'não é prova'

‘Palavra de delator vale muito pouco’, afirma ex-ministro do STJ

Gilson Dipp diz que delação premiada é apenas um instrumento de obtenção de prova. Para ele, Operação Lava Jato não pode ser só punitiva: 'conjuntura, desemprego, economia do Brasil têm que ser ponderados'

Wilson Dias/Agência Brasil

Dipp: Prisões preventivas devem estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos

São Paulo – Em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Langaro Dipp, aposentado do cargo em 25 de setembro de 2014, disse que “a questão econômica deveria ser levada em conta” no âmbito da Operação Lava Jato. Afirmou também que, juridicamente “a palavra do delator vale muito pouco” e que a delação premiada “não é prova”. “A delação é apenas um instrumento de obtenção de prova. Não vale a palavra dele para condenar, muito menos para oferecer uma denúncia se for apenas na sua informação. Uma delação não tem o condão de fundamentar uma sentença judicial. Eu diria mais: não tem o condão de fundamentar sequer uma denúncia.”

À imprensa, porém, ele não quis opinar se está havendo abuso na utilização da delação premiada na Lava Jato. “Não vou dizer que seja (utilizada abusivamente). É feito com participação judicial, do Ministério Público. O que é de certa forma inusitado é o número de colaborações premiadas nessa investigação. Isso realmente nunca aconteceu, mas eu não posso dizer que seja abuso, porque o acordo é um acordo entre as partes”, disse. “O que se pode questionar é se essas colaborações são voluntárias. Todo réu preso acho que a vontade está diminuída.”

De acordo com Dipp, não se pode ignorar as implicações econômicas relacionadas à Lava Jato. “Só se fala hoje em punição, em cadeia, em indenização. A grandeza dessa investigação implica em uma cadeia de envolvimento econômico, desde fornecedores, prestadores de serviço, não só em relação à Petrobras, mas com toda a administração pública”, afirmou, na palestra intitulada “Delação Premiada e Acordo de Leniência”. “O que eu quero dizer é que não é só a questão da punição. Deve haver (punição) e haver drasticamente, quando for o caso. Mas não podemos esquecer que a conjuntura, a situação grave de desemprego, o aspecto da economia do Brasil, têm que ser ponderados.”

O ex-ministro ressalvou ainda que não sabe como “fazer isso dentro de um determinado processo”. “Mas o olhar não pode ser apenas com caráter punitivo. Há outras consequências que não excluem a punição, mas que podem ser observadas. Há que se ter um meio-termo em que se possa punir aqueles que foram efetivamente culpados mediante o devido processo legal, mas (é preciso) ter uma noção de Estado, a manutenção de empregos, da ordem econômica e da social, a inércia do país.”

Na opinião do jurista, as instituições “não estão fortalecidas para ter a coragem de fazer isso tudo ao mesmo tempo, e todos os dias há uma denúncia nova, uma delação nova em que o delator, ao mesmo tempo em que se auto-sacrifica, numa cadeia vertiginosa ele derruba vários concorrentes. Tudo isso precisa ser repensado”. Ele não citou nominalmente o juiz Sérgio Moro, que conduz a Lava Jato na Justiça Federal do Paraná.

Dipp também não quis comentar se a prisão preventiva estaria sendo utilizada abusivamente ou como instrumento para coagir os réus. “Não digo que não deva haver prisões preventivas, mas elas devem estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos. Tudo o que for além pode ser questionado.”

Perguntado se considera que as prisões preventivas estão sendo usadas sem “estar condicionadas no tempo e nos fundamentos jurídicos”, o ex-ministro se esquivou. “Espero que não, porque as coisas são muito recentes, estão tramitando, não acredito que a investigação se dê dessa forma porque é um consenso que tem que ser comprovado por outros meios, por documentos etc.”

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel participou do debate e defendeu as empresas, ao criticou o caráter “impeditivo” representado pela exigência da certidão negativa de débito para pessoas jurídicas, que se veem proibidas de contratar com o setor público e participar de certames licitatórios. “O Supremo já disse reiteradamente que isso é sanção política, e, portanto, as normas são inconstitucionais, mas a certidão negativa permanece absolutamente sendo exigida todos os dias. Não consigo compreender ‘a inidoneidade’ de uma pessoa jurídica. Que se apliquem penas à pessoa física, que se multe a empresa, mas a empresa é algo mais complexo. Ela se insere numa cadeia de negócios, envolve empregados, envolve fornecedores, portanto, é um ente bem mais complexo”, afirmou.

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