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Juca Ferreira diz que secretaria de Temer deve esvaziar atuação do Iphan

Em seminário da Fundação Perseu Abramo, ex-ministro analisou as ações do governo interino, com políticas que afetam a cultura e os programas sociais legados por Lula e Dilma

ABr

Ferreira: muitos dos erros de governo surgiram do processo de “mimetização” da política tradicional

São Paulo – O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, que esteve à frente da pasta no segundo governo de Dilma Rousseff e também durante a segunda gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse hoje (15) em São Paulo que a Secretaria Especial de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criada pela mesma medida provisória do governo interino de Michel Temer que retomou o Ministério da Cultura, poderá esvaziar o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “Política de estado nessa área, no Brasil, é das mais desenvolvidas no mundo. Superamos a ideia de que patrimônio é herança da Casa Grande. E eles estão criando uma secretaria, um órgão para concorrer com o Iphan. E vão monetizar o nosso patrimônio rapidamente, e essa vai virar uma área de problemas e retrocessos”, disse Ferreira, para quem por trás dessa iniciativa está uma facilitação à iniciativa privada quanto às exigências para empreendimentos em áreas tombadas.

Ferreira participou, ao lado da ex-ministra das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos Nilma Lino Gomes, e da ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome Marcia Helena Carvalho Lopes, de seminário promovido pela Fundação Perseu Abramo para analisar o processo político do governo interino, com o título “O Brasil do Golpe: o Plano Temer sob análise”. O seminário é realizado hoje e amanhã no hotel Braston, na região central da cidade, com transmissão ao vivo pela TV FPA.

Para Ferreira, há o predomínio de uma certa perplexidade no campo progressista em relação ao golpe protagonizado pelos conservadores, mas a luta política não permite tempo para ficar nesse estado. “Para sair da perplexidade, a reflexão precisa ser forte”, disse ele referindo-se aos erros dos governos Lula e Dilma, que deixaram algumas brechas para fortalecer a ação de retrocesso. Muitos desses erros, segundo ele, surgiram do processo de “mimetização” da política tradicional. O ex-ministro também analisou a resistência articulada no setor cultural, que culmina com as ocupações de sedes da Funarte no país. “Muita gente se surpreendeu com a reação da área cultural ao golpe, e eles (o governo interino) ficaram com o Frota (ator Alexandre Frota), que é figura caricatural”, afirmou.

A extinção do Ministério da Cultura (MinC), para Ferreira, ajudou a construir a base da resistência ao governo interino. “Eles querem recuperar o tempo perdido na Cultura. Esse governo vive uma contradição: por um lado tem de ter legalidade, e por outro tem de alimentar demandas do processo golpista, como o ataque aos direitos trabalhistas. Há uma quantidade enorme de demandas mesquinhas, menores”, defendeu. A trajetória errática de Temer também foi comentada pelo ex-ministro: “Eles anunciam de manhã medidas, depois voltam atrás. Os movimentos pendulares estão acontecendo o tempo inteiro. É uma questão estrutural, mas eu acho que dificilmente eles se legitimam”, disse. “A direita está no poder, mas o país, ingovernável. Seríamos uma Venezuela invertida. Eles precisam desconstruir o Estado, os avanços desde Getúlio em alguns aspectos, até conquistas de FHC e Sarney estão em questão. O golpe faz parte de um modelo de atuação para desestabilizar a democracia”, defendeu.

Já a ex-ministra Nilma Lino Gomes fez uma análise do contexto e das concepções do governo interino. “O contexto é de neoliberalismo e de reordenamento do capitalismo. O golpe está no Brasil e em outros lugares em curso. É uma ofensiva às lutas contra-hegemônicas que temos protagonizado. É uma articulação entre a grande mídia, o empresariado e outros setores, mas não é para eliminar a corrupção e os processos que a produzem”, disse. “O contexto é eivado de concepções, pelas políticas que há um mês estão se delineando, com criminalização dos movimentos sociais, e rejeição à diversidade. Há também uma concepção homofóbica. É uma articulação conservadora entre contexto e concepção. É um processo ao longo da nossa história”, afirmou, fazendo referência à ideologia de colonização que está por detrás do golpe.

“A articulação conservadora que viabilizou o golpe tem como principais destinatárias as políticas sociais públicas de caráter emancipatório e os sujeitos dessas políticas. São as políticas que se tornaram reais com Lula e Dilma. Houve a necessidade de ter coragem para implementá-las, pois a consolidação do Estado democrático é a busca dessas políticas. Os sujeitos dessas políticas são os pobres, indígenas, mulheres, populações quilombolas, LGBT”, disse Nilma. “Atacar essas políticas, invadir as terras indígenas e quilombolas, atacar as políticas de direitos humanos, manter-se insensível ao ataque dos jovens são características do governo golpista. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência”, afirmou.

A ex-ministra Marcia Helena Carvalho Lopes comentou sobre a repercussão internacional do processo político no país. “Na Argentina, me disseram que o golpe no país vai arrasar com a América Latina”, afirmou. “Na África, querem saber por que isso está acontecendo no Brasil.” Marcia disse que os programas sociais do governo estão sob ataque com o governo interino porque os sistemas construídos nos governos de Lula e Dilma soaram como contrapontos às iniciativas conservadoras. “É muito importante que a gente faça a leitura de onde estávamos até 2003, onde chegamos e o que está acontecendo agora”, observou. “A demanda dos pobres era tratada fora do contexto de organização do Estado. Era vista como um campo à parte das políticas públicas”, disse.

Marcia disse que a luta contra as forças conservadoras que querem dominar o governo vai exigir a construção de novos canais de comunicação com a sociedade. “Estamos vendo as forças de esquerda se mobilizando. Precisamos nos rever e pensar em estratégias permanentes porque a direita não dá mole para ninguém. Retomar a estratégia de comunicação popular é fundamental.”

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