Manobra

Temer ignora déficit da União e acerta ajuda a estados em troca de apoio

Impacto do acordo com os governadores será de R$ 50 bilhões até 2018 e fez políticos estranharem, já que o governo interino aumentou estimativa do déficit em 2016 de R$ 96 bilhões para R$ 170 bilhões

José Cruz/Agência Brasil

O estado de São Paulo, de Geraldo Alckmin, responde sozinho por quase a metade do endividamento dos estados

Brasília – Provocou surpresa entre políticos e economistas o acordo firmado ontem (20) pelo Executivo para socorrer estados em dívida com a União. Pagamentos ficarão suspensos (em 100%) até o final deste ano. E a partir de janeiro de 2017, terão uma redução gradual de 5,5 pontos percentuais destes 100% a cada dois meses, até que o abatimento na dívida seja zerado – o que acontecerá em 18 meses.

A estimativa de impacto sobre as contas do Tesouro com a negociação será da ordem de R$ 50 bilhões até 2018. O acordo expõe uma contradição para uma equipe econômica – o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, acompanhou a reunião –  há menos de um mês levou ao Congresso uma elevação da previsão de déficit da União neste ano, de R$ 96 bilhões para R$ 170 bilhões.

O presidente interino, Michel Temer, alegou que a ajuda tem “caráter de emergência” por conta da situação crítica observada nos estados. Mas prometeu incluir os termos da negociação na proposta de emenda à Constituição (PEC) enviada ao Congresso, referente ao limite do teto dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Das 27 unidades da federação, apenas duas, Piauí e Tocantins, não têm endividamento fora de controle.

A manobra é vista como forma encontrada por Temer de pedir apoio aos governadores para conseguir aprovar o ajuste, o quanto antes, no Legislativo. E, ao mesmo tempo, de convencer o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Além do ajuste e de outras medidas consideradas antissociais ventiladas – como restrições de acesso a aposentadoria e redução de direitos trabalhistas –, a própria continuidade do governo interino será objeto de votação. A mais importante batalha por votos travada no momento é em torno dos que definirão se o afastamento da presidenta Dilma Rousseff será ratificado ou revisto.

Renan participou da reunião e ainda não se pronunciou. Ele havia dito na última semana que em sua opinião, qualquer medida de ajuste só deveria ser apreciada pelo Congresso após a votação do impeachment de Dilma, mas se sabe que seu filho, o governador de Alagoas, Renan Calheiros Filho (PMDB), é um dos beneficiados com a negociação.

À tarde, durante visita ao Sindicato dos Bancários de São Paulo, o ministro da secretaria de Governo do governo afastado, Ricardo Berzoini, havia afirmado que a equipe econômica faz “jogada de marketing” com o assunto fiscal desde a posse. “O pacote do ministro Henrique Meirelles, que quis ampliar o déficit da União para R$ 170 bilhões este ano, prevê uma gordura de R$ 40 a R$ 50 bilhões. É para gastar em acordos e ações orçamentárias a serem negociadas em busca de construir uma base parlamentar até 2018, e daí para frente”, afirmou Berzoini.

Para o consultor legislativo Antonio Ferraz, especialista em contas públicas e professor da Universidade de Brasília (UnB), é no mínimo contraditório um governo que “reclama tanto do fato de a presidenta afastada ter feito má gestão, agora tomar essa atitude com tanta facilidade”. Para Ferraz, a lógica é simples: segundo explicou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o acordo representará R$ 20 bilhões a menos nas contas públicas deste ano, mais R$ 15 bilhões a menos em 2017 e outros R$ 15 bilhões a menos em 2018.

Estimativa, não valor exato

O governo Dilma estimava um déficit fiscal de R$ 96 bilhões este ano. Inicialmente, quando anunciou a revisão para R$ 170 bilhões, o argumento da equipe de Temer foi de que foram levados em conta pela equipe de Dilma recursos que estavam previstos para entrar no caixa do Tesouro provenientes da recriação da CPMF (que não aconteceu) e do repatriamento de recursos do exterior (que não vão chegar até dezembro).

Quando perguntado hoje pelos jornalistas sobre o valor negociado para um país já deficitário, Meirelles disse que o montante do impacto que estava sendo repassado ainda era “uma estimativa, não um montante exato”. E que o que estava sendo feito não consistia em perdão da dívida dos estados, porque o que deixar de ser pago será incorporado posteriormente.

Parte dos governadores criticou a situação do Rio de Janeiro, que decretou estado de calamidade pública por causa da crise econômica – e conseguiu o compromisso de que receberá apoio maior do Executivo. Ficou decidido entre os governadores, segundo explicou Meirelles, que a situação do Rio é peculiar, em razão da realização dos Jogos Olímpicos.

Conforme o acordo firmado, governos estaduais que obtiveram liminares na Justiça para reduzir o valor de suas dívidas com a União, vão ter de transferir para o Governo Federal o montante que deixaram de pagar nos últimos meses.

São 11 os estados nesta situação: Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Alagoas, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Rio de Janeiro, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Sergipe. As prestações referentes a abril, maio e junho serão reembolsadas em 24 meses, a partir de julho.

De acordo com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), as condições negociadas podem ser consideradas boas “para quem estava com a corda no pescoço”. “A situação é crítica para todos e só é possível encontrar uma forma de resolver a situação sentando todos à mesa”, disse.

O governador do Espírito Santo, Raimundo Colombo (PSD), lembrou que, com o que foi negociado, será possível o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal pelos estados. Já Rodrigo Rollemberg (PSB), do Distrito Federal, disse que a ajuda é necessária porque “a situação econômica das unidades da federação, incluindo o DF, é muito complicada”.

Além de São Paulo, cujo valor da dívida é de quase a metade do total de todos os estados, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais estão com as contas em pior situação.


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