Expectativa

Ministros devem manter Nardes na relatoria, mas adiar julgamento de contas

Entre magistrados e integrantes do próprio TCU, entendimento é de que ministro realmente extrapolou e 'falou muito', mas aprovar sua saída do caso pode fragilizar ainda mais o órgão, reduto de políticos

Fabio Rodrigues Pozzebom/Abr/fotos públicas

Nardes acusa Executivo de utilizar do artifício de declarações suas como pretexto para adiar julgamento

Brasília – Embora com pauta cheia no Legislativo, a quarta-feira (7) na capital do país terá as atenções mais voltadas para a sessão do Tribunal de Contas da União (TCU) que apreciará, às 17h, o pedido da Advocacia-Geral da União (AGU) para troca do relator do processo sobre as contas da presidenta Dilma Rousseff, ministro Augusto Nardes. Em seguida, a votação do caso em si. Um ministro do tribunal classificou o clima no órgão como tenso e afirmou que dificilmente a análise das contas de Dilma será julgada nesta data. Já os debates prometem ser acalorados e demorados em relação à situação do relator.

Isso porque o entendimento da maioria dos integrantes do TCU tem sido de que Nardes deve ser mantido na relatoria, mesmo tendo se excedido, porque consideraram “afronta” o pedido feito pelo governo para retirá-lo do processo.

Em um ministério com integrantes do colegiado repletos de indicações políticas, sobretudo do PMDB – partido que foi aquinhoado com pompa na nova reforma ministerial do governo –, tudo pode acontecer. Mas quando se conversa com técnicos experientes do TCU, a avaliação feita sobre como pensam os ministros do tribunal passa a ser diferente.

Vários servidores enfatizaram que, nos gabinetes e reuniões reservadas, há tempos os ministros reclamavam da postura do relator, que, conforme comentavam, “estava aparecendo demais na imprensa ao falar sobre o caso”. E, ao menos dois deles, o teriam alertado sobre isso. Mas agora acham que mesmo havendo essa divisão sobre a postura de Nardes, trata-se de defender o órgão, evitando a retirada do ministro da relatoria.

Segundo esse ministro ouvido pela RBA, o gesto do Executivo causou desconforto internamente e foi avaliado como uma forma de denegrir ainda mais a imagem do TCU com a estratégia de atacar o relator para protelar a votação das contas de Dilma Rousseff.

Para magistrados de tribunais superiores, advogados e ministros aposentados, a grande questão será decidir de uma vez por todas a tese de que um julgador só pode falar pelos autos. E, como a expectativa é de que, caso perca em seu pleito na sessão do TCU para afastar o relator, a AGU recorra do caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), a situação pode mudar de figura.

‘Dever de recato’

“É só dar uma olhada no artigo do presidente Ricardo Lewandowski escrito um mês atrás, onde ele fala que ‘judicatura é dever de recato’”, destacou um ex-juiz auxiliar do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que integrou comissão que discute a reforma da Lei Orgânica da Magistratura (Loman). Foi um recado claro que ele quis passar para muita gente”, acrescentou esse magistrado, para quem, a posição do presidente do STF – embora externada antes e sem mencionar o caso – vai ao encontro do que argumenta o Executivo.

Isso porque, presidente da mais alta corte do país até o segundo semestre do próximo ano, Lewandowski afirmou, em artigo de sua autoria publicado no início de setembro no jornal Folha de S.Paulo, que “é antigo nos meios forenses o adágio segundo o qual juiz só fala nos autos”.

“A circunspecção e discrição sempre foram consideradas qualidades intrínsecas dos bons magistrados, ao passo que a loquacidade e o exibicionismo eram – e continuam sendo – vistos com desconfiança, quando não objeto de franca repulsa por parte de colegas, advogados, membros do Ministério Público e jurisdicionados”, destacou.

O ministro, num texto em que ainda ressaltou ser “a verbosidade de integrantes do Poder Judiciário, fora dos lindes processuais, de há muito tida como comportamento incompatível com a autocontenção e austeridade que a função exige”, citou três instrumentos que, na avaliação de juristas, caso sejam usados pela AGU na sustentação oral da sessão, vão pesar contra Nardes – ou durante o julgamento do recurso pelo STF.

O primeiro instrumento é o Código de Ética da Magistratura. O segundo, a Lei Complementar nº 35, de 1979 e, por fim, o próprio Código de Processo Civil. Em relação ao Código de Ética, Lewandowski lembrou que o artigo 1º da Resolução No 60, de 2008, do CNJ, afirma que os juízes “devem portar-se com imparcialidade, cortesia, diligência, integridade, dignidade, honra, prudência e decoro”.

Já a Lei Complementar 35/79 estabelece, no seu artigo 36, inciso III, que “não é licito aos juízes manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos ou em obras técnicas ou no exercício do magistério”.

E o Código de Processo Civil, por sua vez, enfatiza que “caracteriza a suspeição ou parcialidade do magistrado, que permitem afastá-lo da causa por demonstrar interesse no julgamento em favor de alguma das partes”.

Pontos iguais nos regimentos

Normalmente, o cargo de ministro do TCU é indicado politicamente de forma bem diferente do de integrantes do Judiciário, sobretudo os tribunais superiores. E, como se sabe, em sua maior parte são escolhidos para o órgão, por partidos políticos, ex-parlamentares que perderam mandatos ou estão em vias de se aposentar. Mas como se trata de um tribunal, existem vários pontos no seu regimento interno semelhantes ao que estabelece a Loman e que podem, na opinião do ministro e do juiz ouvidos pela reportagem, servir como embasamento para a avaliação da situação de Nardes.

No STF, já demonstraram várias vezes durante os julgamentos que possuem posição semelhante à de Lewandowski, quanto à discrição dos relatores, os ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia. Por sua vez, são conhecidos por se expressarem sobre assuntos políticos e outros temas que às vezes extrapolam essa discrição pedida pelo presidente da Corte no seu artigo, ex-presidentes do tribunal como os ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello. Uma parada dura, portanto, a ser decidida posteriormente pelo colegiado.

Para o governo e seus representantes, o exagero do ministro relator do caso no TCU ao praticamente já antecipar que as contas da presidenta seriam rejeitadas é “inegável”. Hoje, o líder do PT no Senado, senador Humberto Costa (CE), afirmou que o Executivo apresentou “robustas provas” para mostrar a falta de isenção de Nardes.

“São mais de 2 mil páginas de matérias jornalísticas em que o ministro manifesta opinião firmada sobre as contas do governo, antes mesmo de receber todos os documentos”, acrescentou. “A intenção do governo é evitar vícios e preservar a imparcialidade do julgamento”, disse ainda Costa.

‘Pretexto para adiamento’

Nardes, por sua vez, acusa o Executivo de estar politizando a questão e utilizar do artifício de declarações suas como pretexto para adiar o julgamento das contas. O relator recebeu, nesta tarde, parlamentares da oposição, que foram até o seu gabinete para manifestar uma espécie de apoio à sua conduta, e disse estar tranquilo.

Também foi muito lembrado durante a tarde, no Congresso, caso semelhante observado com o ex-ministro José Jorge Vasconcelos, escolhido para relatar as contas sobre avaliações do TCU referentes à compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras.

Na época, em 2014, houve muita especulação sobre o fato de Vasconcelos ter ou não a isenção necessária para relatar o caso, por ter sido político do DEM até ser indicado para o tribunal e concorrido como candidato à vice-presidência da República na chapa de Geraldo Alckmin, em 2006. Mas o entendimento final dos ministros foi de que ele deveria, sim, ser mantido na relatoria. São casos diferentes, mas ambos passam por uma questão fundamental em todo esse imbróglio, que não envolve apenas as leis: o fator político.