REFORMA ADMINISTRATIVA

Para especialistas, corte de cargos e ministérios será mais simbólico do que econômico

Políticos, acadêmicos e técnicos consideram que mudança ajudará popularidade do governo e poderá aparar arestas do Executivo com o PMDB

Marcelo Camargo/Agência Brasil

“Vamos apertar o cinto: vender imóveis, economizar com energia e transporte”, afirmou José guimarães

Brasília – Nos gabinetes ministeriais e órgãos que se dedicaram nas últimas semanas a estudar os termos da reforma administrativa, uma constatação é quase certa: o corte de cargos comissionados e a redução de ministérios a ser promovida até quarta-feira (23) pelo Executivo não terá grande impacto para o país do ponto de vista orçamentário, mas é considerado de extremo valor político e simbólico para ministros e políticos diversos.

Valor simbólico porque o governo, com o anúncio da reforma, finalmente concretizará a expressão de que pretende “cortar na própria carne”, principalmente num período de baixa popularidade. E político, porque a fusão e o corte de ministérios poderá ajudar na problemática relação entre Executivo e PMDB, a partir da negociação de um ministério que venha a agregar antigas pastas e, por isso, representar mais poder para a legenda.

A equação é tida como complicada para vários parlamentares. Prova disso é que os atritos entre Palácio do Planalto e peemedebistas não deixam de ser observados, e esta tarde, a presidenta Dilma Rousseff está no Palácio da Alvorada, em reunião com o vice-presidente Michel Temer, o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e o líder do partido no Senado, Eunício Oliveira (CE). O objetivo, justamente, é discutir a posição da legenda na reforma.

Segundo estudo feito pelo Ministério do Planejamento com a colaboração de técnicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vazado hoje por alguns parlamentares, o diagnóstico feito por essa equipe que recebeu a missão de estudar os reflexos da reforma administrativa são de que o corte de recursos, com as mudanças – atualmente estimado em R$ 200 milhões – será ínfimo para o ajuste das contas do país e não deverá alterar em valor mais significativo que isso, mesmo com alguns acréscimos a serem feitos no projeto inicialmente delineado.

Isso porque o Executivo não tem como mexer nas despesas de cinco ministérios básicos para o país: Educação, Saúde, Desenvolvimento Social, Previdência Social e Trabalho. Juntos, conforme esse estudo técnico, tais pastas foram responsáveis por 89% do total de gastos de custeio do governo no período de janeiro a maio deste ano. O equivalente a R$ 268,6 bilhões em despesas com aposentadorias, seguro-desemprego, hospitais, universidades e o programa Bolsa Família.

De acordo com informações de alguns dos técnicos que participaram desse trabalho, o ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, ainda tenta convencer a presidenta Dilma a aumentar o número de ministérios a serem cortados, de dez para 15 pastas. A presidenta, no entanto, estaria reticente quanto a essa alternativa e propôs à equipe que avalie a possibilidade de, em vez disso, aumentar o número de cargos comissionados a serem extintos – a princípio, seriam mil dos 22 mil existentes.

“O problema é que muitos dos detentores desses cargos são servidores públicos concursados. Ou seja, isso não vai representar muito em termos orçamentários para o Executivo, porque são pessoas que continuarão lotadas em seus trabalhos e recebendo seus salários. O reflexo vai ser apenas no bolso desses trabalhadores, que terão os contracheques reduzidos e, em muitos casos de forma considerável”, enfatizou o economista Murilo Aguiar, da Universidade Centro de Ensino Universitário de Brasília (UniCeub).

“Tanto o ajuste como a reforma administrativa representam uma ação enérgica em todas as direções. Muito maior do que o impacto financeiro é o impacto político. Vamos apertar o cinto: vender imóveis, economizar com energia e transporte”, afirmou, ao ser questionado sobre a reforma, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE).

Questões burocráticas

Para o economista Fernando Ferreira, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), não há como, num momento crítico em que se encontra o país, o corte de ministérios e de cargos comissionados não ser visto como positivo. Ferreira, no entanto, chamou a atenção para questões burocráticas que dizem respeito ao remanejamento de fontes orçamentárias e contratos a serem transferidos para outros locais com a extinção ou fusão de pastas. “Isso pode tender a gerar uma despesa inesperada”, acentuou.

Na opinião de observadores políticos, o atrelamento da reforma ao PMDB está ligado à própria dubiedade que tem sido observada por parte dos peemedebistas desde o segundo semestre do ano passado.

A ideia de redução do número de ministérios foi iniciada durante a campanha eleitoral de 2014 pelo candidato da oposição pelo PSDB, senador Aécio Neves (MG).  Depois disso, foi ratificada pelo então presidente da Câmara, o hoje ministro do Turismo, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), pouco tempo antes de deixar o Legislativo.

Em março, o mesmo tema foi mencionado por Renan Calheiros, como uma crítica ao governo em retaliação ao fato de ele ter perdido a indicação de um apadrinhado em um dos cargos no segundo escalão. Logo depois, foi assunto de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) apresentada pelo atual presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) –, cujo mérito foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça da Casa, com o aval, além do PMDB, de integrantes do PP, PTB, PSDB, DEM e PPS.

“No fundo, no fundo, apesar de oficialmente divulgarem que não querem se meter na distribuição de ministérios, os peemedebistas estão fazendo o jogo que sempre fizeram, de criticar para depois participar das articulações com um bom peso. Isso não surpreende mais porque todos sabem que o partido sempre teve essa veia governista”, disse o cientista político Ernani Araújo, da consultoria Focus – apesar das notícias do final da tarde de que os caciques da legenda está reticentes em indicar nomes para a reforma.

‘Mais fieis’

O presidente do partido em São Paulo, Baleia Rossi, ao ser ouvido a respeito, lembrou que a legenda não está pedindo cargos e que, ao contrário, tem feito várias queixas ao relacionamento adotado pelo Palácio do Planalto. Ele afirmou que “apesar das críticas, um dos partidos mais fiéis, responsável por todas as vitórias obtidas pelo Executivo no Congresso, nos últimos tempos, tem sido o PMDB”. Rossi só esqueceu de destacar que a legenda, que apesar disso tem a bancada dividida, faz parte diretamente do governo e conta, hoje, o vice-presidente da República.

Por parte do Palácio do Planalto, a saia-justa que se tenta equilibrar diz respeito à equação a ser feita para acomodar (ou não desagradar) os peemedebistas que hoje ocupam ministérios: Kátia Abreu (Agricultura), Eduardo Braga (Minas e Energia), Hélder Barbalho (Pesca), Eliseu Padilha (Aviação Civil), Edinho Araújo (Portos) e Henrique Eduardo Alves (Turismo).

Desses, os integrantes da legenda enfatizaram, nos últimos dias o que falam desde janeiro: não consideram Kátia Abreu representante de um ministério peemedebista, porque ela teria sido nomeada ministra dentro da cota pessoal da presidenta Dilma.

A questão, agora, é decidir como fundir algumas dessas pastas em um ministério com coeficiente político suficiente, de forma a transformar o nome a ser mantido – ou nomeado – num superministro. Uma negociação que exige, além de tudo, a escolha de um nome tido como de confiança por parte do Executivo. “Se isso não é fácil encontrar nos últimos dias nem na base aliada, imagine dentro do PMDB”, afirmou um ex-ministro do governo Lula que já integrou o partido.

Leia também

Últimas notícias