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Brasil de Dilma busca a luz no fim do túnel

Há quem veja na aproximação entre governo e Renan Calheiros sinais de superação da crise política, mas na economia os críticos do ajuste fiscal não acreditam em crescimento sem mudança de rota

Rhayana Ferreira Araújo/ Secretaria Municipal de Comunicação / Prefeitura de Boa Vista

Ambiente político é dependente do cenário econômico e ambos têm impacto em programas sociais do governo Dilma

São Paulo – Depois do diálogo estabelecido há duas semanas entre o governo Dilma Rousseff e o PMDB do senador Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, há quem veja uma luz no fim do túnel da crise política. Já na área econômica, as críticas ao ajuste fiscal e aos caminhos trilhados pelo segundo mandato da petista são mais contundentes, e serão parte importante nas manifestações dos movimentos sociais desta quinta-feira (20). Justamente quanto à economia, as críticas se restringem aos setores chamados “progressistas”, já que à direita não se vê contestação ao ministro da Fazenda, Joaquim Levy.

“Os protestos no campo da direita não criticam Levy nem a política econômica. O que eles não querem é Dilma à frente do processo. O ideal para eles é que se cortassem de vez os direitos sociais. Na expectativa desse povo, Aécio Neves ia acelerar isso. Afinal, o governo petista não privatizou a Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa”, observa o economista Evilásio Salvador, doutor em política social e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Na semana passada, a posição de Renan, trabalhando pela conciliação, foi vista como um freio nas atitudes explosivas do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas veio acompanhada do lançamento, pelo senador alagoano, da chamada Agenda Brasil, dividida em quatro eixos: melhoria do ambiente de negócios e infraestrutura, equilíbrio fiscal, proteção social e reforma administrativa e do Estado.

A Agenda Brasil, discutida no contexto da nova onda de manifestações verde-e-amarelas (realizadas no domingo) e dos movimentos sociais deste dia 20, foi recebida com alívio por quem a encarou, embora com ressalvas, como indicativo do bom senso e da superação da crise, em nome das instituições e da democracia. E com muitas críticas por parte dos que vêm nela a velha acomodação das elites na política brasileira.

Na opinião da professora Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), de um ponto de vista estritamente político, que implica na manutenção de um mandato (de Dilma) obtido nas urnas, o cenário para o governo pode ser considerado melhor do que dois ou três meses atrás. “A motivação dos movimentos de Renan é política, claro, e o que ele está fazendo é, com Michel Temer, tentar conseguir um meio para, de alguma forma, ser o fiel da balança e se contrapor a Eduardo Cunha”, avalia.

A análise pressupõe que, se for mantida, a posição de Renan dá fôlego a Dilma tanto no Congresso, como contraponto às sandices de Cunha, como na questão das pedaladas fiscais que devem ser analisadas pelo Tribunal de Contas da União em breve. Isso porque Renan Calheiros tem influência sobre três dos nove ministros do TCU.

Para Maria do Socorro, mesmo que o TCU rejeite as contas de Dilma e a decisão vá para o Congresso Nacional, as chances de o impeachment prosperar no Parlamento são menores no quadro atual. Mas a oposição não vai desistir facilmente, liderada por setores do PSDB como os senadores Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes Ferreira (SP), que defendem o golpe explicitamente, fora os que não admitem mas apoiam. “Eles não aceitaram e não aceitam terem perdido a eleição. O impeachment é uma questão muito política, por isso vai permanecer. Vão falar nisso até o final.”

A cientista política ressalta acreditar que Renan não está simplesmente motivado por nobres sentimentos democráticos, mas que está interessado em conseguir, estrategicamente, obter algum tipo de apoio, de certa forma até mesmo do Executivo, já que é um dos nomes supostamente implicados na Lava Jato.

Área econômica

Para analistas que abordam a crise pela via econômica, o cenário é mais carregado. Isso porque não conseguem ver luz no fim do túnel se os princípios do ajuste fiscal forem mantidos, o que mais uma vez adia as reformas estruturais, como uma política industrial de longo prazo. Nesse sentido, a crise da indústria é um paradigma.

O anúncio de que o governo, por meio dos bancos públicos (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), vai retomar o incentivo à indústria automobilística como combate ao desemprego não sensibiliza o sociólogo e diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) Cândido Grzybowski. Para ele, a medida não resolve a essência do problema, que é estrutural. “Ainda não criamos um país industrial moderno. O incentivo à indústria automobilística não é nenhuma novidade, vem desde Juscelino Kubitschek. No caso dessa medida, é como dar Melhoral a quem está com dor de cabeça, mas não se olha a causa”, diz.

Para Grzybowski, apesar de visível evolução em vários aspectos da realidade brasileira sob os governos petistas – como o combate à miséria, a evolução da agricultura familiar, políticas que beneficiaram o desenvolvimento do Semiárido, a expansão da seguridade social e a política do salário mínimo, entre outros exemplos –, falta a consolidação estrutural de um país moderno. “Hoje tem mais gente consumindo, é verdade. Na favela, as pessoas têm televisão. Mas não têm direitos. Em (junho de) 2013, mas não no último domingo, aconteceu uma explosão de pessoas que, por exemplo, queriam dizer: ‘não quero plano de saúde, quero direito à saúde; não quero carro, quero transporte, mobilidade pública, educação’. Houve pouco de reformas estruturais no país.”

Na opinião de Salvador, da UnB, o cenário político é muito dependente do cenário econômico e vice-versa. “Se a economia estivesse crescendo 6%, 7%, a crise política teria se esvaziado. Mas o cenário é preocupante e de muita incerteza. É difícil fazer qualquer previsão.”

Enxugando gelo

Ele acredita que as incertezas que já vinham do ambiente eleitoral do ano passado se agravaram no momento em que a recém-reeleita presidenta Dilma “tomou um caminho inesperado, ao iniciar as medidas de ajuste fiscal, o que corrompeu parte de sua base de apoio”. Para ele, nem a agenda proposta por Renan Calheiros, nem o plano de Joaquim Levy levarão o país ao crescimento e desenvolvimento.

“Talvez a economia cresça no próximo ano, devido a um efeito estatístico, já que depois de dois anos sem crescimento qualquer expansão vai ser um resultado”, avalia. Mas Salvador considera a atual política econômica uma prática de “enxugar gelo”. “Você aumenta a taxa de juros, que aumenta as despesas com juros no orçamento público.”

O economista entende que “faltou um pouco de coragem política de enfrentar a banca” e Dilma acabou cedendo ao mercado. Ele reconhece a tentativa da presidenta no primeiro mandato de diminuir a taxa Selic e que talvez tenham faltado condições políticas para manter os juros em patamares aceitáveis. A Selic chegou ao seu nível mais baixo, 7,25%, em abril de 2013. “Esse era o caminho correto de enfrentamento. Talvez uma aliança mais à esquerda tivesse dado essa possibilidade (de manter a política de redução de juros)”, diz Salvador.

Ameaças e oportunidades

Em artigo publicado no site do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do instituto, diz que a Agenda Brasil de Renan contém “ameaças e oportunidades”. O texto elenca como principais ameaças aos trabalhadores o projeto de terceirização (aprovado na Câmara e em tramitação no Senado), a idade mínima para efeito de aposentadoria e, à sociedade como um todo, a ameaça de quebra da universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS).

Embora Renan tenha voltado atrás na proposta de cobrar pelo atendimento no SUS, considerado um eventual retrocesso catastrófico na saúde, Evilásio Salvador acredita que a sociedade deve se manter atenta. “Houve um recuo, mas não sei até que ponto.”

Salvador considera também preocupante, entre as propostas que têm sido feitas, a de mexer no PIS/Cofins para supostamente simplificar o sistema e reduzir custo das empresas, proposta recente de Joaquim Levy. “Alterar ou propor o fim  da Cofins e do PIS, contribuições sociais exclusivas do financiamento da seguridade social, é grave. A Cofins é responsável por 25% a 30% do financiamento da saúde, da assistência social e da Previdência. Mexer nisso é tirar a base de financiamento.”

De volta às manifestações contra o governo no domingo e à área política, a professora Maria do Socorro ressalta ser importante notar que os que foram às ruas não manifestam preferência partidária e, também por isso, parte de setores da oposição tentam instrumentalizar o momento negativo do Executivo. “Pela primeira vez o PSDB resolveu assumir, ou seja, instrumentalizar os manifestantes.” No último domingo, Aécio Neves participou dos protestos em Belo Horizonte, mas ficou apenas meia hora, já que foi vaiado por manifestantes.

A manifestação desta quinta-feira, apesar de reunir muitos movimentos sociais, alguns fortemente críticos ao governo, pode ser mais uma chance de o Palácio do Planalto avançar na reaproximação aos movimentos sociais, marcada na semana passada principalmente pela participação de Dilma na Marcha das Margaridas.

Para Maria do Socorro, “quanto maior for (a manifestação desta quinta), mais dá força ao segmento que está tentando permanecer no poder”. “A manifestação representa setores tradicionalmente mais organizados, que tentam mostrar força nesse embate. Quanto mais forte for a manifestação, mais fortalece o Executivo.”

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