta, com 11,4%, e sites de notícias com 9,7%.

Entre tantas justificativas para embasar o pedido de retirada de conteúdo, a acusação de material inverídico é uma delas. Neste aspecto, a situação do trabalho humorístico em período eleitoral é ainda mais complicada.

Humor x eleições

Criado em 2009, o site Sensacionalista ficou conhecido a partir de 2014, justamente por sua atuação durante as eleições. “Ser inverídico é motivo de ter o conteúdo retirado, o que nos coloca numa situação difícil porque tudo o que publicamos é mentira”, disse Nelito Fernandes, um dos criadores do site. “Algumas pessoas acham que fazemos jornal, mas se enganam. Nós fazemos humor em linguagem jornalística.”

Em sete anos no ar, foram publicadas cerca de 12.300 “notícias”. Só mentira. Apesar do humor crítico, foram alvo até hoje de apenas um processo, movido pelo deputado Marcos Feliciano (PSC-SP).

“O humor pressupõe a crítica, sempre alguém vai ficar chateado. Não tem humor a favor”, pondera Nelito Fernandes. No caso do processo movido por Feliciano, o deputado perdeu tudo o que pediu – desde a retirada da publicação até a impossibilidade de nova publicação abordando o próprio processo em curso.

Segundo Marta Mendonça, também criadora do site, a autocensura faz parte do trabalho do grupo e mesmo na produção do humor, é preciso ter regras. Nós gostamos de falar mal do opressor, não do oprimido, explicou.

Leia também

Últimas notícias