hora de mobilizar

‘Tem mais rua do nosso lado, mais povo lutando’, diz Douglas Belchior

Em meio às mobilizações de estudantes em São Paulo contra os desmandos na educação e ações por todo o país contra o impeachment de Dilma, ativista redobra a aposta na mobilização popular

reprodução/TVT

‘Estudantes estão de parabéns, dando uma grande lição para todos aqueles que fazem a luta nesse país’

São Paulo – Estudantes secundaristas e de escolas técnicas estaduais voltaram a ocupar as ruas ontem (10), na capital paulista, em mais um ato contra a máfia da merenda escolar e contra os cortes de investimentos na educação estadual. Concentrados na região da Luz, área central da cidade, eles partiram em direção ao Centro Paula Souza, que administra as escolas técnicas e as faculdades de tecnologia do estado, que foi ocupado pelos estudantes na última semana, que prometem seguir mobilizados. Até o momento, já são 15 escolas técnicas ocupadas.

Cinco dias após os estudantes ocuparem também o plenário da Assembleia Legislativa, para cobrar a abertura da CPI da merenda, os deputados governistas decidiram apoiar a iniciativa. Com o aval do governador Geraldo Alckmin, os governistas devem apresentar uma CPI para investigar também as 22 prefeituras citadas na máfia da merenda. Para a oposição, incluir prefeituras nesse estágio da apuração trata-se de tentativa de desviar o foco de políticos ligados ao governo tucano denunciados no escândalo.

Trabalhadores e movimentos sociais também saíram às ruas ontem, em todo o país, para protestar contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Sem base legal pela inexistência de crime de responsabilidade, classificam o processo de afastamento como um golpe.

Para o militante do Movimento Negro Douglas Belchior, que analisou os últimos episódios de mobilizações na edição de ontem do Seu Jornal, da TVT, os estudantes estão dando grande lição para todos aqueles que fazem a luta social no país. Com pautas, discurso e ações mais apuradas, têm consigo levar a pauta da educação ao debate político e denunciando o descaso do governo tucano, bem com os desmandos das autoridades que fazem uso da força bruta para reprimir os movimentos.

O debate político está ocupando agora o café, o boteco, o campo de futebol, o trem, o metrô”, diz Douglas. Frente a um clima de questionamento aos poderes,  ele afirma que a política tomou as ruas, que o campo progressista sai em posição de desvantagem porque não conta com o apoio, nem isenção, da grande mídia, mas aposta que toda essa mobilização vai criar um movimento de oposição ao futuro governo Temer, que define como imoral, ilegítimo e golpista.

Tem mais rua do nosso lado, tem mais povo organizado lutando contra os desmandos da política como um todo. Nós precisamos nos opor a esse governo que provavelmente deve assumir nos próximos dias, que é um governo ilegal e imoral, afirma Douglas.

Confira a íntegra da entrevista:

Mais uma vez, os estudantes desafiam o governo Alckmin e fazem exigência justa de investimento em educação e de investigação da máfia da merenda que os têm deixado sem comida. O que acha dessa mobilização?

Os estudantes, desde o ano passado, têm demonstrado muita força e um aumento da qualidade da elaboração, da mobilização. Mobilizações crescentes, a cada momento, e com uma qualidade política muito apurada. Têm conseguido fazer algo muito importante para o estado de São Paulo, que é colocar na cena da política nacional quanto é grave o governo de São Paulo e o quanto é criminoso esse governo, que se por um lado nega direitos e sucateia a educação, por outro usa o seu aparato repressor contra manifestações legítimas.

Aliás a educação é um tema que unifica a toda a sociedade. Então acho que a tendência é essa mobilização crescer cada vez mais. Os estudantes estão de parabéns, dando uma grande lição para todos aqueles que fazem a luta nesse país. A rua é o caminho.

A gente viu as pessoas aplaudindo e apoiando, ainda mais porque os estudantes têm essa exigência de investigação da corrupção, inclusive denunciada pelo Ministério Publico.

Não tenho dúvida de que as pessoas concordam que é preciso investigar qualquer tipo de denúncia. O problema é que isso normalmente tem pouco fôlego nas ruas. O que a gente percebe agora é que estamos vivendo um clima propício de questionamento aos poderes constituídos e, no caso de São Paulo, isso é mais que urgente.

A gente tem mais de duas décadas de poder nas mãos do PSDB, que destruiu toda a educação, acabou com a carreira dos professores e agora, passo a passo, tem destruído cada vez mais as escolas públicas e escolas técnicas, chegando ao absurdo de desvio de verba de merenda.

Então acho que a concretude das ações é muito importante. O problema chegou no prato, chegou na comida. Isso provocou um levante dos estudantes, que espero que continue, inclusive, discutindo outros temas para além desse.

Tem gente que diz assim: “É por merenda? Mas os alunos vão à escola para comer?” Como responde a isso?

Educação é um conjunto, inclusive o momento da refeição é importante. E mais do que isso, a educação é um complexo de atividades, de dinâmicas. O dinheiro existe. Então há um questionamento do uso do dinheiro público que vem sendo investido nas escolas públicas. Não só mais quanto ao salário do professor, não só mais a estrutura do prédio, mas também a alimentação. Isso é fundamental para discutir os outros problemas.

A gente viu que ontem foi também um dia de mobilizações em defesa da democracia contra o impeachment. Você acha importante mobilizações de movimentos sociais organizados nesse momento político do país?

A política tomou a rua, e se tem algo positivo nesse turbilhão de coisas é essa efervescência política que tem se dado muito por conta dessa polarização em que o Brasil está mergulhado nesses meses todos. Nós estamos às portas de um golpe. Os grupos mais reacionários, a direita histórica brasileira, devem voltar ao comando central desse país – e que bom que tenha acontecido essa organização, muita das vezes autônoma. As periferias estão fervendo, estão se organizando politicamente. O debate político está ocupando agora o café, o boteco, campo de futebol, o trem, o metrô.

É lógico que a gente está perdendo esse debate ainda, porque a grande mídia está nas mãos dos caras, mas é verdade também que a gente avançou na organização política. Tem mais rua do nosso lado, tem mais povo organizado lutando contra os desmandos da política como um todo. Nós precisamos nos opor a esse governo que provavelmente deve assumir nos próximos dias, que é um governo ilegal e imoral.

Acho que esse caldo de cultura de mobilização que tem sido gerado, inclusive em São Paulo, mas não apenas – com mobilização de estudantes no Rio de Janeiro, em Goiás, de universitários, greve em Campinas, o Eecun (Encontro Nacional de Estudantes e Coletivos Universitários Negros) que acontece no final de semana, os dez anos dos Crimes de Maio. São Paulo tem um calendário efervescente contra a violência do Estado, contra a violência da polícia – isso tudo junto vai criar uma grande oposição de rua a esse governo. E é bom que tenha. É um governo ilegal, imoral. É um governo golpista. A gente está preparado para recebê-lo.