De saída

Maioria dos conselheiros do Carf já deixou o órgão, depois da proibição de advogar

Medida foi tomada depois que OAB considerou incompatível advocacia com atuação julgadora. Senadores pretendem criar novas regras para o conselho após fim da CPI

Fabio Rodrigues Pozzebom / ABr

Furtado Coêlho: “Estatuto da Advocacia veta a concomitância entre as funções de advogado e julgador”

Brasília – O Diário Oficial da União desta semana já publicou a renúncia de 61 advogados que atuam no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), órgão vinculado à Receita Federal, que está envolvido em denúncias de fraudes cometidas por conselheiros para reduzir ou omitir cobranças de pagamentos por empresas à União. Segundo informações da presidência do conselho, a renúncia aconteceu por conta da proibição da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) aos advogados lá vinculados de exercerem a profissão, no último dia 26.

O número de pedidos de saída dos advogados do Carf deverá ser ainda maior: conforme previsão da diretoria, até a próxima semana, mais 27 que anunciaram seus afastamentos também deverão entregar os cargos, levando o Carf a uma reestruturação dos componentes de cerca de 90%.

A saída destes advogados do Carf tem como pano de fundo o fato de que, até há bem pouco tempo, eles não recebiam salários para atuar no conselho, apenas uma ajuda de custo. Com as denúncias e a observação das fraudes, ficou sendo considerado que este sistema pode gerar vícios administrativos. Por isso, o Ministério da Fazenda publicou decreto estabelecendo uma remuneração para eles, o que inviabilizou suas autorizações para a advocacia – porque o estatuto da OAB considera incompatível conciliar a atividade de advogado com a atuação remunerada num conselho do tipo.

Tido como a última instância administrativa para discussões tributárias entre contribuintes e a Fazenda, o Carf possui uma composição paritária, na qual metade dos membros representa o Ministério da Fazenda e metade, um conselho formado por integrantes da sociedade civil (contribuintes). A maior parte deles é indicada pelas confederações nacionais do Comércio (CNC), Indústria (CNI) e Agricultura (CNA).

Estrutura administrativa

Por conta da operação Zelotes, da Polícia Federal, que investiga o total das fraudes observadas – que pelas apurações em curso podem chegar a aproximadamente R$ 19 bilhões e envolvem grandes empresas brasileiras –, o governo passou a estudar uma mudança na estrutura administrativa do órgão, conforme já informou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Para Levy, o importante é que as operações e votações deem mais segurança jurídica ao conselho.

A Operação Zelotes também é alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instalada no Senado, que recebeu no início da semana os primeiros documentos da Justiça Federal sobre o caso. Segundo o presidente da comissão, senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), além da apuração em si, as investigações vão contribuir para a elaboração de novas leis que ajudem a inibir esse tipo de crime.

O presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, destacou na última semana, durante audiência pública na CPI, que uma das propostas para melhoria do conselho é “a mitigação da representação do contribuinte”, como forma de evitar que advogados militantes tenham assento lá e, depois, “defendam teses jurídico-tributárias fora do órgão; a decisão da OAB dá um ganho muito grande na questão da neutralidade e da imparcialidade do conselho”, enfatizou ele.

Para muitos técnicos do Carf e do Ministério da Fazenda, embora a saída ajude a impedir conflitos de interesses entre advogados com seus clientes e mediante processos administrativos em tramitação no conselho, por outro lado a ausência destes profissionais – que atuavam lá há anos e possuem larga especialização em legislação tributária – também será prejudicial para o conselho, num primeiro momento. O procurador da República na 1ª Região, que investiga o caso, Frederico Paiva, por sua vez, enfatizou que o Carf hoje, a seu ver, é “uma instituição ineficiente, burocrática e pouco transparente”.

R$ 19 bilhões

“O advogado pode e deve ser arregimentado para os quadros do Carf. Entretanto, o próprio Estatuto da Advocacia veta a concomitância entre as funções de advogado e julgador. Nada mais é do que a aplicação legal. É necessário que o próprio sistema diga à sociedade que ele existe para estimular a conduta ética, adequada”, explicou o presidente da OAB, Marcus Vinicius Furtado Coêlho.

A Operação Zelotes foi deflagrada em março passado por diversos órgãos federais de investigação, em conjunto com a PF. As apurações em curso constataram que grandes empresas vinham subornando integrantes do conselho para serem absolvidas de pagar impostos devidos (ou reduzir de forma significativa o valor a ser pago). O montante desviado dos cofres públicos nesta operação, conforme estimativas iniciais, pode chegar a perto de R$ 19 bilhões.

Os senadores que integram a CPI pediram a requisição de servidores da Procuradoria-Geral da República para ajudar nas investigações, numa forma de fazer os trabalhos andarem com agilidade. Ministério Público Federal (MPF), Ministério da Fazenda e Justiça Federal também receberam solicitações da comissão para envio de vários documentos (que o juízo da 10ª vara da 1ª Região encaminhou esta semana) e designação de pessoal técnico para ajudar nas atividades da comissão.

Foi solicitada ao colegiado do Carf pela CPI, ainda, a lista de devedores cujos processos sejam superiores a R$100 milhões e seus respectivos valores devidos. Entre os acusados de envolvimento, conforme as apurações iniciais, estão:  Grupo RBS (maior afiliado da Rede Globo), Ford, Mitsubishi, BR Foods, Camargo Corrêa, Petrobras e os bancos Santander, Bradesco, Safra, Bankboston e Pactual.

* Com informações do Consultor Jurídico/Conjur