Privilégios

Legislativo do PR não vota extinção de pensão de viúvas de ex-governadores

Apreciação de projeto pretende revogar lei que propicia vultuosas pensões às viúvas de ex-governadores foi adiada. O Paraná é o único estado a pagar benefício vitalício a ex-primeiras-damas

Pedro de Oliveira/Alep

Lei aprovada em dezembro de 2010 beneficia mãe do governador Beto Richa (PSDB), empossado dias depois

Curitiba – Um congestionamento de projetos de lei em análise na última sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) neste semestre impediu a apreciação, ontem (14), da constitucionalidade de uma proposta do deputado estadual Professor Lemos (PT) para revogar uma lei de 2010 que autoriza o pagamento de vultosas pensões às viúvas de ex-governadores do estado. Com isso, a proposta de extinção do privilégio será analisada pela CCJ somente em agosto, após o recesso parlamentar de meio de ano.

Se o projeto passar na CCJ e a lei for efetivamente revogada, a medida resultaria em economia imediata da ordem de R$ 100 mil por mês ao Tesouro do Paraná. Isso porque a pensão paga a cada uma das viúvas de ex-governadores paranaenses equivale ao salário do atual ocupante do cargo, o tucano Beto Richa. E o paranaense figura atualmente no topo do ranking dos salários pagos a governadores no Brasil, com vencimentos superiores a R$ 33 mil por mês. No ano, a economia ultrapassaria R$ 1,3 milhão, pois as pensionistas ganham décimo-terceiro salário.

Em entrevista à RBA, o autor do projeto enfatizou que o Paraná figura como único estado brasileiro a pagar tal benefício. Atualmente, dez unidades da federação ainda pagam pensão vitalícia a ex-governadores – benefício este contestado em diversas ações diretas de inconstitucionalidade –, mas somente o Paraná estende o pagamento às viúvas de seus antigos governante.

Como há oito ex-governadores vivos no Paraná, a eventual revogação da lei também impediria que, em caso de viuvez de alguma dessas ex-primeiras-damas paranaenses, elas tivessem acesso ao benefício, chamado por seus defensores de “verba de representação”.

A lei em questão foi aprovada em dezembro de 2010, no apagar das luzes do mandato de Orlando Pessutti, que assumira o governo paranaense apenas alguns meses antes para completar a administração de Roberto Requião, que licenciou-se do cargo para concorrer ao Senado. Dias depois de a lei ter sido sancionada, Beto Richa assumiu o Palácio Iguaçu.

“Essa lei é contra o interesse público. Esse privilégio não existia no Paraná até janeiro de 2011, quando começou a valer, e não existe em nenhum outro estado brasileiro”, argumentou Lemos ao defender a revogação da lei.

As viúvas foram beneficiadas pela medida mesmo sem ter contribuído com a previdência estadual. Outro ponto polêmico é o fato de a lei ter sido proposta pelo então deputado Antonio Anibelli. No Paraná, leis que criam gastos ao Poder Executivo não podem ser propostas pelo Legislativo. Na maioria dos casos, como ocorreu com a tentativa da oposição de forçar o governo a pagar o reajuste de 8,17% exigido este ano pelo funcionalismo, propostas dessa natureza são consideradas inconstitucionais pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Alep. Mas nada disso impediu a aprovação da lei na Casa. Segundo o atual líder do governo na Assembleia, deputado Luiz Claudio Romanelli (PMDB), houve um acordo entre o Palácio Iguaçu e a base naquela ocasião para viabilizar a aprovação.

Uma das beneficiárias da lei no momento é Arlete Richa, mãe do atual governador e viúva de José Richa, vencedor da primeira eleição direta para governador do Paraná realizada em meio à transição da ditadura para a democracia. Também beneficiam-se da lei Madalena Mansur, viúva de João Mansur, e Rosi Costa Gomes da Silva, viúva de Mário Gomes da Silva.

Das viúvas beneficiadas pela lei de 2010 e que ainda recebem a pensão, somente Arlete Richa viu o marido governar por um mandato completo. Mário Gomes da Silva foi interventor federal no Paraná durante apenas quatro meses, de outubro de 1946 a fevereiro de 1947. João Mansur, por sua vez, cumpriu mandato-tampão como governador biônico durante apenas 31 dias, entre julho e agosto de 1973.

Desde 2010, porém, as três não foram as única beneficiárias da lei. Flora Munhoz da Rocha, viúva de Bento Munhoz da Rocha Neto, recebeu a pensão até seu falecimento, no fim do ano passado, aos 103 anos. Adelina Costaldi Novaes, viúva de José Hoskens de Novaes, também faleceu recentemente, mas usufruiu do benefício em seus últimos anos de vida.

Esta já é a terceira vez desde 2011 que o Professor Lemos encampa a proposta de revogação da lei. Nas duas vezes anteriores, porém, a mesma CCJ que acatou uma lei de constitucionalidade mais do que questionável por gerar gastos ao executivo acabou por rechaçar as iniciativas de Lemos e a proposta de revogação não chegou nem a ir ao plenário da Alep.

Apesar de o projeto já ter sido rejeitado duas vezes, Lemos afirmou ter mantido o mesmo texto por entender que não pode haver inconstitucionalidade nesse tipo de projeto. “Estamos trabalhando para que esse privilégio, um benefício sem recolhimento previdenciário, seja extinto do estado do Paraná”, enfatizou Lemos.

Romanelli, o líder do governo na Alep, é contra a retirada integral do benefício e diz considerar “pura demagogia” a proposta de Lemos, mas concorda que é exagerado pagar uma soma tão vultosa a viúvas de ex-governadores que passaram apenas algumas semanas ou meses no cargo. “Não se trata de um privilégio, mas de um direito garantido”, alegou o peemedebista. “Talvez se possa discutir o valor pago, uma regra diferente, ajustar o valor do benefício. O tema pode e deve ser discutido, mas não adianta criar um factoide para fingir que se está economizando dinheiro público”, criticou.

Ainda na avaliação de Romanelli, a proposta de Lemos “não deve prosperar” na Alep, numa aparente sinalização de que deve orientar a base governista a votar contra a proposta caso ela chegue ao plenário.

Em tom mais conciliador, o presidente da CCJ, Nelson Justus (DEM), adiantou que os deputados “precisam fazer sua parte” para ajudar o estado a cortar gastos. “Nós aqui temos que ajudar”, declarou sem se estender.

Lemos, por sua vez, acredita que o fato de uma legislatura bastante renovada ter sido empossada há poucos meses e a delicada situação das finanças do estado levarão a um resultado diferente desta vez. “Mais do que ilegal, é imoral repassar mais de 30 mil reais por mês com dinheiro público para quem nunca recolheu previdência”, sentenciou o deputado petista.

“Além disso, quem criou essa despesa para o estado foi a Assembleia Legislativa. Até janeiro de 2011 nenhuma viúva de governador recebeu do estado do Paraná qualquer benefício, qualquer privilégio. Nenhuma delas veio até a Assembleia reivindicar isso, até porque elas sabiam que não tinham direito por não terem contribuído para a previdência”, prosseguiu Lemos. E ao concluir seu raciocínio, rebateu: “Não tem nada de demagógico em um projeto que se propõe a acabar com um privilégio. Todo privilégio tem que ser combatido, tem que ser extinto”.