Governo Interino

A Geap é uma bomba para Eliseu Padilha

Nas mãos do PP, por obra do braço direito de Temer, o plano de saúde dos servidores vive uma guerra por causa de um contrato suspeito

Pedro França/Agência Senado

Padilha anulou mudanças estatutárias feitas pouco antes pela Geap, garantindo o controle da entidade com o PP

Carta Capital – “Nesses 80 dias de governo, eu acho que nós fizemos coisas boas. Mas a melhor que fizemos foi escolher os ministros. Licença poética, certamente, as palavras do bardo Michel Temer, em um ato público na segunda-feira 1º. Três ministros já caíram, por tropeços éticos, e outro só não foi nomeado ainda por ser réu, acusado de falsidade ideológica.

Maldosamente chamado de “Eliseu Quadrilha” nos tempos do governo Fernando Henrique, o chefe da Casa Civil de Temer é outro a enveredar por trilhas perigosas. Na semana passada, CartaCapital revelou a intervenção de Eliseu Padilha em uma disputa bilionária, controvertida e cheia de DNA do PMDB no Porto de Santos. Ele agora se arrisca em mais um terreno pantanoso.

No centro desta nova trama está o PP, do ministro da Saúde, Ricardo Barros, e do presidente da Caixa Econômica Federal, Gilberto Occhi, partido amante das negociatas, como atestam as relações do doleiro Alberto Youssef com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, descobertas pela Operação Lava Jato.

Um enredo a deixar a impressão de autoridades movidas por interesses pouco republicanos e dispostas a acobertar malfeitos, na qual aparece mais uma vez a banca Nelson Wilians & Advogados Associados, a mesma do caso Padilha-Porto de Santos. E o mais delicado: uma história em que há suspeitas de fraude em um contrato de mais de 100 milhões de reais.

A trama se passa na Geap Autogestão em Saúde, uma fundação de caráter privado fornecedora de planos de saúde a funcionários públicos. A entidade possui gestão compartilhada entre servidores e entes federais. Seu órgão máximo é o Conselho de Administração, formado por seis membros, três indicados pelos usuários e três pelo governo.

Cabe ao presidente do Conselho nomear o diretor-executivo. O financiamento dos planos também é rateado. O governo repassa uma quantia fixa à Geap por servidor que adere ao convênio, em torno de 200 reais por mês, e o trabalhador completa a mensalidade, de cerca de 600 reais, em média. Com 600 mil clientes, a maioria em Brasília e no Rio de Janeiro, a entidade gira uns 4 bilhões de reais por ano. Uma respeitável quantia.

Tão logo chegou ao Palácio do Planalto com o presidente interino, Padilha meteu a colher na Geap. Em um ofício de 18 de maio ao presidente do Conselho de Administração, Irineu Messias de Araújo, sindicalista, declarou nulos todos os atos praticados pelo Conselho a partir de 27 de abril.

O objetivo era retomar o comando do Conselho pelo governo, para o Planalto poder usar a Geap em suas barganhas políticas. No caso, para dar vida boa ao PP, a ciscar pela Geap desde 2013.

No ofício, Padilha indica como membro e presidente do Conselho no lugar de Messias um prestador de serviços ao PP. Laércio Roberto Lemos de Souza foi subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério das Cidades na gestão do deputado do PP da Paraíba Aguinaldo Ribeiro, entre 2012 e 2014.

Permaneceu ali com o sucessor de Ribeiro, o mineiro Occhi, depois seguiu com este, em 2015, para o Ministério da Integração Nacional, onde foi diretor de Planejamento Estratégico. Para uma das outras vagas, Padilha endossou a designação feita por Barros, deputado pelo PP do Paraná.

Barros tomou posse em 12 de maio e no dia seguinte assinou um despacho a informar seu escolhido para a Geap, o advogado Rodrigo de Andrade Vasconcelos, o mesmo que abriu o caminho para o milionário contrato agora envolto em suspeitas.

O referido contrato foi assinado em 13 de outubro de 2015. Nele, a Geap terceirizou sua defesa em causas judiciais. O contratado era o escritório Nelson Wilians, remunerado para representar a entidade em tribunais de todo o Brasil. O parecer jurídico da Geap a embasar a terceirização é obra de um personagem ligado ao PP, Paulo Rochel Alves Filho.

Atual assessor institucional da entidade, ele foi assessor parlamentar da pasta das Cidades com Aguinaldo Ribeiro. Um ano antes, a Geap selara uma terceirização parcial com o mesmo escritório, restrita a causas no Rio Grande do Sul, terra de Padilha, e no Rio de Janeiro. O parecer favorável àquela terceirização é de Vasconcelos, na época assessor jurídico da entidade.

Depois de deixar a Geap, Vasconcelos atuou juntamente com a banca Nelson Wilians em tribunais. Inclusive, em processos que tinham a Geap como parte. É o caso do Embargo de Declaração 131554-92.2016.8.21.7000, ajuizado pela entidade em 25 de abril no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No embargo, Vasconcelos e Wilians aparecem como advogados da Geap.

Não seria conflito de interesse respaldar juridicamente um contrato quando era da Geap, depois atuar juntamente com o contratado da entidade? Trata-se, ademais, de processo a correr em um estado que, graças ao parecer de Vasconcelos em 2014, pavimentou a terceirização total de 2015.

Questionado, Vasconcelos disse, por meio da assessoria de imprensa da Geap, que “nunca trabalhou no escritório” Nelson Wilians. Também pela assessoria a banca afirmou que Vasconcelos “nunca teve vínculos profissionais”. Em nota da assessoria, o Ministério da Saúde declarou que Ricardo Barros indicou o advogado para a Geap pela experiência dele no ramo. Vasconcelos já foi diretor da União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde.

À frente do Conselho de Administração, Messias queria rescindir o contrato de terceirização de 2015. É o que se vê na ata, obtida pela reportagem, da reunião ordinária do Conselho de 18 de maio. Mesmo dia, aliás, da intervenção do chefe da Casa Civil.

Já havia, inclusive, uma nota técnica preparada pela diretora-executiva, Eliana Cruz, para subsidiar a rescisão. Segundo Messias, o contrato parecia economicamente lesivo à Geap. Até ali, já consumira 14,5 milhões de reais, uma média de 2 milhões de reais por mês.

Conforme estimativas internas da entidade na época, seria possível gastar próximo de 400 mil reais mensais com advogados da casa em processos judiciais, ou seja, 1,6 milhão a menos do que a despesa média com o escritório terceirizado.

O contrato sofreu então uma espécie de pente-fino, o que trouxe à tona esquisitices no processo de terceirização e indícios de fraude, conforme se observa no 8º Relatório do Conselho Fiscal da Geap, de 22 de junho, ao qual CartaCapital teve acesso.

Segundo o documento, o contrato nasceu de forma relâmpago: a terceirização foi autorizada pelo Conselho de Administração em 8 de outubro de 2015 e cinco dias depois a diretoria assinava a papelada. A justificativa para a contratação é de 15 de outubro, posterior ao acordo. Não deveria ser anterior?

Também foram identificadas cobranças indevidas, da ordem de 44 mil reais, por parte da banca Nelson Wilians, por serviços na verdade prestados por advogados da casa ou por outro terceirizado. O contrato jamais foi submetido pela diretoria ao Conselho de Administração, embora normas internas imponham tal rito a acordos superiores a 100 mil reais. Mesma situação, aliás, das negociações do escritório com o Porto de Santos, motivo de intervenção de Padilha.

O contrato com a Geap, prossegue o relatório, teria dispositivos tidos como “leoninos” para a entidade, com “cláusula rescisória extremamente desfavorável” e “sinais óbvios de adulteração”. Por fim, recomendava ao Conselho de Administração e à diretoria a apuração das irregularidades, punição dos responsáveis, rescisão contratual e perícia na papelada.

O contrato tem sete páginas. Pela Geap, assina o então diretor-executivo, Luiz Carlos Saraiva Neves, ligado ao PT. Pela Nelson Wilians, o chefe do escritório em Brasília, Leandro Daroit Feil. Há também duas testemunhas a firmá-lo. A fraude estaria na página 3, a tratar dos honorários da banca. É a única folha a conter uma rubrica solitária. As demais possuem quatro rubricas, presumivelmente de Neves, Feil e das testemunhas.

CartaCapital não conseguiu contato com Neves para pedir esclarecimentos. Por meio da assessoria, o escritório Nelson Wilians afirma: “Trata-se de um contrato particular de prestação de serviços jurídicos, que atende à finalidade a que foi proposto e sobre o qual não paira a mínima suspeita de fraude ou irregularidade”. E que “a condução dos processos judiciais foi objeto de duas auditorias externas independentes realizadas pelas renomadas empresas Ernest & Young e KPMG, tendo sido aprovadas sem ressalvas”.

Além das pessoas envolvidas com a suposta fraude, esta poderia beneficiar mais alguém no jogo do poder em Brasília? Um ex-funcionário da Geap diz que terceirizar a defesa judicial é capaz de servir à formação de caixa para campanhas, partidos e políticos. O dinheiro pago à banca contratada poderia ser revertido de algum modo ao grupo político responsável pelo acordo.

Como visto, a terceirização levou a Geap a gastar, por mês, 1,6 milhão de reais acima do que custaria atuar com seu jurídico próprio nos tribunais. O escritório Nelson Wilians, noticiou a Folha de S.Paulo, teria ligações com o PMDB e com um filho do ministro da Casa Civil, o advogado Robinson Padilha, que na prática toca o escritório do pai, Eliseu, em Porto Alegre.

Fraude contratual à parte, é possível fazer bons negócios não republicanos na Geap, conta o mesmo ex-funcionário, o que talvez explique o Planalto usar a entidade em barganhas políticas e o interesse do PP em tomar conta do pedaço.

Por exemplo, um cliente da Geap vai ao hospital, o atendimento gera uma guia a ser enviada à entidade para o pagamento, o papel entra numa fila de espera e fica lá. Para agilizar o pagamento, ou para não o retardar, alguém da Geap pode cobrar do credor um pedágio, digamos, de 10% do valor devido.

Consta que isso teria ocorrido recentemente em um hospital de Brasília especializado em idosos. Adiantaria alguma coisa o hospital reclamar no Ministério da Saúde? Sendo a pasta do PP, o partido da Geap, é improvável.

A possibilidade de emprego político da entidade, com o potencial prejuízo dos usuários, está na origem da briga que trouxe à tona as suspeitas de fraude contratual. Até abril, o presidente do Conselho de Administração da Geap era escolhido entre os três representantes do governo, tinha o voto de Minerva e cabia a ele nomear o diretor-executivo. Com apoio do Ministério do Planejamento na reta final da gestão Dilma Rousseff, os representantes dos usuários conseguiram tomar o poder.

Em 25 de abril, o Planejamento trocou os três conselheiros titulares do governo na Geap. Eles assumiram um dia depois em uma reunião extraordinária do Conselho, este se autoconvocou para outra extraordinária no dia seguinte (27) e aprovou um novo estatuto. Dali em diante, o presidente e o vice do Conselho seriam eleitos apenas entre os indicados dos servidores. O desempate em decisões e a escolha do diretor-executivo caberiam aos representantes dos servidores.

Em 2 de maio, em outra reunião extraordinária do Conselho, foi eleito para comandá-lo Irineu Messias de Araújo, sindicalista da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Seguridade Social. O que levou, por designação dele, a assistente social Eliana da Cruz ao cargo de diretora-executiva. E, ato contínuo, aos questionamentos sobre a terceirização do jurídico.

No Ofício 166/CCivil, o da intervenção, Padilha declara nulos não só a alteração estatutária, como também tudo o que foi feito pelo Conselho de Administração depois. O que, na prática, esvaziou as discussões sobre a lisura da terceirização. Abriu-se uma guerra judicial.

Messias resistiu à nomeação de um substituto, o que levou a Advocacia-Geral da União, em nome do Planalto, a entrar, em 10 de junho, com uma ação na Justiça Federal, em Brasília, para resgatar o estatuto antigo e garantir a posse dos novos conselheiros. As mudanças estatutárias, diz a ação, foram “de legalidade e finalidade duvidosa”.

No dia 14, a liminar pedida foi dada pela juíza Katia Balbino de Carvalho Ferreira. O desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal, cassou-a três dias depois e logo em seguida o presidente do TRF, Hilton Queiroz, ressuscitou-a.

Para voltar ao posto, Irineu Messias foi ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 23 de junho, com um mandado de segurança contra o chefe da Casa Civil. Alega que Padilha não tinha base legal para intervir, pois a Geap é entidade de direito privado, não órgão público, segundo pareceres do Ministério Público e no entendimento da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a reguladora dos planos de saúde.

O ministro, que não atendeu a pedidos de esclarecimentos da reportagem, é acusado também de tentar restabelecer uma situação indesejada pelos usuários da Geap, “cansados dessas indicações políticas” que tomam decisões contrárias aos interesses dos conveniados. A partidarização da Geap foi uma das razões, aliás, para a Associação Nacional dos Servidores da Previdência e Seguridade Social juntar-se à ação ajuizada pela AGU como parte interessada. Argumenta não querer que “esse plano volte a ser administrado por pessoas pertencentes ao Partido Progressista”.

Até agora, não há decisão final sobre a ação da AGU nem sobre o mandado de segurança impetrado no STJ e a cargo do ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Messias segue conselheiro, mas perdeu o comando do Conselho e não tem como forçar a investigação do contrato supostamente fraudado, embora tenha insistido no assunto na reunião ordinária de 13 de julho. O PP reina por ali.

O encarregado agora, Láercio Roberto de Souza Lemos, homem ligado ao partido, defende o negócio. Segundo ele, “o escritório contratado obteve êxitos importantes”, a garantir receita mensal da ordem de 20 milhões de reais à Geap. “O sucesso do escritório terceirizado na defesa da Geap perante o Poder Judiciário contrariou o interesse processual de sindicatos e associações”, disse por meio da assessoria.

Respaldado pelo Planalto, Souza Lemos parece disposto a ir para o confronto na Geap. Ao menos é o que se depreende de uma correspondência enviada por ele, em 30 de junho, à presidenta do Conselho Fiscal, Maria do Perpétuo Socorro, em resposta ao 8º Relatório, aquele que recomendava romper e periciar o contrato com a Nelson Wilians.

O documento, assinado ainda pelo diretor-executivo interino, Artur de Castro Leite, diz ter havido um “rigor desmedido” no Relatório. Mais: aponta “furto” e “adulteração” do contrato por parte do ex-assessor jurídico da Geap Luiz Eduardo Yukio Egami, o responsável pelo pente-fino na terceirização. E insinua que Socorro poderia incorrer nos mesmos crimes.

Egami tornou-se assessor jurídico da Geap após a ascensão de Irineu Messias ao comando do Conselho de Administração. É ligado ao PT e defendeu o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares no julgamento do “mensalão” petista.

Questionado pela reportagem, afirmou desconhecer a acusação de furto e adulteração, mas que “jamais furtei em minha vida” e “jamais alterei qualquer documento ou adulterei-o”. “Se existe tal alegação por parte dos dirigentes daquela entidade (Geap), gostaria de receber essa informação, para que possa tomar as medidas judiciais cabíveis.”

Com esse cenário tomado por acusações de fraudes, furtos e adulterações, em que mergulharam Eliseu Padilha e o PP, Michel Temer não tem de se preocupar apenas com a Lava Jato ou uma eventual delação do deputado à beira da cassação Eduardo Cunha. A Geap virou uma bomba.