Remendo

PEC de Aécio cria cláusula de barreira que tiraria partidos pequenos do Congresso

PEC 36/2016, apresentada na semana passada por senador tucano e correligionário Ricardo Ferraço, impõe regras pelas quais PCdoB e Psol teriam ficado fora do Legislativo se vigorassem em 2014

Waldemir Barreto/Agência Senado

Segundo a PEC de Aécio, os eleitos por partidos que não conseguirem índice podem mudar para outras legendas

São Paulo – A Proposta de Emenda à Constituição 36/2016, apresentada pelos senadores tucanos Aécio Neves (MG) e Ricardo Ferraço (ES) no último dia 13, além de ser um “remendo” na legislação eleitoral e passar ao largo de uma reforma política séria, estabelece que só terão “funcionamento parlamentar” os partidos que obtiverem um mínimo de 2% dos votos válidos nacionalmente em 2018. Esses deverão estar distribuídos em pelo menos 14 estados, com no mínimo 2% dos votos válidos de cada unidade da federação. A PEC propõe que a partir de 2022, a porcentagem nacional mínima seja de 3%.

Se essas regras vigorassem em 2014, partidos de marcada presença ideológica e programática, como PCdoB (que teve 1,98% dos votos válidos) e Psol (1,80%), teriam ficado fora do Congresso Nacional. O Psol, que evidentemente é contra a determinação, argumenta que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu, em dezembro de 2006, que a cláusula de barreira é inconstitucional, de acordo com o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello, porque ocorreria um “massacre das minorias”.

Na justificação da PEC, Aécio e Ferraço reconhecem que o STF barrou a restrição “em certos aspectos, por unanimidade, sob o argumento de que prejudicaria os pequenos partidos”. Mas os autores insistem em que a decisão do tribunal “não excluiu, em definitivo, a possibilidade de se fixar uma cláusula de desempenho para os partidos”. A PEC estabelece também que serão extintas as coligações partidárias em eleições legislativas a partir de 2022.

“Uma cláusula de barreira como essa atinge os partidos programáticos e ideológicos. Partidos de aluguel dão um jeito de se safar. Ou fazem fusões sem critérios, sem programas, ou se agregam aos grandes partidos. Eles só existem em busca do fundo partidário e de negociatas”, diz o deputado Ivan Valente (Psol-SP).

Ele cita o PMB (Partido da Mulher Brasileira), criado em setembro de 2015, que chegou a ter 21 deputados (dos quais apenas uma mulher), mas, com a janela partidária criada pela Emenda Constitucional 91/2016, que permitiu o troca-troca de partido sem perda de mandato entre fevereiro e março deste ano, de repente ficou com dois.

“Esse partido sobreviveria e, nós, do Psol, que temos candidaturas competitivas este ano em Belém, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro, estaríamos fora”, diz o parlamentar. Outro exemplo ocorreu em 2006. Menos de dois meses antes do julgamento do STF, o PL se juntou ao Prona e assim nasceu o PR (Partido da República).

Para o analista Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a PEC é “realmente excludente”. O pior é que tem boas chances da passar no Congresso. “Mas pode surgir uma alternativa, que poderia ser uma regra de transição negociada, que seria o mecanismo chamado de federação de partidos. Com a federação, você supera as questões da coligação e da cláusula de barreira. A federação de partidos é considerada como se partido fosse”, diz.

Segundo verbete da Câmara dos Deputados, a federação “permite que os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unam para atuar de maneira uniforme em todo o país e, ao mesmo tempo, contribui para que os pequenos partidos ultrapassem a cláusula de barreira”.

Minirreforma eleitoral

Ivan Valente lembra também que a chamada minirreforma eleitoral (Lei nº 13.165/2015), aprovada no segundo semestre de 2015 sob o comando de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara, puniu severamente seu partido. A reforma estabeleceu uma “cláusula de barreira retroativa”, segundo Valente, contra o Psol, ao determinar que apenas partidos com ao menos nove deputados federais têm direito assegurado a participar dos debates televisivos.

“Essa regra dos nove deputados é uma cláusula de barreira retroativa. (Na elaboração do projeto) tínhamos negociado com Romero Jucá (PMDB-RR) e com o próprio Aécio Neves, no Senado, uma regra que exigiria no mínimo cinco deputados em 2018 e dez em 2022, para participar dos debates. Mas, quando voltou à Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ, hoje presidente da Casa), que era o relator, quebrou a negociação do Senado”, diz o parlamentar. “E, para piorar, a Dilma não vetou essa cláusula.”

Com seis deputados, o Psol está hoje incluído na restrição. Com 11 deputados, o PCdoB está fora da regra, mas, com a cláusula determinada pela PEC de Aécio, precisaria ter um desempenho bastante superior a 2014 para não perder o lugar no Congresso em 2018.

A PEC 36 estabelece ainda, de maneira perversa, que os políticos eleitos por partidos que não conseguirem ultrapassar a barreira “terão asseguradas todas as garantias do mandato e podem mudar para outras legendas sem penalização”.

De acordo com a proposta, “somente os partidos com funcionamento parlamentar têm assegurados acesso gratuito a rádio e TV, participação do fundo partidário, direito a propor ações no STF e estrutura nas casas legislativas”.

Para a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), causa estranheza a apresentação da PEC por Aécio e Ferraço, já que tramita no próprio Senado uma PEC, relatada pelo senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE) e aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, prevendo que terá direito a funcionamento parlamentar o partido que na eleição para a Câmara dos Deputados obtenha, no mínimo, 1,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço dos estados, com um mínimo de 0,8% do total de cada um deles.

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