Petrobras

Prisão de Cerveró é emblemática do jogo político que cerca a Lava Jato

Engenheiro completa um ano de prisão e trechos de seus depoimentos têm sido liberados de acordo com conveniências diversas. Pessoas próximas preocupam-se com seu estado emocional

Laycer Tomaz / Ag. Câmara / Fotos Públicas

Delator que vira mocinho, Cerveró é réu emblemático de uma operação baseada em prisões preventivas sem provas

Brasília – O ex-diretor da área internacional da Petrobras Nestor Cerveró, completa hoje (14) um ano de prisão por envolvimento na Operação Lava Jato. Cerveró, cujo nome voltou a ser um dos mais comentados do país nos últimos dias, já foi condenado em dois processos, dos vários a que responde sobre o caso, a um total de 17 anos, três meses e dez dias de reclusão, mais o pagamento de multa.

Depois de Cerveró receber autorização em novembro para amenizar a pena em troca da delação premiada, uma nova safra de citações feitas por ele a políticos de diversos partidos, incluindo dois ex-presidentes, começou a proliferar nos jornais – em geral decorrente de trecho de depoimentos vazados para a imprensa e divulgados com edições cuidadosamente preparadas para confundir a opinião – de modo que citações de nomes, sejam elas comprometedoras ou não, pareçam equiparadas à condição de denúncias e acusações de envolvimento em operações ilegais

Doze meses depois da prisão ainda se procura mensuras nos bastidores da política e dos jornais. Quanto sabe o ex-diretor? Por que determinados nomes só foram citados por ele agora? Qual o motivo de trechos vazados com tanto barulho terem diálogos sem muitas informações consistentes?

Engenheiro químico, brasileiro filho de espanhóis, 65 anos, casado, pai de dois filhos, Nestor Cerveró foi apontado como o responsável direto pela compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos em 2006. E é acusado de participação em vários esquemas de propina envolvendo contratos da estatal com fornecedores.

Cerveró é um réu emblemático de uma operação baseada em prisões preventivas sem provas nem direito a defesa seguidas de delações premiadas que transformam citados, acusados, mencionados em bandidos e o delator, em mocinho.

“Desde a prisão do Delcídio (senador Delcídio do Amaral, do PT-MS, até então líder do PT no Senado), ele (Cerveró) está agindo como quem atira para todos os lados, mas não como quem quer contribuir ou esclarecer alguma coisa de fato. E sim, como alguém que quer apenas se livrar de um fardo”, afirmou um senador do PMDB.

A menção a Delcídio deve-se ao fato de o senador, seu chefe de gabinete, Diogo Ferreira, e o advogado de Cerveró, Edson Ribeiro, terem sido presos em novembro passado após evidências de que os três estariam tramando um plano para tirar o ex-diretor do país.

Choro e angústia

Pessoas próximas comentam que o engenheiro – que virou até máscara de carnaval e cuja imagem tomou conta das redes sociais por um problema estético no rosto, por conta de ptose (doença que provoca a queda da pálpebra superior e nem sempre pode ser resolvida com cirurgia) – passou por muitos dias de angústia durante a deflagração da operação. Quando foi preso, embora já esperasse o pedido de prisão, ele teria demonstrado estar deprimido e chegou a chorar muitas vezes na cela.

Nos últimos tempos, vinha deixando de lado esse ar mais sofrido e adotado um tom de amargura, queixando-se de ter sido abandonado pelos amigos e políticos com quem tinha trabalhado e feito negócios durante anos. Cerveró teria ficado abalado, também, quando soube do esquema que estaria sendo montado pelo seu advogado na trama que vinha sendo negociada com Delcídio.

Ele teria comentado que se sentia traído pelo profissional responsável por sua defesa, por considerar que a delação, e não a fuga, seria o melhor caminho para sua situação. E, principalmente, pela atitude adotada pelo senador, que a seu ver não pensava nele (Cerveró), mas apenas em políticos envolvidos no esquema (as informações foram repassadas para a RBA por um ex-colega de trabalho do ex-diretor e um parlamentar).

Em maio, seis meses antes de aceitar fazer a delação, Nestor Cerveró foi condenado a cinco anos de prisão, mais o pagamento de uma multa pelo crime de lavagem de dinheiro referente à aquisição, “com ocultação e dissimulação de titularidade de origem e natureza”, de recursos usados para compra de um apartamento no Rio de Janeiro. Em agosto, novo julgamento o condenou a 15 anos, três meses e dez dias por corrupção e lavagem de dinheiro. Desta vez, pelo pagamento de propinas em contratos para compras de navios-sonda da Petrobras.

A lista de pessoas citadas por Cerveró começou a ser divulgada a partir de nomes de parlamentares, como o próprio Amaral e os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jader Barbalho (PMDB-PA). Depois chegou ao ex-governador da Bahia e atual ministro da Casa Civil, Jaques Wagner. E, nos últimos dias, aos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Também passou por ex-presidentes da estatal como José Sergio Gabrielli, José Eduardo Dutra e Francisco Gros (Gros, foi presidente da Petrobras no governo FHC. Os demais, no governo Lula).

Para o vice-líder do governo no Congresso, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), o vazamento de informações repassadas na delação de Cerveró é “seletivo e criminoso”. “Está claro que existe um vazamento seletivo dentro da Polícia Federal que cria uma relação perversa na condução das investigações. Esse vazamento é criminoso”, reiterou.

Jogo combinado

Pimenta disse estar convencido de que há o que chamou de “jogo combinado” entre setores da Polícia Federal, do Ministério Público e políticos da oposição com o intuito de desgastar imagens, uma vez que vários trechos das gravações referentes à delação de Cerveró ainda serão investigadas e, muitas vezes, tratam de menções sem maiores detalhes. No caso do ministro Jaques Wagner, por exemplo, acentuou que não viu ilicitudes em relação a ele no que o ex-diretor falou.

“Não há absolutamente nada no que foi publicado que sugira algum tipo de irregularidade ou ilegalidade cometida por Wagner quando governador da Bahia. O fato de qualquer governador, prefeito ou liderança pedir apoio é algo que faz parte do processo democrático, é uma conduta comum do governo e da oposição”, acrescentou o deputado.

O deputado Wadih Damous (PT-RJ), advogado e ex-presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), repetiu o que já tem dito diversas vezes em debates e pronunciamentos sobre o tema: para ele, a delação premiada é inconstitucional. “É uma prática que viola o direito ao confronto entre os delatores e delatados”, disse.

“No processo não pode haver procedimentos secretos. Se houver, são nulos por desrespeito à Constituição. Além disso, na Lava Jato a delação premiada só é sigilosa no processo. Fora dele, todos ficam sabendo do teor parcial da delação pelas manchetes de jornais. Por aqui, a obrigação de sigilo que a própria lei da delação estabelece, tornou-se simbólica e o que o delator afirma é tido como verdade e tratado como prova”, reclamou.

Com opinião parecida, o magistrado Rubens Casara destacou – em entrevista ao jornalista Paulo Moreira Leite para o livro A Outra História da Lava Jato, lançado em dezembro – existirem no país, no quadro atual, delações premiadas que, “no fundo, não passam de acordos entre ‘mocinhos’ e ‘bandidos’”. Ele criticou que “violações da cadeia de custódia das provas e prisões desnecessárias – por vezes utilizadas para obter confissões ou outras declarações ao gosto do juiz ou do Ministério Público – tornam-se aceitáveis nessa lógica do espetáculo, sempre em nome da luta do bem contra o mal”.

Retaliação e intimidação

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) recentemente foi alvo de um desses casos de conveniência política. Ele foi citado por um outro delator, Carlos Alexandre de Souza Rocha, como mais um envolvido no esquema.

A acusação contra Randolfe – arquivada poucos dias depois pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por falta de fundamento – baseou-se apenas num depoimento no qual Rocha disse “ter ouvido falar” que ele teria recebido um repasse de R$ 200 mil. Mas tomou as manchetes dos jornais e sites e as principais chamadas dos noticiários das emissoras de rádio e TV antes de ser desqualificada. De acordo com o senador, a citação de seu nome no depoimento foi “plantada” por desafetos.

Algumas das preocupações de parlamentares da base aliada consistem em saber quem são os agentes do PSDB e outros partidos oposicionistas atuantes na Polícia Federal e Ministério Público que vazam informações consideradas oportunas para suas legendas. Fala-se, também, em vazamentos de nomes de parlamentares da oposição que são feitos de forma tão proposital quanto os demais, até para dar uma aparência de pluralidade à prática.

A delação de Nestor Cerveró, dessa forma, terminou virando uma referência dos métodos e efeitos da Lava Jato. Por representar o quadro de confusões existente, a necessidade de esclarecimentos num escândalo tão grandioso e, ao mesmo tempo, as manipulações e estratégias políticas envolvidas nos vazamentos.


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