MÁ EXPECTATIVA

Especialistas temem retrocesso de Temer em avanços conquistados nos últimos anos

Governo Temer começa marcado por investigados pelo Judiciário, ausência de mulheres e fusão de secretarias importantes, o que assusta setores como políticas para mulheres e direitos humanos

Valter Campanato/ Agência Brasil

Pela primeira vez em 37 anos, o país não conta com nenhuma mulher na equipe ministerial

Brasília – É ponto consensual no país que o presidente interino que assumiu ontem (12), Michel Temer, tem muitos desafios pela frente, sobretudo o de provar para os brasileiros que é digno de melhorar, com seu programa de governo, a economia e as más expectativas em torno do seu perfil. Principalmente, o da equipe ministerial, que tem nove nomes investigados ou alvo de ações no Judiciário. Mas dois temas específicos têm chamado a atenção desde o início da semana por especialistas, pela impressão de que haverá, daqui por diante, uma redução de importância: as políticas públicas que vinham sendo implementadas nos últimos anos para mulheres, e o campo dos direitos humanos.

No caso das políticas para mulheres, o principal “susto” começa a partir da informação de que, pela primeira vez em 37 anos, o Executivo federal não terá uma única representante do sexo feminino ocupando um cargo no primeiro escalão.

Mas a questão não se trata apenas de representatividade na equipe ministerial. Números divulgados quarta-feira (11) pela Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), durante conferência nacional sobre o tema, mostrou que embora tenham sido observados avanços nos últimos anos, por outro lado o Brasil continua carente de serviços públicos neste setor.

Conforme os dados apresentados, houve um salto de 700% nos últimos 13 anos, no número de órgãos e serviços especializados de atendimento à mulher em todo o país, mas este percentual ainda é insuficiente para fazer com que atinjam 10% dos municípios brasileiros. “Um dos desafios a serem discutidos é aumentar o alcance desta rede de atendimento e fazer com que mais municípios criem seus próprios serviços nos próximos anos, disse a técnica Aparecida Gonçalves, da área de enfrentamento à violência da SPM – mostrando bem os motivos pelos quais a perspectiva com o tratamento a ser dado à área é preocupante.

Para a socióloga e especialista no tema Márcia Andrade, que integra o Centro de Estudos Feministas, Cefêmea, a expectativa é de retrocesso com o governo que se inicia. “A equipe que está no centro de apoio ao Michel Temer, conhecido por ‘núcleo duro do governo’, já deixou claro que não será dada a mesma importância a essas políticas.”

Atuação no Congresso

Márcia enfatizou que uma das estratégias a serem utilizadas pelas entidades da sociedade civil é o contato junto aos parlamentares, para fazer com que o Congresso Nacional atue na construção de uma agenda positiva no enfrentamento dos problemas relacionados às mulheres. Principalmente a aplicação da lei que trata do feminicídio, a valorização da Lei Maria da Penha e a ampliação dos centros de denúncias e prevenção de casos de violência.

“As políticas para mulheres nos últimos anos ajudaram no empoderamento feminino, ajudaram a reconhecer, no Brasil, o direito a melhoria de vida e à cidadania de muitas mães e mulheres que são arrimos de família, que hoje sustentam suas casas e filhos sozinhas. Fez com que elas tenham passado a ter direito a programas como o Minha Casa, Minha Vida e inclusão social”, acentuou a socióloga.

“Como se tudo isso não bastasse, a questão tem a ver com a importância política da mulher como um todo. Representamos o maior número de eleitores do país, somos mais numerosas do que os eleitores do sexo masculino e um descaso para com as políticas para mulheres não é coerente com nenhum projeto que fale em retomada do desenvolvimento”, acrescentou.

Segundo a cientista política da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar, no interior paulista) Maria do Socorro Braga, a baixa participação feminina no primeiro escalão do governo é um reflexo da participação feminina na vida política como um todo. De acordo com Maria do Socorro, o fato dos partidos políticos serem a principal força de indicação de nomes para ministérios explica a baixa participação feminina, já que ainda há poucas lideranças femininas nessas legendas.

‘Junção errônea’

Já por parte dos direitos humanos, uma das principais expectativas negativas em relação ao governo Temer partiu do especialista na área, diplomata e ex-ministro do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro. Ele alerta para consequências negativas sobre a junção, proposta pelo novo governo, entre as secretarias de Direitos Humanos, Mulheres e Igualdade Racial, todas sob o Ministério da Justiça, cujo titular da pasta é o até anteontem secretário de Segurança Pública estadual de São Paulo, Alexandre de Moraes.

De acordo com o ex-ministro, a decisão “significa pôr abaixo uma política de Estado que vem de vários governos” – antes mesmo das gestões do PT.

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Para ex-ministro de FHC, ‘governo que se instala parece que vai voltar ao passado’

“O governo que se instala parece que vai voltar ao passado, criar uma divisãozinha no Ministério da Justiça para tratar dos assuntos de cidadania. A sociedade civil e as organizações de direitos humanos têm de ficar alertas, porque esse é apenas o primeiro sinal da ofensiva contra os direitos humanos. É o momento de pensar no significado e de que formas resistir a esse profundo retrocesso”, afirmou.

Entre os ministros de um modo geral, sobretudo os que saíram do Congresso Nacional e os ex-parlamentares, a expectativa não é muito diferente, dada a proporção de envolvidos em ações no Judiciário. Dos nomes indicados para compor a equipe ministerial, sete são citados ou investigados em inquéritos criminais: Gilberto Kassab, Geddel Vieira Lima, Bruno Araújo, Mendonça Filho, Osmar Terra, Romero Jucá e Henrique Eduardo Alves.

O ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB), que voltará ao Ministério do Turismo menos de dois meses depois de deixar o cargo, é um exemplo típico. Alves teve sua casa alvo de busca e apreensão por parte da Polícia Federal em dezembro, em uma das fases da Lava Jato, batizada de Catilinárias.

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Henrique Eduardo Alves teve sua casa alvo de busca e apreensão em dezembro na Lava Jato

Investigados e réus

Geddel, que agora cuidará do relacionamento do governo com o Congresso, é outro citado nas investigações da Lava Jato, por ter tido seu nome encontrado em várias mensagens trocadas com o empresário Léo Pinheiro, da empresa OAS, para tratar do atendimento de interesses da referida empreiteira em órgãos do governo. Principalmente, na Caixa Econômica. Além de ex-ministro da Integração no governo Lula, Geddel foi vice-presidente da Caixa no primeiro mandato de Dilma, antes de passar a integrar a ala oposicionista do PMDB ao governo.

“Ser investigado não é problema, porque estas investigações podem levar à comprovação de que não houve ilegalidade ou crime por parte da pessoa. O problema é quando o nome mencionado vira réu”, explicou, falando em causa própria e em nome dos colegas, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) –  um dos mais envolvidos com ações na Justiça e agora ministro do Planejamento do novo governo.