Terras indígenas

Deputados voltam a encerrar sessão da PEC 215 sem votar substitutivo do relator

Em meio a protestos dos índios e debates entre deputados que se opõem à proposta de ruralistas, presidente da comissão achou melhor suspender trabalhos e tentar negociar pontos de consenso ao texto

Antonio Augusto / Câmara dos Deputados

PEC é vista como um retrocesso para os direitos dos indígenas, além de ferir dispositivo da Constituição Federal

Brasília – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215, referente à demarcação de terras indígenas, que está sendo apreciada desde o início da semana na Câmara dos Deputados com sucessivos atrasos, foi adiada mais uma vez. A matéria é objeto de sérios embates entre os parlamentares que atuam na área de defesa dos índios, direitos humanos e movimentos sociais de um lado, e a bancada ruralista, de outro. Por falta de consenso e diante do clima tenso da reunião de hoje (21), o presidente da comissão que analisa a proposta, Nilson Leitão (PSDB-MT), resolveu suspender qualquer votação do relatório até que sejam negociados entre as lideranças pontos de consenso a serem ajustados ao texto.

A decisão do presidente está relacionada à ameaça feita pelos deputados contrários à matéria de, caso virem a ver a PEC ser aprovada da forma como se encontra, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contestando sua constitucionalidade. Como forma de evitar que nova decisão do Legislativo termine sendo resolvida pelo Judiciário, o parlamentar resolveu dar uma parada nos trabalhos e tentar a negociação – de forma a retirar o que for considerado inconstitucional no texto.

A missão, no entanto, tem tudo para ser complicada, mas foi considerada uma vitória por parte do grupo contrário à proposta, uma vez que eles tentaram obstruções para impedir a votação do relatório nesta quarta-feira.

‘Retrocesso e ilegalidade’

Considerada polêmica desde o início da tramitação, a PEC é vista como um retrocesso para os direitos dos indígenas, além de ferir dispositivo da Constituição Federal. E tida como um jogo duro a ser travado pela bancada progressista do Congresso junto aos ruralistas, que possuem grande poder na Câmara e no Senado, na atual legislatura.

Existem atualmente 228 processos sobre homologação de terras indígenas e 122 ações judiciais sobre o tema em andamento na Justiça. Além de outros 1.6611 processos pendentes, relacionados a terras quilombolas (que também são mencionados na proposta) que podem não mais resultar em áreas demarcadas. Os dados foram divulgados pelo deputado Edmilson Rodrigues (Psol-PA) ao criticar a pressão feita pelos ruralistas na comissão.

O substitutivo apresentado pelo relator, o deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), determina que a prerrogativa de demarcação de terras indígenas deixe de ser do Executivo e passe a ser do Congresso Nacional. Hoje, essa demarcação é feita por meio de decreto do Ministério da Justiça, após estudo técnico elaborado pela Fundação Nacional do Índio (Funai). O temor dos deputados contrários ao teor da matéria é de que, ficando pendente de decisão do Congresso, o controle sobre a demarcação dessas terras fique nas mãos da chamada bancada ruralista.

Durante a discussão, os deputados Nilto Tatto (PT-SP) e Glauber Braga (Psol-RJ) destacaram que além da possibilidade de o relatório ser contestado no STF, caso não se negocie alguma mudança no texto, a aprovação pode ser considerada um desgaste desnecessário para os ruralistas. Uma vez que, da Câmara, a PEC segue para o Senado e na outra Casa, a maior parte dos senadores já se posicionou contrária à proposta “Vai ser um tiro no pé para os representantes do agronegócio”, ressaltou Braga.

Indenizações e trocas de terras

O relatório de Serraglio também prevê a indenização em dinheiro aos proprietários ou possuidores de boa-fé, mesmo que na faixa de fronteira, das áreas inseridas em território indígena em decorrência das demarcações posteriores ao marco temporal. E, em um dos trechos tidos como mais polêmicos, estabelece que em caso de conflito fundiário, passa a ser possível a troca de áreas demarcadas, assegurada a participação de todos os entes federados no procedimento administrativo.

O texto ainda autoriza a comunidade indígena a optar por outra área que não seja a originalmente demarcada. Atualmente, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se à sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Mas a proposta retira esse caráter exclusivo e estabelece algumas exceções para permitir o que é chamado no texto de “ocupações de relevante interesse público da União” – como casos de instalação e intervenção de forças militares e policiais; e instalação de redes de comunicação, logística e edificações (vedada a cobrança de tarifas de qualquer natureza), entre outros.

A PEC, além disso, reconhece como definitiva a propriedade dos remanescentes das comunidades dos quilombos que ocupavam suas terras na data da promulgação da Constituição, tornando obrigatória a emissão dos seus títulos pelo governo. E prevê que as demarcações em curso, independentemente da fase em que estiverem, devam obedecer às novas regras previstas na matéria.

Cláusula pétrea

De acordo com a deputada Erika Kokay (PT-DF), da forma como apresentada, a matéria viola claramente cláusulas pétreas da Constituição. “Fere a separação dos poderes, enquanto cláusula pétrea da nossa Constituição e fere direitos e garantias individuais. Significa um retrocesso no que este país já conquistou”, afirmou.

Conforme ressaltou a deputada, a Constituição brasileira assegurou o direito às terras indígenas pelos próprios indígenas. “Os povos indígenas têm que ter direito às terras indígenas para a gente romper com esse etnocídio que existe”, reclamou.

O deputado Osmar Serraglio disse que, ao contrário dos argumentos dos que se opõem à PEC, seu substitutivo não é inconstitucional e foi construído com o objetivo de dar mais segurança jurídica à questão. Segundo ele, o teor do texto não traz prejuízo para os direitos dos índios e “não importará em violação ao pacto federativo, nem à separação de poderes”.

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