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A luta contra o ajuste fiscal está associada à luta contra o golpe

No lançamento do documento 'Por um Brasil Justo e Democrático' no Rio, lideranças progressistas criticam política econômica do governo

Acadêmicos, intelectuais, atvistas sociais, deputados e senadores participaram do lançamento do documento

Carta Maior – Quase 300 acadêmicos, intelectuais, militantes, representantes de movimentos sociais, deputados e senadores de partidos progressistas diversos participaram do lançamento do documento “Por um Brasil Justo e Democrático”, promovido pelo Fórum 21, no último dia 27, no teatro da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro. E reafirmaram: a luta contra a política econômica do governo está associada à luta contra o golpe democrático!

Membro da Coordenação Executivo do Fórum 21 e diretor-presidente da Carta Maior, Joaquim Palhares agradeceu a presença de todos e explicou a dinâmica do documento, construído por quase 200 economistas, urbanistas, advogados e profissionais liberais progressistas de todo o país, com o apoio do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, Rede Desenvolvimentista, Fundação Perseu Abramo, Brasil Debate, Plataforma Política Social – Caminhos para o Desenvolvimento, Le Monde Diplomatique Brasil e o Fórum 21.

Presidente da Fundação Perseu Abramo, economista e professor da Unicamp, Márcio Pochmann afirmou que o trabalho busca se contrapor a essa ditadura do curto prazo que impera na execução das políticas públicas e que faz com que o Brasil seja administrado como se fosse uma empresa qualquer do mercado financeiro. “O Brasil perdeu a perspectiva de médio e longo prazo”, justificou.

Segundo ele, mesmo antes do início da recessão, o Brasil já registrava um crescimento médio pífio, dada as potencialidade de um país em desenvolvimento. “A preocupação fundamental nossa, desse conjunto de quase 200 intelectuais que participaram da construção desse documento, é a de oferecer diretrizes de médio e longo prazo. É impossível um país ter rumos, se não considera a questão do planejamento, se não questiona onde é que queremos chegar daqui a dez, vinte anos”, afirmou.

Conforme o economista, vivemos hoje um período de enaltecimento do mercado, em que dizem que não é possível se fazer nada para mudar o quadro, independentemente de partidos e ideologias. “O documento se levanta contra isso, porque é absolutamente necessário recuperarmos a Política com P maiúsculo, que é elemento fundamental para subordinar a economia”, conclamou.

De acordo com Pochmann, são cinco as principais diretrizes que o documento, em constante construção, apresenta para o debate. A primeira se refere à estabilização da economia, mas não por meio da austeridade e do ajuste fiscal, conforme pautado pelo mercado. A segunda é a urgente necessidade de reindustrializar o país. “Na época da redemocratização, a indústria representava cerca de um terço do PIB. Hoje, o peso da indústria não chega a 10%. E não há experiência histórica de país desenvolvido sem indústria”, argumentou.

A terceira visa a uma profunda reforma do estado brasileiro. “O Estado que temos hoje não é contemporâneo das necessidades do povo brasileiro. É um estado pesado, patrimonialista, é um estado que precisa de uma reforma. E essa reforma iniciaria reconhecendo que não podemos mais ter um Estado que é muito poderoso para tributar os pobres, mas é uma mãe para os ricos”, observou.

A quarta diretriz, segundo o economista, aponta para uma mudança substancial na relação do estado com o mercado, cada vez mais submetido à ação das máfias que atuam nos orçamentos públicos de diferentes níveis. E, por fim, a quinta diz respeito à profunda transição demográfica pela qual o país está passando. “O Brasil tem hoje 3 milhões de brasileiros com 80 anos ou mais de idade. Daqui a 15 anos, teremos 20 milhões de brasileiros nesta faixa. Este é um Brasil diferente do que temos hoje e, infelizmente, não estamos preparados para esta mudança”, apontou.

Professora de Economia da USP, Laura Carvalho lembrou que o país passa por uma fase em que os conflitos distributivos estão muito acirrados. “Uma recessão é um momento em que a disputa pelas fatias do bolo fica mais acirrada. E o que a gente percebe é que tudo o que foi conquistado pela distribuição de renda está ameaçado. (…) Está evidente que há uma pressão para a redução de direitos”, avaliou.

Segundo ela, o documento lançado se propõe a encarar estes conflitos distributivos do lado certo, do lado dos trabalhadores, do lado daqueles que acreditam que o ajuste fiscal em curso não é a melhor solução para a retomada do crescimento. Para a economista, a importância da esquerda apresentar um projeto de país de longo prazo é decisiva para mudar a narrativa conservadora criada sobre o atual momento político.

“Nós temos uma narrativa a ser construída para o futuro da esquerda no país. Porque a narrativa dominante que temos hoje é a de que tudo fracassou, de que é insustentável distribuir renda e que temos que voltar ao modelo anterior. Esse discurso – que agora é poderosíssimo e, inclusive, conquistou o próprio governo – não só prejudica a economia hoje, mas também prejudica o projeto de esquerda para o país”, argumentou.

Quem são os brasileiros?

O economista e professor da UFRJ, Carlos Lessa, também participou do evento e apresentou sua contribuição ao debate. Segundo ele, duas perguntas fundamentais que precisam ser respondidas pelas forças progressistas que queiram retomar a construção de um projeto popular de país são “o que é o Brasil?” e “quem são os brasileiros?”.

Na avaliação dele, o Brasil é um país eminentemente urbano e metropolitano, enquanto o brasileiro médio é um personagem imensamente criativo que “se vira” para sobreviver e, por isso, não se aproxima do padrão tradicional da classe operária descrito pela literatura marxista, mas sim daquele do pequeno burguês. “O que é o vendedor de sacolé senão o empresário de si mesmo?”

Por isso, o economista acredita que a bandeira progressista mais capaz de aglutinar as pessoas hoje é a luta pela moradia. “Todos sonham com a casa própria”, resumiu. Lessa defendeu também que a cadeia da construção civil movimenta a economia local e nacional, o que envolve ainda mais interesses em torno da pauta. De acordo com ele, a casa própria, ao mesmo tempo que tem uma dimensão puramente capitalista, também tem uma popular, que é o mutirão. “Dar força à ideia da casa própria e à mobilização em torno da construção dessa casa nos dá um pé para construir esse Brasil nacional”, concluiu.

Apoio político

O presidente da Frente Brasil Popular, Roberto Amaral, afirmou que o documento é uma luz para a tragédia da economia, mas lembrou que, por trás dela, há outras tragédias que assolam o país. Segundo ele, os últimos fatos desvelam a miséria da política, a falência dos nossos partidos, a tragédia do setor ponderado da esquerda brasileira que renunciou à ética socialista, que tendo na base da sua ascensão as forças populares, preferiu as negociações por cima, os acordos com o grande capital. “Não há possibilidade de negociação com o grande capital, com as classes dominantes. Getúlio tentou e não deu certo. Lula tentou e não deu certo. Dilma está tentando e não vai dar certo”, alertou.

Para Amaral, o país está enfrentando uma conjuntura que só encontra similaridade na dos anos 30: o avanço de uma direita fascista, que está no Congresso reescrevendo a Constituição e conta com personagens como Eduardo Cunha e Delcídio Amaral. “O mandato da presidenta Dilma foi construído pelas forças populares, que irão continuar apoiando-a, ainda que ela governe para os derrotados. É fundamental para a democracia brasileira preservar o mandato. Nós temos que enfrentar a ameaça da direita do Brasil, que se manifesta em todos os setores da nossa sociedade”, afirmou.

O deputado Wadhi Damous (PT-RJ) acrescentou que qualquer cidadão que vive hoje no Brasil percebe que a política econômica em curso resulta em um governo fraco, um governo sem apoio popular. “Esta política afasta o povo, porque ela é excludente. E nós não podemos ter comandando nossa economia esses setores neoliberais”, afirmou.

A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) ressaltou que os setores populares precisam se unir e contribuir para que o governo Dilma dê um salto de qualidade. “A política econômica do governo está errada. Nós estamos enxugando gelo (…) Mas nós não podemos abstrair a política. O que nós precisamos é que a Dilma tenha a mesma coragem que nós estamos tendo aqui: ultrapassar esta fase, enfrentar uma agenda nova, que faça uma política de tributação progressiva de fato, que assuma diretrizes de políticas estruturantes”, defendeu.

O senador Lindberg Farias (PT-RJ) lembrou o cenário desolador da economia brasileira. “Nós pagamos, em 12 meses, R$ 510 bilhões em juros da dívida pública para o sistema financeiro. E sabe qual é o orçamento da saúde? R$ 100 bilhões. Nós vivemos uma situação dramática. (…) Não tem outro nome. É uma agenda neoliberal que está sendo aplicada pelo nosso governo. Então, temos que ser muito duros neste debate”, propôs.

Segundo ele, a luta contra o golpe, contra o impeachment, tem que estar associada a luta contra a política econômica. “Se nós mantivermos este rumo, nós não vamos aguentar. São dois tipos de golpe: um é o impeachment. O outro é render a presidenta. E nós não podemos deixar isso acontecer”, observou.

O senador Roberto Requião (PMDB-PR) também avaliou que os setores progressistas estão sendo tolerantes demais com fatos intoleráveis, o que aprofunda a crise de representatividade. “Não tolero mais que se levante o estandarte de companheiros que prevaricaram e desmoralizaram a política brasileira. Não posso acreditar que falemos em pressão popular quando não damos nenhum ponto de apoio para que essa pressão se realize. Eu não posso acreditar que a gente consiga conscientizar massas e avançar com o movimento popular, do jeito que a esquerda vota no congresso nacional. Sob o pretexto de que nós temos o governo que temos – e que o outro seria pior, nós estamos deixando de ser referência. Vamos esperar que a Dilma mude? Então, oremos”, provocou.

Conforme o parlamentar, o embate em curso, em que o capital tenta ocupar todos os espaços da política, não se dá só no Brasil. “Querem que o Estado se transforme na polícia do mundo e que a economia seja gerida por técnicos do capital financeiro”, afirmou. Para ele, o financiamento empresarial de campanha tornou a política promíscua e desmoralizada. “Não é o PT que está envolvido na corrupção. São os parlamentares financiados pelo capital de todos os partidos”, defendeu.

Participação ampla

Também participaram do evento representantes de entidades e movimentos sociais importantes, como o MST, MTST, CUT, Federação Nacional dos Petroleiros, Conselho Regional de Economia, Sindicato dos Jornalistas, dentre outros. O documento “Por um Brasil Justo e Democrático” já foi lançado em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Nos próximos dias, será lançado em Porto Alegre, Salvador e Recife. Também está disponível na internet.

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