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Sem pressão, parlamentares assumem posição mais clara frente a vetos

Apesar de sessão de ontem ter sido marcada por discussões sobre a meta fiscal, no tocante aos vetos de Dilma Rousseff só três de 24 foram derrubados e houve concordância em relação a vários itens

Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil

Na avaliação de técnicos, vetos levados à pauta não chegaram a ser considerados ‘pautas bomba’

Brasília – Os parlamentares que chegaram ao Congresso nesta quarta-feira (25) não conseguiram esconder que, quanto aos vetos presidenciais apreciados ontem (24), nenhum dos grupos de apoio ao governo interino Michel Temer nem da oposição tiveram o que reclamar. Muitos dos 24 vetos foram votados em blocos e os três únicos que foram derrubados contaram com o aval, até mesmo, de deputados e senadores que integraram a base aliada da presidenta Dilma Rousseff. Os demais foram mantidos da forma como se posicionou o Executivo.

Desses, 11 foram mantidos integralmente e 13, com destaques em outras proposições (e, por causa disso, precisaram ser votados de forma individual). Os vetos levados à pauta da sessão não chegaram a ser considerados “pautas bomba” propriamente – nome usado para destacar os projetos que provocam impacto financeiro para o Executivo – tanto na avaliação de técnicos do governo como na de analistas legislativos.

“Os deputados e senadores brigaram muito, discutiram, mas o embate principal disse respeito ao projeto de alteração da meta fiscal, votado já durante a madrugada. Em relação à apreciação dos vetos, a sessão que se viu e os discursos foram os mesmos que fazem parte do jogo político. Ganhou o governo Dilma, que teve a maior parte dos vetos mantida. Mas por outro lado, muitas das matérias vetadas vão ajudar o governo Temer, porque mesmo não sendo significativas economicamente iriam resultar em mais despesas para o erário, se derrubadas”, disse o analista da Câmara Antonio Militão.

Segundo ele, foi por esse motivo que tantos parlamentares terminaram mantendo a maioria dos vetos. “O que foi vetado ou passou por destaques, em muitos casos, contou com o apoio de deputados e senadores em relação a temas que costumam ser defendidos por eles e independentemente de ideologia política”, disse.

Benefício a municípios

Dos 24 vetos presidenciais, foram derrubados o veto parcial da presidenta Dilma Rousseff sobre a venda de imóveis da União, o veto que vinculava a liberação de crédito rural à contratação de seguro por banco específico e, por fim, o veto ao projeto que concede anistia aos policiais e bombeiros militares participantes de greves e manifestações, em 2014, por melhores salários (nos estados do Amazonas, do Pará, do Acre, do Mato Grosso do Sul e do Paraná). A derrubada deste último veto foi defendida, inclusive, por parlamentares do PT e do PCdoB – partidos que mais fizeram a base de sustentação do governo Dilma.

O primeiro caso diz respeito à Lei 13.240, que permitiria o repasse aos municípios de 20% do valor da venda de imóveis da União.  Uma medida provisória tinha autorizado a União a vender parte de seus imóveis, inclusive os terrenos da Marinha, destinando os recursos ao Programa de Administração Patrimonial da União (Proap) e a lei que foi vetada estabeleceu o envio deste percentual para as administrações municipais onde estiverem sediados esses imóveis. O Executivo, no entanto, cortou o benefício.

Com a derrubada do veto, ganham os municípios, que continuarão a ter um aumento de arrecadação referente a 20% de tais vendas. Em ano eleitoral e justo de eleições municipais, houve poucas contestações em relação ao tema, que teve como um dos principais defensores da derrubada do veto, o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO). Ele subiu ao plenário para dizer que é preciso propiciar maiores condições de “sobrevivência” aos municípios.

“O que queremos é que haja uma distribuição mais equânime a todos os municípios da Federação”, ressaltou o senador, que num dos raros momentos observados no Congresso, contou com o apoio de declarações parecidas por parte de um petista. “Também acho justo que os municípios possam participar deste tributo”, disse o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).

Já em relação à questão do crédito rural o veto do Executivo dizia respeito ao projeto que atribui à Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), entidade vinculada ao Ministério da Fazenda, a função de gerir o chamado Fundo de Estabilidade do Seguro Rural (FESR).

O governo tinha vetado a exigência feita na votação da matéria, pelo Congresso, de que a instituição financeira tivesse de apresentar ao cliente um mínimo de duas propostas de diferentes seguradoras na contratação de apólice de seguro rural como garantia para esses empréstimos rurais. Tal medida evitaria a imposição da chamada “venda casada” que acontece muito nesse tipo de negócio.

O argumento para o veto por parte da equipe econômica foi de que já existe uma padronização das apólices de seguro rural e com ampla variação de cobertura. E o novo texto provocaria um desequilíbrio nas regras para concessão desse tipo de seguro.

Um dos que trabalharam pela rejeição do veto foi o deputado Givaldo Vieira (PT-ES). Vieira afirmou que era preciso “preservar o direito de livre escolha dos produtores rurais pelas apólices”. “O agente financeiro fica obrigado a oferecer, pelo menos, duas apólices diferentes para que o tomador de crédito, o produtor rural, tenha condições de fazer a escolha, o que nos parece justo no mérito”, ressaltou.

Anistia a bombeiros e PMs

O veto rejeitado que chamou mais atenção, entretanto, foi o do Projeto de Lei 177, que beneficia policiais e bombeiros militares de nove estados (Amazonas, Pará, Acre, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Alagoas, Rio de Janeiro, Paraíba e Tocantins) de punições administrativas pela participação de movimentos reivindicatórios –  uma vez que eles são proibidos de fazer esse tipo de mobilização.

A justificativa do Executivo para o veto foi de que a anistia para esses estados poderia provocar desequilíbrios na categoria e qualquer concessão de anistia deveria, por isso, levar em conta caso a caso, de forma concreta.

Por meio de uma junção de apoios de parlamentares de governo e de oposição, o veto terminou tendo um destaque para votação em separado (DVS) apresentado pelo Psol, no Senado, em conjunto com o PR, na Câmara dos Deputados. O DVS foi aprovado e o veto, derrubado.

“É absolutamente falso se dizer que os defensores de direitos humanos são contra aqueles que atuam no âmbito das polícias. Somos contrários ao veto como um símbolo de que podemos alcançar no Brasil, seja na desmilitarização, mas sobretudo com hierarquias justas, treinamentos adequados e não violentos”, disse a deputada Maria do Rosário Nunes (PT-RS), que defendeu e votou pela rejeição ao veto.

“Nosso objetivo é aproximar a segurança pública e fazer dela, efetivamente, o que deve ser: um direito humano do cidadão, da cidadã, uma estrutura de Estado que é a única que tem o direito pleno ao uso da força em nome de todos nós, em nome da sociedade”, acrescentou a parlamentar.

Foram mantidos vetos de Dilma a itens de projetos que tratam de combate a terrorismo, regularização de ativos enviados ao exterior, Plano Plurianual 2016-2019, isenções no setor de Ciência e Tecnologia e regra da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sobre aplicação de recursos da saúde.

Também continuaram da forma como foram formalizados pelo Palácio do Planalto vetos sobre propostas para alíquotas de bebidas e de produtos de informática, assim como regras de avaliação na educação indígena e renegociação de dívidas do Proálcool.

O que os deputados e senadores que trabalharam pela derrubada mais reclamaram, na manutenção da lista, foram os vetos à lei que estabelece isenções no setor de Ciência e Tecnologia e a regra da LDO sobre aplicação de recursos da saúde. O primeiro caso é relativo ao PLC 77/2015, que cria o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para estimular a parceria entre pesquisadores de instituições públicas com o setor privado.

Um dos itens vetados da matéria (que continuou sendo proibido) retira a concessão de bolsas de estímulo à inovação sem vínculo empregatício e a hipótese de dispensa de licitação nas contratações que envolvam aplicação sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos.

“Foi uma perda grande, porque houve uma preocupação dos cientistas e pesquisadores na época do veto e uma grande esperança, logo depois, porque conversamos com alguns deputados e senadores e achávamos que o Congresso rejeitaria isso”, afirmou o pesquisador Antonio Caixeta, do departamento de Biologia da Universidade de Brasília (UnB).

A análise feita, após a sessão, por parlamentares e assessores foi de que, de fato, muita coisa vetada pela presidenta Dilma foi mantida. Mas desta vez os deputados e senadores, mesmo os que antes integravam a base aliada da presidenta, sentiram-se mais à vontade para dar suas próprias opiniões sobre o que achavam que deveria ser derrubado.

Sem ficarem subordinados a pressões partidárias ou pedidos do Palácio do Planalto, eles se posicionariam de forma mais moderada quando até pouco tempo atrás, até trabalhariam para evitar essas rejeições. A votação de ontem foi uma maneira encontrada por muitos, e confessada em reservado, para derrubar tudo o que tinham considerado “erro de avaliação” por parte da equipe econômica anterior sem entrar em atrito com Dilma Rousseff nem com as bancadas.

“Estamos lutando até o fim para fazer com que o impeachment da presidenta Dilma seja rejeitado e queremos ela e sua equipe de volta ao Planalto. Mas neste caso, queriam o que mais de nós? Foram derrubados somente três vetos de 24. Não é muita coisa?”, ironizou um deputado petista.

“Eles ficaram à vontade, sem a pressão de evitar trombar com o Executivo num momento de crise política, postura à qual vinham se obrigando a tomar antes. E isso terminou sendo bom, tanto para a manutenção dos vetos como para o governo provisório. Mesmo com toda a briga observada nos intervalos das votações de um veto por outros assuntos, como a mudança da meta fiscal, até podemos dizer que a apreciação dos vetos foi realizada, em determinado aspecto, num clima de certa harmonia”, disse Militão.