Análise

Para deputados e cientista política, não haverá ‘divórcio’ entre PMDB e governo

História do partido de Ulysses desautoriza previsões de rompimento – sonho de Temer e Cunha. 'Mas o governo deve ter humildade. Não é hora de fazer bravata dizendo que tem 250 votos', diz Orlando Silva

Câmara dos Deputados e Arquivo Pessoal

Paulo Teixeira, Orlando Silva e Maria do Socorro: ala anti-Dilma do PMDB terminou o ano com menos força do que começou

São Paulo – O sonho do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), de ver um “divórcio” entre seu partido e o governo Dilma Rousseff não deve se concretizar, pelo menos segundo avaliação de deputados da base governista e da cientista política Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos.

A história do cada vez mais segmentado PMDB não autoriza prever, a não ser como hipótese, que a legenda decida abandonar em bloco o barco do governo no período até 2018. O partido, considerado fundamental para a chamada governabilidade, é hoje o maior do Congresso Nacional, com 68 deputados e 18 senadores. O PT vem em segundo lugar, com 59 deputados e 13 senadores, seguido do PSDB (53 e 11, respectivamente).

“Isso não vai acontecer. O PMDB não é uma entidade unitária. Há vários PMDBs, como sempre aconteceu. O PMDB nunca esteve unido em nossos governos, Lula e Dilma. Uma parte do PMDB está conosco, e uma parte contra nós, e vai continuar assim”, diz o deputado Paulo Teixeira (PT-SP).

“O PMDB está hoje como sempre esteve: a divisão do partido em 2015 não é exatamente uma novidade, é um dado da vida brasileira desde 1985”, afirma o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). “Quando o presidente da República era peemedebista (Tancredo Neves e José Sarney, em 1985), o PMDB já era dividido. Basta ver o resultado eleitoral do dr. Ulysses (Guimarães) em 1989, que foi a maior liderança do PMDB em todos os tempos”, lembra o deputado (na eleição de 1989, Ulysses obteve irrisórios 4,73% e ficou num melancólico sétimo lugar).

“Não vejo que vá acontecer o ‘divórcio’. Pode acontecer com partes do PMDB. O próprio Cunha já se ‘divorciou’. Mas até Michel Temer, acredito, na hora H vai ser difícil sair”, diz Maria do Socorro. “Se não tivesse eleição este ano, o PMDB talvez tivesse outras alternativas, mas a eleição fragiliza esse grupo hoje mais pró-Temer e pró-Cunha. Eles posam de fortes porque estavam num cenário muito favorável a essa composição de forças contra Dilma, e não faz muito tempo. Mas o cenário mudou.”

O PMDB realiza nos próximos meses dois eventos considerados fundamentais para o futuro próximo do partido. Em fevereiro, a eleição do novo líder na Câmara, cargo hoje ocupado pelo deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), aliado de Dilma. Em março, a agremiação deve realizar sua convenção nacional, quando será oficialmente debatida e possivelmente definida posição do partido em relação ao governo, além de eleger o presidente da sigla, hoje comandada por Temer.

“Se hoje o PMDB decidisse num fórum sair do governo, tenho certeza de que uma parte expressiva do partido seguiria participando, assim como se decidisse ficar no governo, teria uma parte expressiva que se manteria crítica e oposicionista”, acredita Orlando Silva.

Paulo Teixeira identifica como exemplos, na parcela peemedebista que vai permanecer na base, o PMDB do Rio, “provavelmente” o de Minas Gerais e Goiás. Já com o PMDB da Bahia, de Pernambuco e de São Paulo, por exemplo, admite que dificilmente haverá parcerias.

Volta por cima

O retorno de Leonardo Picciani ao posto de líder do PMDB na Câmara dos Deputados em 17 de dezembro, operando uma “virada” sobre manobra de Eduardo Cunha que o havia derrubado do cargo uma semana antes em favor do deputado Leonardo Quintão (PMDB-MG), é considerado emblemático não apenas da dificuldade crescente de setores peemedebistas de oposição como também do enfraquecimento de Eduardo Cunha e sua tropa de choque.

“Na Câmara, aos trancos e barrancos, houve a migração de uma maioria que era controlada por Eduardo Cunha para uma maioria com posição de apoiar o governo Dilma. É um dado que pode ser medido pela liderança de Leonardo Picciani”, diz Orlando Silva. Para ele, após a tentativa de golpe de Cunha dentro do próprio partido, “o sinal político” era o de predominância da oposição a Dilma na bancada peemedebista.

Mas a recondução de Picciani, que tem veemente posição contra o impeachment, mostra que a força de Cunha está longe do que já foi. “Enfrentar essa situação, tendo Eduardo Cunha na presidência da Câmara, sendo ele o principal líder da oposição ao governo na Câmara, e ainda assim Piciani se colocar contra o impeachment e formar maioria na bancada é uma vitória extraordinária”, avalia o deputado do PCdoB.

O episódio mostra que a batalha pela liderança do partido será enorme entre os pró e contra Dilma em fevereiro. Mas Eduardo Cunha “perde força política a cada dia”, diz Orlando Silva. “Com a decisão de acatar o impeachment, ele tocou fogo em todas as pontes políticas.”

Outro dado simbólico da queda da influência de Cunha é o forte posicionamento do PMDB contra ele em seu próprio estado, do governador Luiz Fernando Pezão e de Picciani. Já em 15 de setembro, Picciani havia deixado clara sua posição ao assinar, junto a líderes da base de Dilma, documento manifestando “firme e decidido apoio ao mandato legítimo da presidenta Dilma Rousseff, que se extinguirá somente em 31 dezembro de 2018”.

Para a professora da Ufscar, as eleições municipais de 2016 terão influência importante no comportamento até mesmo dos grupos aliados de Cunha. Com as denúncias contra o presidente da Câmara, ficar ao seu lado já não é vantajoso. “Quanto mais esses grupos ficarem próximos de Eduardo Cunha, tão envolvido em denúncias,e apoiarem sua manutenção no poder, maior será a rejeição aos candidatos do PMDB nos municípios e em suas regiões”, prevê Maria do Socorro.  Como é previsível que o presidente caia antes, muita coisa vai depender de quem o sucederá na presidência da Câmara.

A cientista política observa três movimentos importantes no tabuleiro político nos últimos meses, todos relacionados ao presidente da Câmara. O primeiro, ao longo do segundo semestre de 2015, quando ficou clara a até então não declarada convergência dos interesses de Temer e Cunha. O segundo, o posicionamento do PT, que saiu do muro e votou contra Cunha no Conselho de Ética, o que isolou o PSDB deixando-o em situação desconfortável ao lado do acusado de ter contas não declaradas no exterior movidas a dinheiro de corrupção. E o terceiro, a virada da situação a favor do governo, até o início de dezembro aparentemente muito mais favorável à oposição.

O fator Renan

Com o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que desmontou a farsa da montagem da comissão processante do impeachment, o jogo virou para o governo. Para Orlando Silva, um peemedebista teve papel fundamental para 2015 ter se encerrado com cenário positivo: o presidente do Senado, Renan Calheiros. “A decisão do Supremo, a partir de ação do PCdoB, deu fôlego ao governo, de um lado, e de outro Renan Calheiros teve um papel chave nas decisões sobretudo relativas ao orçamento”, avalia. A atuação de Renan é um dos fatores que faz a situação do governo no Senado ser mais confortável.

“Poderíamos ter hoje uma outra realidade política se o presidente do Senado fosse um homem que não tivesse o compromisso com a governabilidade que Renan demonstrou ter”, diz o parlamentar do PCdoB. Mas Renan é confiável? “Mais importante do que a opinião que cada um tenha sobre Renan é a análise do papel concreto que ele jogou nesse último período”, avalia.

Finalmente, Maria do Socorro diz que, apenas para considerar a hipótese improvável de o PMDB sair completamente do governo, a situação ficaria muito difícil para Dilma. “O PT tem uma base pequena e a governabilidade seria muito difícil. O PMDB acaba dando força e trazendo problemas também, aliás, em 2015, só criou problemas. Até parece que sem ele seria melhor, mas o governo já tem dificuldade de manter maioria simples, imagine então a qualificada, sem o PMDB”, diz a professora.

Os governistas, porém, estão longe de uma posição confortável e de poder comemorar qualquer vitória, alerta Orlando Silva. “O governo precisa continuar com humildade. Não é hora de fazer bravata dizendo que tem 250 votos”, diz, alfinetando o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, que no início da semana previu que esse seria o número de votos contra o impeachment na Câmara. “É hora de consolidar sua base, porque é uma base muito frágil, fragmentada, pouco unificada. Nada me leva a crer que de repente isso mudou, da noite para o dia”, diz.

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