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Professores realizam ato na USP por democracia e pela educação pública

Em carta aberta à comunidade internacional, acadêmicos afirmam que clamor contra a corrupção está sendo instrumentalizado para desestabilizar um governo democraticamente eleito

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‘Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais, é preciso ter cautela’

GGN – Professores universitários brasileiros reúnem-se hoje (6), a partir das 17h30, no prédio da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da USP, para uma manifestação em defesa da democracia e da educação pública. O evento também marca o lançamento de uma carta aberta dos acadêmicos brasileiros para a comunidade científica internacional.

A carta está sendo divulgada em cinco idiomas: português, inglês, espanhol, francês e italiano. Os acadêmicos afirmam que o clamor contra a corrupção está sendo instrumentalizado para desestabilizar um governo democraticamente eleito. Eles observam que não há denúncias de corrupção contra a presidenta Dilma Rousseff e que muitas arbitrariedades estão sendo cometidas ao longo da investigação.

“Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos, atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa, é preciso ter cautela.”

A carta é assinada por intelectuais e pesquisadores ligados à universidade. Entre eles, Fábio Konder Comparato, Miguel Nicolelis, Wilson Cano, Eduardo Viveiros de Castro, Marilena Chauí, Wanderley Guilherme dos Santos, Alfredo Bosi, Roberto Schwarz, Walnice Nogueira Galvão, Ruy Fausto, Luis Felipe Alencastro e Leda Paulani.

As assinaturas já compiladas estão disponíveis no site www.brazilianobservatory.com. Mais de duas centenas de professores estrangeiros já assinaram o texto em solidariedade, entre eles Susan Buck-Morss, Antonio Negri e Jacques Paulain.

No evento de hoje, estarão presentes os professores Alfredo Bosi, Ruy Fausto, Lincoln Secco, Luiz Bernardo Pericás, Marilena Chaui, Laymert Garcia dos Santos, Deisy Ventura, Vera Paiva, Reginaldo Mattar Nasser, Vladimir Safatle, Heloísa Buarque de Almeida, Marcio Sotelo Felippe e Dennis de Oliveira.

Abaixo, o texto completo:

Carta Aberta à Comunidade Acadêmica Internacional

Nós, pesquisadores e professores universitários brasileiros, dirigimo-nos à comunidade acadêmica internacional para denunciar um grave processo de ruptura da legalidade atualmente em curso no Brasil.

Depois de um longo histórico de golpes e de uma violenta ditadura militar, o país tem vivido, até hoje, seu mais longo período de estabilidade democrática – sob a égide da Constituição de 1988, que consagrou um extenso rol de direitos individuais e sociais.

Apesar de importantes avanços sociais nos últimos anos, o Brasil permanece um país profundamente desigual, com um sistema político marcado por um elevado nível de clientelismo e de corrupção. A influência de grandes empresas nas eleições, por meio do financiamento privado de campanhas, provocou sucessivos escândalos de corrupção que vêm atingindo toda a classe política.

O combate à corrupção tornou-se um clamor nacional. Órgãos de controle do Estado têm respondido a esta exigência e, nos últimos anos, as ações anticorrupção se intensificaram, atingindo a elite política e grandes empresas.

No entanto, há uma instrumentalização política desse discurso para desestabilização de um governo democraticamente eleito, de modo a aprofundar a grave crise econômica e política atravessada pelo país.

Um dos epicentros que instrumentaliza e desestabiliza o governo vem de setores de um poder que deveria zelar pela integridade política e legal do país.

A chamada Operação Lava Jato, dirigida pelo juiz de primeira instância Sérgio Moro, que há dois anos centraliza as principais investigações contra a corrupção, tem sido maculada pelo uso constante e injustificado de medidas que a legislação brasileira estabelece como excepcionais, tais como a prisão preventiva de acusados e a condução coercitiva de testemunhas. As prisões arbitrárias são abertamente justificadas como forma de pressionar os acusados e deles obter delações contra supostos cúmplices. Há um vazamento permanente e seletivo de informações dos processos para os meios de comunicação. Existem indícios de que operações policiais são combinadas com veículos de imprensa, a fim de ampliar a exposição de seus alvos. Até a Presidenta da República foi alvo de escuta telefônica ilegal. Trechos das escutas telefônicas, tanto legais quanto ilegais, foram apresentados à mídia para divulgação pública, ainda que tratassem apenas de assuntos pessoais sem qualquer relevância para a investigação, com o intuito exclusivo de constranger determinadas personalidades políticas.

As denúncias que emergem contra líderes dos partidos de oposição têm sido em grande medida desprezadas nas investigações e silenciadas nos veículos hegemônicos de mídia. Por outro lado, embora não pese qualquer denúncia contra a Presidenta Dilma Rousseff, a Operação Lava Jato tem sido usada para respaldar a tentativa de impeachment em curso na Câmara dos Deputados – que é conduzida pelo deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados e oposicionista, acusado de corrupção e investigado pelo Conselho de Ética dessa mesma casa legislativa.

Quando a forma de proceder das autoridades públicas esbarra nos direitos fundamentais dos cidadãos, atropelando regras liberais básicas de presunção de inocência, isonomia jurídica, devido processo legal, direito ao contraditório e à ampla defesa, é preciso ter cautela. A tentação de fins nobres é forte o suficiente para justificar atropelos procedimentais e aí é que reside um enorme perigo.

O juiz Sérgio Moro já não possui a isenção e a imparcialidade necessárias para continuar responsável pelas investigações em curso. O combate à corrupção precisa ser feito dentro dos estritos limites da legalidade, com respeito aos direitos fundamentais dos acusados.
O risco da ruptura da legalidade, por uma associação entre setores do Poder Judiciário e de meios de comunicação historicamente alinhados com a oligarquia política brasileira, em particular a Rede Globo de Televisão – apoiadora e principal veículo de sustentação da ditadura militar (1964-1985) -, pode comprometer a democracia brasileira, levando a uma situação de polarização e de embates sem precedentes.

Por isso gostaríamos de pedir a solidariedade e o apoio da comunidade acadêmica internacional, em defesa da legalidade e das instituições democráticas no Brasil.

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