sem fundamentos

Cardozo pede nulidade do impeachment no Senado, após erros na Câmara

Ministros dizem que regras que justificam equalização das taxas de juros e permitiram pedaladas fiscais foram autorizadas pelo CMN e afirmam confiar que 'Senado não aceitará golpe'

Marcelo Camargo/Agência Brasil

Cardozo (esq.): ‘Esse processo não está sendo realizado em conformidade com a Constituição’

Brasília – O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, citou a Corte Interamericana de Direitos Humanos para pedir imparcialidade aos integrantes da comissão especial do impeachment, na sessão desta sexta-feira (29), realizada desde o início da manhã no Senado. O ministro também afirmou que o processo traz erros da Câmara dos Deputados, o que conduz à sua nulidade, e que os senadores têm o dever de analisar essa questão.

“Na Câmara, vários parlamentares declararam que votariam a favor ou contra o impeachment. Havia painel diário nos jornais. Isso fere a imparcialidade estrutural, implica pré-julgamento”, lembrou.

Cardozo afirmou, juntamente com o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, que os decretos que justificam as pedaladas fiscais das quais a presidenta Dilma Rousseff é acusada foram publicados mediante regras autorizadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) para equalização de taxas de juros, com base em autorização do Congresso Nacional. O advogado-geral ouviu da oposição que Dilma tem sido “arrogante em sua gestão”.

“Que se faça a discussão política, que no momento certo se vá às urnas, mas que não se viole a Constituição e o Estado democrático de direito. Porque a se consumar esse processo, não é um impeachment realizado dentro da legitimidade democrática. É um golpe de estado”, afirmou.

O ministro lamentou que o processo de impeachment tenha começado antes de o Tribunal de Contas da União julgar as contas da presidente referentes ao ano de 2015, onde são alegadas as irregularidades.

“Me parece claro que a precipitação em fazer o processo de impeachment sem antes fazer o julgamento das contas da presidente, sem o parecer do TCU, é caracterizador de um desejo político, puramente político do afastamento da presidente, o que é inaceitável no presidencialismo”, avaliou.

A sessão é marcada por divergências observadas entre senadores e ministros e entre senadores e senadores desde o início dos trabalhos. Um episódio partiu da ministra da Agricultura, Kátia Abreu, ao ser questionada pelo líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO), pelo fato de ela ser do PMDB e continuar participando do governo.

“Não lhe permito uma ousadia de questionar decisão pessoal minha, senador, embora o tenha como companheiro de lutas em defesa do agronegócio. Não questionei o senhor quando votou contra o impeachment do Collor ao lado de uns poucos parlamentares, ao contrário do que faz agora”, disse Kátia. “Eu evoluí com os anos, ministra”, provocou Caiado.

Em outros dois momentos, a discussão foi entre a senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) e o líder do PSDB na Casa, Cássio Cunha Lima (PB). O tucano disse que, apesar de estar sendo feita a defesa da presidenta, a reunião estava tendo “outro nível de debate” no tratamento dado pelos oposicionistas aos ministros, ao contrário de ontem, quando foram observados gestos agressivos por parte de representantes aliados do governo em relação à jurista Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment.

“De fato, está havendo uma diferença grande, mas porque a discussão aqui é meramente técnica e bem fundamentada, o que não aconteceu na apresentação da palestrante de ontem”, rebateu Vanessa. Os dois também discutiram sobre prazos dado a cada um para que pudessem fazer suas ponderações, pela mesa diretora da comissão.

‘Qual justificativa?’

Entre Lindbergh Farias (PT-RJ) e o relator da comissão, Antonio Anastasia (PSDB-MG), a troca de farpas deu-se em torno de acusações divulgadas pela imprensa nos últimos dias, e reiteradas pelo petista de que Anastásia, quando governador, cometeu várias pedaladas. “Atento aqui a esta comissão para o momento em que vivemos, porque se esse golpe se confirmar, vamos ter uma ruptura institucional forte no país e isso é muito grave para todos”, afirmou Lindbergh.

“Como vossa excelência quer cassar uma presidenta da República que não cometeu crime de responsabilidade quando o governo do senhor em Minas Gerais cometeu os mesmos atos? Com que justificativa?”, questionou Lindbergh Farias. Anastasia ressaltou que “não será qualquer voz trovejante nesta comissão, nem o meu perfil partidário que me levará ao abatimento ou tirará a minha serenidade na condução dos trabalhos”.

Já Ricardo Ferraço (PSDB-ES) foi um dos oposicionistas mais enfáticos ao contestar as palavras do advogado-geral da União de que o impeachment se configurará em golpe para o país. “O senhor, com suas declarações, deixa sua condição de advogado para fazer uma defesa apaixonada que é uma farsa. Não sou golpista. Voto popular não é cidadela para a impunidade. O voto não nos habilita a receber um cheque em branco para transgredir as regras”, acentuou.

Cardozo respondeu de pronto. “O impeachment pode ou não ser um golpe de Estado. Se for respeitado o devido processo legal, não é golpe. Se for feito em desconformidade, aí é golpe, sim. Esse processo não está sendo realizado em conformidade com a Constituição. Se há ruptura institucional e a Constituição estiver sendo violentada, como acontecerá se consumado o impeachment nesses moldes que vocês querem aqui, haverá um golpe”, afirmou.

O ministro também ressaltou que o processo é nulo e, a seu ver, “o Senado tem o dever de analisar isso”. “Confio que o Senado não vai fazer esse golpe”, acrescentou, lembrando ainda que o ex-presidente Fernando Henrique Cardozo publicou 101 decretos de caráter semelhante no ano de 2001 – e o Congresso, na época, aprovou proposta de mudança da meta fiscal para o Executivo.

“Esses atos não foram configurados como ameaça à Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) assim como não se configuram agora. O senhor deve se lembrar disso, senador”, frisou, voltando-se para o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) – que foi ministro da Casa Civil de FHC.

Desvio de poder

Cardozo disse que Cunha cometeu “desvio de poder” ao aceitar o pedido de impeachment tendo a vingança como motivo, pelo fato de ter perdido votos do PT no processo que investiga sua conduta no Conselho de Ética.

O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, reiterou que “não há fundamento legal para responsabilização de crime por parte da presidenta”. Segundo Barbosa, os decretos foram autorizados pelo Conselho Monetário Nacional. “Esse processo vai ser objeto de análise para nossa história”, acentuou.

Kátia Abreu ressaltou que não existiu, nos créditos suplementares feitos pelo governo Dilma, nenhum prejuízo ao Plano Safra e que o fato do governo não ter pago as subvenções em dia “não afetou em nada o pagamento do crédito rural”. Ela explicou que “subvenção vem da diferença do juro que o governo quer oferecer para deixar o país competitivo com o do mercado” e observou que não se pode tratar os contratos de subvenção a agricultores como empréstimos.

“A Lei Complementar 101, que regulamenta essa questão, distingue claramente o que é concessão de subvenção e operação de crédito. Nesse caso, não existe contrato de multa, de vencimentos. Não se pode encarar que a subvenção agrícola seja um empréstimo”, defendeu. A ministra elogiou a presidenta da República e disse que acredita na “idoneidade, honestidade e espírito público” de Dilma. “Não confio e acredito naquele que faz, mas rouba. Jamais a apoiaria se tivesse viés de dúvida do seu caráter.”

A reunião prossegue sem hora para terminar e vários senadores ainda estão inscritos e aguardam sua vez para se manifestarem.

“A comparação entre as sessões de ontem e de hoje mostram bem as divergências e o nível dos debates. Ontem, a autora do pedido de impeachment disse que a inicial tinha três grandes pilastras e deixou claro o caráter político da denúncia. Hoje, as explicações que estão sendo dadas aqui são de ordem técnica e dentro de fundamentação legal”, afirmou o líder do governo no Congresso, José Pimentel (PT-CE).

Com informações do Blog do Planalto

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