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Decisão de Temer sobre dívidas dos estados em troca de apoio revela contradições

Negociação surpreendeu parlamentares, economistas, ex-ministros e até jornalista da mídia tradicional: onde governo interino espera conseguir tanto dinheiro e como vai equilibrar as contas?

Wilson Dias/Agência Brasil

O presidente interino, Michel Temer, se reuniu ontem (20) com o os governadores para renegociar as dividas estaduais

Brasília – A negociação fechada ontem (20) entre o presidente interino, Michel Temer, e governadores, que resultou em suspensão da dívida dos estados por seis meses e pagamento em parcelas com descontos escalonados até 2018, repercutiu de forma negativa entre políticos, economistas e analistas. O impacto da medida será de R$ 50 bilhões para os cofres públicos até 2018 e é considerado mais uma contradição do governo provisório. “A equipe econômica faz ‘jogada de marketing’ com assunto fiscal desde a posse”, acusou Ricardo Berzoini, titular da Secretaria de Governo da presidenta afastada Dilma Rousseff.

“O pacote do ministro Henrique Meirelles, que quis ampliar o déficit da União para R$ 170 bilhões este ano, prevê uma gordura de R$ 40 a R$ 50 bilhões. É para gastar em acordos e ações orçamentárias a serem negociadas em busca de construir uma base parlamentar até 2018, e daí para frente”, disse Berzoini.

O ex-ministro Ciro Gomes também foi outro a demonstrar “espanto” com a iniciativa do governo provisório Temer que, a seu ver, tenta a qualquer custo buscar o apoio dos governadores para aprovar no Congresso a proposta de emenda à Constituição (PEC) que limita gastos públicos. Ele classificou como “chocante” a regra proposta pelo interino para limitar os gastos e ressaltou que tal norma não se aplica às despesas de natureza financeira, “sem falar que ainda revoga a Constituição 1988”.

Segundo Ciro, o que está em jogo para o governo Temer é “tentar inventar uma técnica em que a economia seja posta no piloto automático, imune às ingerências políticas”. O ex-ministro afirmou que é necessário lutar para sustentar a democracia neste momento. E evitar que a presença popular no debate não seja subtraída.

Critérios escolhidos

No Congresso Nacional, parlamentares lembraram o depoimento do ex-ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, feito na última sexta-feira (17) na comissão especial do impeachment. Barbosa disse que o presidente em exercício, ao propor o seu limite de gastos, escolheu o critério financeiro e não o de empenho, muito menos o critério de dotação orçamentária. “Isso, para mim, mais do que qualquer coisa, demonstra a correção da tese da defesa da presidenta Dilma Rousseff”, destacou.

O consultor legislativo Antonio Ferraz, especialista em contas públicas e professor da Universidade de Brasília (UnB), considera que é, no mínimo, contraditório “um governo que reclama tanto do fato de a presidenta afastada ter feito má gestão, agora tomar essa atitude em relação às dívidas dos estados com tanta facilidade”.

Para senadores aliados de Dilma, a farsa do governo provisório – sobre buscar o equilíbrio das contas públicas – tem ficado cada vez mais clara, motivo pelo qual prometem chamar a atenção para o tema na sessão de hoje (21) da comissão do impeachment do Senado e durante discursos no plenário da Casa. “O golpe está cada vez mais revelado. Estão perdendo todos os argumentos de que houve crime cometido pela presidenta Dilma Rousseff”, disse Gleisi Hoffmann (PT-PR).

O senador Telmário Mota (PDT-RR) afirmou que a acusação de crime de responsabilidade, com as pedaladas fiscais, “não procede” e que, com manobras como a observada ontem, fica cada vez mais comprovada a ausência de crime cometido por Dilma. Segundo ele,  com os anúncios de redução de recursos do Tesouro da ordem de R$ 50 bilhões para ajudar na dívida dos estados os atuais integrantes do Executivo dão sinais de que “não estão preocupados com o déficit do país”.

Alto risco

Na edição de hoje do jornal O Globo, o colunista Merval Pereira, um dos mais acirrados críticos dos governos petistas, surpreendeu ao também contestar a decisão do Executivo, a que classificou como “manobra de alto risco”.

“É possível estranhar de onde o governo tira tanto dinheiro para fazer acordos com vários setores, inclusive com o aumento de salários, num momento que tenta viabilizar limite de gasto público. Estaria aí o aumento do déficit para R$ 170 bilhões?” Para o colunista, “fica também possível a narrativa dos apoiadores do antigo governo de que na verdade o perdulário é Temer, e não Dilma”.

O debate promete se intensificar na Câmara e no Senado a partir de hoje (21), principalmente diante da possibilidade de ser instalada, nos próximos dias, a comissão que terá o objetivo de apreciar o teor da referida PEC no Legislativo.

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