mobilização e resistência

Nabil Bonduki diz que fim do Ministério da Cultura é ‘retrocesso de 80 anos’

Ato no Teatro Oficina, em São Paulo, reúne cerca de 500 pessoas e mostra início de uma reação que se amplia. Ontem, a sede da Funarte em São Paulo também foi ocupada

Divulgação

Rebelião contra o fim do MinC: Oficina debate a importância do ministério para a pluralidade e liberdade de expressão na sociedade

São Paulo – O protesto contra a extinção do Ministério da Cultura (MinC) ontem (17) no Teatro Oficina, em São Paulo, mostrou uma disposição de resistência que dificilmente vai se dispersar se o presidente interino, Michel Temer, insistir em manter a resolução. “Estas vozes são fortes e são da maioria do país. Querem fazer o país retroceder 80 anos”, disse o secretário de Cultura da capital paulista, Nabil Bonduki, ao lembrar que o primeiro secretário da área no país foi o escritor Mário de Andrade (1893-1945) há 80 anos, quando foi criado o Departamento de Cultura da Municipalidade de São Paulo, que depois se tornou a Secretaria de Cultura.

Enquanto cerca de 500 pessoas se reuniam no Oficina – 300 delas no interior do teatro, em sua capacidade máxima, e o restante na rua, acompanhando por um telão – ativistas traziam por meio da internet imagens da ocupação da Fundação Nacional das Artes (Funarte), no centro de São Paulo, tomada ontem à tarde. A ocupação fez eco ao ato de segunda-feira (16), quando o Palácio Capanema, no Rio de Janeiro, que também abriga a Funarte, foi ocupado.

“Esta rebelião nunca aconteceu nestes termos. Este é um movimento que reflete o dia 17”, afirmou o diretor de teatro José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, referindo-se à votação de 17 de abril na Câmara, na qual o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff foi admitido. “Aqueles depoimentos mostram a armadilha em que caímos, e agora o governo é de ladrões e bandidos evangélicos”, disse ainda, criticando as falas dos deputados durante o processo de votação, que mancharam a imagem do país perante a imprensa internacional. “Essas pessoas não têm cultura, não sabem de si, não sabem do ridículo”, disse. “Esta rebelião é a possibilidade da cultura tomar o poder, a cultura é forte no Brasil, é uma energia que estamos todos neste momento, vamos lutar pelo que é importante na vida.”

A professora da USP e filósofa Marilena Chauí, primeira mulher a ocupar um cargo na Secretaria de Cultura – esteve à frente do órgão de 1989 a 1992, durante a gestão da prefeita Luiza Erundina –, falou sobre a importância simbólica do Ministério da Cultura. “A primeira pergunta é por que o primeiro gesto do golpe foi extinguir o Ministério da Cultura e as secretarias da área de Direitos Humanos”, indagou. “A cultura é a capacidade de se relacionar com o que está ausente, por meio do trabalho da linguagem”, afirmou Marilena ao defender a importância das relações culturais na sociedade, que ocorrem em um processo de produção de símbolos nas diferentes áreas, como teatro, música, cinema e literatura.

Marilena relacionou quatro desafios da rebelião, frente ao que chamou de “o fim das categorias ligadas à pluralidade e diversidade no governo, aquilo que define o que é a sociedade brasileira ao se erguer pela democracia e por direitos”. O primeiro desafio é a desconstrução de um senso comum social e cultural que tem uma só posição. Em seguida, a professora falou da necessidade de “reelaboração do pensamento e da arte sem o mercado”; outro desafio, segundo ela, é a criação de uma política cultural que contemple a crítica e a reflexão. Por fim, Marilena falou do que considera o maior desafio, “desfazer a nuvem de ilusão, de desinformação, estupidez e ignorância que é passada para o povo (pelos meios de comunicação dominantes)”.

“Essa desmontagem é tarefa de uma cultura de esquerda”, disse a professora para em seguida lembrar o livro O Discurso da Servidão Voluntária, publicado em 1571 pelo filósofo e poeta francês Etienne de La Boétie. “Nesse texto que atravessou os séculos e foi escrito em seus 17 anos, La Boétie pergunta: o que pode explicar que muitos países se submetam a um tirano”. Marilena afirmou que, segundo o escritor, os muitos olhos, ouvidos e pés que o tirano tem para massacrar a sociedade são dados a ele pela própria sociedade.

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