Judiciário

Moro critica lentidão do sistema processual e defende prisão logo após acórdão

Sugestão do juiz, de caráter polêmico, acende debate que é realizado no Senado sobre mudanças no Código Penal brasileiro e diz respeito a casos de grande repercussão

Waldemir Barreto/ Agência Senado

Moro: contra o grande número de recursos processuais e a execução da pena diante do trânsito em julgado

Brasília – De forma suscinta e usando menos do tempo autorizado para que fizesse sua manifestação, o juiz federal Sérgio Moro, que participa de audiência pública neste momento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, afirmou que a Proposta de Lei do Senado (PLS) 402/15, que trata de alterações no dispositivo do Código de Processo Penal, deveria aceitar que os réus condenados em ações referentes a casos considerados mais graves – ou de grande repercussão – poderiam ser presos antes do trânsito em julgado de tais ações (ou assim que fossem publicados os acórdãos com decisões em segunda instância).

O magistrado deixou claro que, a seu ver, a mudança combaterá a redução da lentidão do atual sistema processual brasileiro, tornará a Justiça “mais eficiente”, conforme destacou e, ao mesmo tempo, evitará que muitos casos hoje em tramitação em vários tribunais venham a ser prescritos. E diz respeito aos crimes hediondos, de lavagem de dinheiro, bem como casos de crime organizado e contra administração pública.

A sugestão polêmica já tinha sido antecipada por Moro em palestras, mas não foi acatada por todos os palestrantes e parlamentares presentes. Embora a audiência ainda não tenha terminado, muitos representantes de entidades fizeram referências irônicas a Moro, que atualmente é responsável pelas investigações dos envolvidos na Operação Lava Jato no âmbito da Justiça Federal, lembrando que as mudanças no novo código devem evitar o massacre de exibição de imagens dos réus e manter o dispositivo constitucional da presunção da inocência.

Moro, que até agora não fez qualquer referência à Lava Jato nem às prisões preventivas de políticos e empresários envolvidos na operação, decretadas por ele – com o aval do Supremo Tribunal Federal (STF) – lembrou que atua como magistrado da Justiça Federal desde 1996 e, ao longo desse período, tem percebido que os processos que passam pelas mãos dos juízes muitas vezes não chegam ao fim.

Trânsito em julgado

“Não vemos o final destes processos por dois motivos: primeiro, devido ao grande número de recursos possíveis na Justiça brasileira. E depois, devido à compreensão atual de que a execução da pena só pode acontecer diante do trânsito em julgado”.

Sérgio Moro citou o exemplo do caso Banco do Estado do Paraná (Banestado), instituição envolvida num grande escândalo de corrupção que resultou em ação penal cujo primeiro julgamento foi feito por ele, conforme contou, em 2004. Mas passados 11 anos a ação ainda não chegou ao final porque, há mais de um ano, tramitam recursos em tribunais superiores. Também mencionou o caso do jornalista Pimenta Neves, que assassinou a namorada no início da década de 2000 em um caso que demorou mais de dez anos para ser resolvido – também em função de recursos apresentados pelos advogados.

Destacou, ainda, o caso da apuração de fraudes entre fiscais do Rio de Janeiro, mais conhecido como “escândalo do propinoduto”, que se arrasta de forma semelhante.  “Tudo isso mostra que algo está errado na nossa Justiça criminal”, afirmou. O juiz disse ainda que as estatísticas apontam serem poucos os casos revisados no meio das condenações criminais por conta dos recursos apresentados – o que termina, muitas vezes, levando à prescrição desses crimes.

Presunção da inocência

Segundo ele, a principal objeção à ideia, que é o princípio da presunção da inocência, não seria atingido por conta da alteração. O princípio estabelece que ninguém vai ser condenado se não  houver uma prova categórica “e isso continuará sendo mantido”, acentuou. Outra questão diz respeito à prisão cautelar e gravidade excepcional do caso, que sugeriu que sejam enfatizados na proposta.

Moro deixou claro defender que, nos casos mais graves, a prisão do réu possa ser efetuada após o acórdão condenatório, mesmo assim, ressalvando a gravidade e repercussão do crime e, ainda, com a possibilidade de em um recurso algum tribunal superior rever a prisão e decidir que se espere o trânsito em julgado da ação.

“O que queremos é evitar que o aguardo pelo trânsito em julgado seja uma regra. Hoje, os advogados dos réus recorrem e recorrem, porque infelizmente o sistema processual brasileiro tem essas brechas. Não se trata de uma questão conceitual, de interpretação, e sim de se ver se o sistema que temos hoje funciona ou não”, acentuou.

Para o advogado Fábio Zech Sylvestre, que representa a Ordem do Advogados do Brasil (OAB) na audiência, a Constituição brasileira é específica ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em sua opinião, mudanças como a proposta no PLS 402/2015 “violam o texto constitucional, assim como tratados internacionais”.

Moro está participando da audiência pública ao lado, além do representantes da OAB, de representantes da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), João Ricardo Costa, da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antonio César Bochenek, além de procuradores públicos, juristas e acadêmicos de Direito. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e os ministros do STF Marco Aurélio de Mello e Celso de Mello também foram convidados, mas não compareceram.

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