Fim de recesso

Discurso de Renan traz agenda conservadora e recados ao governo

Entendimento é que, ao defender celeridade e ao mesmo tempo citar matérias que desagradam o governo, Calheiros passou um recado: ‘Cuidem bem de mim, para que eu cuide bem de vocês’

Lucio Bernardo Jr./Câmara dos Deputados

Referência da ala peemedebista menos infiel, Renan Calheiros pode ser fiel da balança da governabilidade

Brasília – O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), tido como personagem importante para diminuir o poder do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) no Legislativo, passa agora a ser apontado como “incógnita” para a boa relação do governo no Congresso, conforme avaliação de parlamentares e analistas. O discurso de Renan ontem (2), na solenidade de abertura do Congresso, foi diplomático. Ele prometeu trabalho, “isenção e transparência” e criticou o movimento do “quanto pior melhor”, em alusão à prática da oposição e de setores da própria base – que não votam conforme o teor dos projetos, mas contra o governo.

Embora tenha adotado conduta pacificadora e agregadora nos últimos meses, o presidente do Senado leva na bagagem a assinatura da chamada Agenda Brasil, um conjunto de projetos que agrada mais aos tucanos dos que aos petistas. Carrega ainda a dúvida sobre o tamanho de eventuais estragos que poderão recair sobre ele por conta de ter seu nome citado em delações da Operação Lava Jato, o que poderá ser determinante mais adiante para que lado vai pender seu humor nos próximos meses.

Ontem, por exemplo, Renan mencionou a necessidade de pôr em discussão temas que admitiu serem polêmicos, como o que retira da Petrobras a garantia mínima de 30% de sobre a exploração do pré-sal e que trata da liberação das terceirizações em todas atividades das empresas. Citou ainda o que abre brechas para a terceirização de estatais e o que dá autonomia ao Banco Central. Todos assuntos que podem pôr a base social de Dilma em polvorosa.

“Renan sempre foi um bom jogador, mas desta vez ele deixou claro para os que estão entrosados com o jogo político nacional o que quer. O recado foi ‘cuidem bem de mim, que cuidarei bem de vocês’”, afirmou um líder da base aliada. “Achei um discurso extremamente preocupante”, completou um senador.

Para o analista político Alexandre Bandeira, diretor da Associação Brasileira de Consultores Políticos no Distrito Federal (Abcop), o senador, por ser menos visceral que o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, atuou da forma como costuma agir, mais cordial. Mas sabe que é um dos investigados da Operação Lava Jato e quis, com o discurso, demonstrar que ainda tem poder na condução das votações das matérias importantes para o Executivo.

Na opinião de Bandeira, uma das propostas que pode ser tida como certa das que foram mencionadas por ele, é a de autonomia do Banco Central – que tem recebido sinais de apoio de Renan há tempos. As demais, são formas de mostrar que está pronto para negociar e que precisa ser afagado – demonstração dada não apenas ao governo, como aos colegas parlamentares. “Ele precisava externar, dentro do seu lado político, que tem autonomia para se articular e que ainda tem poder, mesmo em meio à Lava Jato”, avaliou o especialista.

DRU e CPMF

O diretor da Abcop lembrou que a presidenta Dilma Rousseff passa por um período de baixa popularidade e precisa do apoio do Congresso para aprovar medidas consideradas imprescindíveis para o Executivo, como a questão da prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU), a recriação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a reforma da Previdência.

Há ainda outro componente: o momento de articulação para a executiva nacional do PMDB. Renan Calheiros vinha se mantendo em confronto com o vice-presidente Michel Temer e acenou com um acordo nos últimos dias, mas ao mesmo tempo não pretende perder espaço na sigla – inclusive porque sabe que isso pode respingar em suas bases eleitorais.

A opinião do analista é semelhante à do cientista político Alexandre Ramalho, consultor legislativo. Ramalho acha que a intenção do senador é apoiar o governo, mas ao mesmo tempo, deixar claro que a qualquer desatenção pode dar corda à ala oposicionista, principalmente na inclusão ou retirada de pauta de matérias polêmicas. “Foi uma forma de dizer de que a caneta está com ele”, enfatizou Ramalho.

No seu discurso de ontem, Renan Calheiros afirmou que 2015 foi um ano “que não começou, nem terminou” e conclamou o Parlamento a “redobrar seus esforços para que tenhamos em 2016 um ano que tenha início, meio e fim, tanto no que tange ao Congresso Nacional como também nos temas que digam respeito à qualidade de vida dos brasileiros”.

‘Sem precedentes’

O presidente do Congresso também destacou a crise econômica pela qual passa o país. Afirmou que ela é “sem precedentes” e que os parlamentares têm, a seu ver, o compromisso com a nação de minimizar o debate político e buscar soluções para combater esse período de dificuldades. “No âmbito do Senado Federal quero reiterar o compromisso com austeridade, independência, isenção e transparência”, acentuou.

De acordo com a senadora Jane de Freitas (PMDB-ES), atual presidente da Comissão Mista de Orçamento, que já teve embates com o presidente do Senado, a melhor fala de toda a solenidade foi a de Renan.

“Ele externou a importância de os parlamentares se preocuparem não apenas com as discussões que norteiam a crise política, mas também com a votação das matérias. Achei que a presidenta Dilma se saiu bem em alguns itens do seu discurso, embora em outros não tenha detalhado pontos de interesse dos deputados e senadores. Já o recado do Renan foi claro e é o que mais importa para todos nós: fazer o Congresso andar com mais celeridade em 2016”, acentuou.

Entre os líderes ligados ao governo, a expectativa é outra, de atenção e alerta. As próximas votações prometem ser turbulentas e permeadas de temas complexos. E corre no Congresso, há tempos, uma frase, já famosa, feita numa análise da jornalista Tereza Cruvinel, para o site Brasil 247 meses atrás: Dilma sabe que pode contar com Renan sempre que precisar, mas também tem certeza de que ele jamais colocará a cabeça em jogo por causa dela.