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Intelectuais pregam unidade contra golpe; Marilena Chaui cita nova ditadura

Faculdade de Direito reuniu hoje vários dos mais importantes intelectuais e professores do país. Para a filósofa Marilena Chaui, tentativa de derrubar Dilma é apenas 'a cereja do bolo' do retrocesso

Márcia Minillo/rba

Mesa reuniu alguns dos mais importantes intelectuais do país em ato por democracia ameaçada

São Paulo – Muitos dos mais importantes intelectuais e professores de São Paulo e do país participaram hoje (16) de ato público contra o impeachment e pela democracia, na Faculdade de Direito da USP, no centro da capital. Pela magnitude do evento, algumas pessoas durante e depois do ato lembraram o comício realizado no Teatro da PUC em outubro do ano passado, quando toda a intelectualidade reuniu-se na reta final da campanha de Dilma Rousseff.

“Estamos lutando pela democracia, que está ameaçada por um bandido, por um lado, mas por outro lado pelos liberais”, afirmou em sua fala o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, em referência ao presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

Ele afirmou não acreditar que o impeachment prevaleça. “Tenho dito que não vai haver impeachment porque a democracia está consolidada. O Brasil não é o Paraguai. É uma minoria que quer o impeachment, como os liberais que são democratas só quando lhes interessa.” O professor da Fundação Getúlio Vargas reconhece que há uma crise, devido, entre outros fatores, a “uma classe média que ficou órfã e que está dando fôlego à tentativa de impedimento”.

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Alfredo Bosi: ‘O que nos move é o sentimento de indignação pelas manobras escusas’

“O que nos move é o sentimento de indignação pelas manobras escusas. O impeachment é a máscara sinistra desse golpe, levado pela figura sinistra de Eduardo Cunha”, disse o professor de Letras Alfredo Bosi, de longa carreira na USP.

A filósofa Marilena Chaui enfatizou o caráter unitário e apartidário do encontro na histórica Faculdade de Direito. Marilena afirmou que sua preocupação com os rumos do país começou logo após as manifestações de junho de 2013 terem sido apropriadas pela direita. Dois anos e meio depois, ela aponta para um processo de radicalização, que passa pelo Congresso Nacional, o qual ameaça a democracia mais do que se imagina, segundo ela. “Se o golpe vier, teremos, por causa de toda a discussão em torno do terrorismo internacional, uma ditadura que nos fará imaginar que a de 1964 foi pão doce com bolacha”, prevê a filósofa da USP.

Para ela, o retrocesso no Brasil é mais complexo do que a proposta de impeachment. Os projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado (como lei antiterrorismo e diminuição da maioridade penal) deveriam ter sido também “objeto de manifestações gigantescas”, disse. “O processo do impeachment é apenas a cereja do bolo. O que está sendo preparado no Brasil é uma vitória gigantesca, na luta de classes, do capital. Não é por acaso que 15 dias atrás Fernando Henrique Cardoso disse em entrevista que ‘o mercado é favorável ao impeachment’. Acho fantástico, partindo de um sociólogo daquele porte”, ironizou.

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Marilena Chaui: ‘O processo do impeachment é apenas a cereja do bolo’

Assim como Marilena, diversos oradores chamaram a atenção para o caráter apartidário e unificador do ato no Largo São Francisco. A historiadora Maria Victoria Benevides, por exemplo, disse: “Se é um manifesto apartidário, não significa que não temos um lado comum, que é reconhecer que a campanha do impeachment é golpe”.

O filósofo Paulo Arantes também mencionou a lei antiterrorismo, que está travando a pauta na Câmara dos Deputados, como um símbolo da ameaça de retrocesso no país. “Está sendo imposta por pressão internacional. Se esta lei passar, este ato nosso ato de hoje pode ser enquadrado como terrorista.”

O prefeito Fernando Haddad, professor do departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP, também ressaltou o caráter apartidário do ato. “Independentemente da coloração partidária, há pessoas aqui que podem ser oposição ao governo, mas entendem que é o momento de defender as instituições que levamos tanto tempo para consolidar”, afirmou o prefeito de São Paulo à imprensa. “Não se trata aqui de apoio ao governo, mas ao regime jurídico que escolhemos viver.”

Para o neurocientista Miguel Nicolelis, “o que está em jogo não é um governo, uma pessoa, é o Estado de Direito”.

O jurista Dalmo Dallari reafirmou otimismo quanto ao desfecho do processo. Segundo ele, a Constituição é “rigorosa e precisa” ao tratar de impeachment. “O caso da Petrobras não são atos de agora e nem da presidente. Tudo é uma fantasia e uma simulação de juristas incompletos. Tenho absoluta tranquilidade em afirmar que nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico”, declarou Dallari.

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Dalmo Dallari: ‘Nenhuma proposta de impeachment tem fundamento jurídico’

‘Sofrimento social’

O professor de Filosofia Marcos Nobre, da Unicamp, disse que o movimento pelo impeachment “está tentando canalizar um sofrimento social”. “O pessoal de baixo (o povo) está sendo levado a acreditar nisso, que é uma energia sendo sequestrada da sociedade. Esse movimento pelo impeachment é como uma autodefesa de um sistema corrupto.”

O cientista político André Singer, mediador do evento, disse à imprensa que o “forte ato de hoje” representa a mobilização não apenas dos professores universitários, mas a potencial composição “com muitos outros setores que terão que se mobilizar também para que o resultado desse processo não arranhe a democracia brasileira”, afirmou. “Não há nenhum ato da presidente de crime comum ou de responsabilidade nitidamente caracterizado.”

Ele ressaltou a representatividade da manifestação da Faculdade de Direito e o número de professores que assinaram o manifesto “Impeachment, legalidade e democracia” em poucos dias, mais de 7.700 até a tarde de hoje. “A adesão é muito significativa.”

Nicolelis contou que, em viagens externas, interlocutores jovens e professores de instituições em vários países consideram o Brasil um país cujas conquistas são exemplares para o mundo e devem ser preservadas. “As pessoas me dizem: o Brasil é uma de nossas últimas esperanças”, disse.

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