Plano Safra

Agenda agrícola tem repercussão social, econômica, ambiental e política

Medidas preveem desburocratização, estímulo ao empreendedorismo e aumento de aportes para seguro agrícola, mas entidades da sociedade civil alertaram para que sejam efetivas

Roberto Stuckert Filho/PR

Proposta terá como base a redefinição de critérios para crédito rural e incremento às demarcações de terras

Brasília – A solenidade de lançamento do Plano Safra da Agropecuária, na manhã de hoje (22), pode ser considerada um gol da presidenta Dilma Rousseff – ávida por semear uma agenda positiva em meio aos desgastes enfrentados em seu início de segundo mandato. Trata-se de um setor com forte impacto social, econômico, ambiental e político.

Social por atender a demandas que atingem camadas desfavorecidas do meio rural; econômico por estimular o dinamismo em uma área com forte potencial nos mercados interno e externo; ambiental, por dar suporte a um segmento ainda à procura de se firmar como atividade viável e sustentável, a agroecologia; e político, por representar o atendimento de reivindicações de movimentos e organizações sociais com grande representatividade.

De um lado, integrantes de vários movimentos sociais não esconderam a satisfação com o pacote de medidas a ser anunciado. De outro, ministros e autoridades do Executivo manifestaram respaldo à presidenta num momento de aumento de sua desaprovação.

A agenda positiva tem como foco o lançamento da terceira etapa do Minha Casa, Minha Vida, o programa de Investimentos em Logística, anunciado há duas semanas, e também o novo plano de exportações (ainda sem data de lançamento). Mas nesta segunda-feira, as fichas foram todas postas nas ações para a agricultura familiar, no que a presidenta definiu como programa de desenvolvimento de uma classe média rural no país, e de um modelo de agricultura com sustentabilidade ambiental.

O anúncio contempla recursos da ordem de R$ 28,9 bilhões (montante 20% maior que o da safra anterior). E foi encerrado com sinalização de uma nova agenda com o mesmo potencial: Dilma e o ministro de Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, anunciaram que em 30 dias será apresentada uma proposta para reforma agrária no país.

A intenção foi aplaudida e terá como base, conforme as explicações iniciais, a redefinição de critérios para crédito rural e, ainda, incremento às demarcações de terras. O desenho desse plano de reforma agrária está em andamento e sendo discutido em várias esferas, conforme disse Patrus, que pretende ouvir, nas próximas semanas, representantes dos movimentos sociais. Mas a solenidade representou, para a maior parte dos agricultores que foram até o Palácio ouvir de perto a presidenta, o atendimento a uma reivindicação que vinha sendo feita pelo setor desde o início de março.

“Tenho certeza de que estamos aqui para lançar um plano estratégico para o país, não apenas do ponto de vista social e da economia, mas principalmente do ponto de vista da democracia. A partir do desenvolvimento de uma classe média rural, chegaremos ao fortalecimento da nossa democracia”, afirmou a presidenta, ao destacar que o resultado reflete desafios observados nas últimas décadas, como políticas de apoio à comercialização dos produtos e ampliação das linhas de crédito.

Grito da Terra

O plano de safra vinha sendo aguardado com expectativa pelo setor, principalmente, porque diversas entidades da agricultura familiar elaboraram, para divulgação durante o chamado Grito da Terra, no começo de maio, uma lista de pedidos que foram apresentados aos ministérios. Os pedidos eram por melhorias em capacitação e extensão rural e, principalmente, por mais recursos e menos burocracia para acesso às linhas de crédito oferecidas. Mas ao longo desse período, as entidades ouviram dos ministros – e também da própria presidenta – que aguardassem o anúncio desta manhã.

“Demorou, mas saiu. Agora vamos pensar para a frente e aguardar as medidas. São reivindicações antigas, mas não nos chamariam aqui se não houvesse boa intenção”, afirmou o agricultor Francisco Silva, de Planaltina, interior de Goiás, que levou a esposa e duas filhas para a solenidade.

O lançamento do plano teve pontos altos de aplausos. Mas teve, também, momentos de tensão com críticas feitas por coordenadores de confederações e movimentos. O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch, ressaltou que embora considere tudo o que está sendo lançado fundamental para o país, é preciso que haja, de fato, um esforço para que o acesso dos pequenos agricultores ao crédito seja desburocratizado.

“Achei tudo relevante, mas queria lembrar que este é o terceiro decreto que vejo ser assinado para permitir melhorias ao crédito, e a burocracia continua grande. Precisamos atentar para isso e focar esforços no sentido de fazer com que agora as coisas andem”, reclamou.

A coordenadora da Via Campesina, a agricultora Rosângela Piovesani, fez um alerta à meta de desenvolvimento com sustentabilidade ambiental, ao lembrar de agrotóxicos, índices de trabalho escravo e violência no campo. “Tudo é muito bom, mas temos de lembrar que não cabe no mesmo país um programa de ações focado nesta sustentabilidade e, ao mesmo tempo, práticas tão nocivas a todos nós. Sabemos que estamos vivendo momentos difíceis, mas vamos trabalhar para evitar retrocessos e lutar pelo que é nosso por direito”, acentuou.

Pacote de medidas

O Plano de Safra prevê que do total de recursos previstos, R$ 2,3 bilhões sairão de outras fontes do Executivo e R$ 26 bilhões, do Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf). Dentre as ações fazem parte a promoção de mudanças no seguro da agricultura familiar, para cobrir o valor estimado pelos produtores em até 80% da receita esperada em caso de perdas com a safra. Até hoje, a cobertura vinha sendo de R$ 7 mil por produtor e a partir de agora, passa a ser de R$ 20 mil.

Também serão destinados R$ 236 mil em programas de assistência e extensão rural para atendimento a 230 mil novas famílias. Dilma assinou ainda o termo de criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), cujos dirigentes serão anunciados nos próximos dias, e que entrará em operação até o final do mês.

Outra linha de ação do plano é voltada para o empreendedorismo agrícola, com reforço de programas e linhas às cooperativas e associações para estímulo aos agricultores interessados em empreender seus negócios. Fazem parte, do pacote de medidas, a assinatura de decretos para simplificar regras da agroindústria aos pequenos produtores, estabelecimento de parcerias com unidades de pesquisa e acesso dos agricultores ao programa Minha Casa, Minha Vida no campo.

“Vamos construir juntos, o governo e a sociedade civil, uma política capaz de levar ao desenvolvimento de uma verdadeira revolução pacífica no campo”, afirmou Patrus Ananias, ao destacar que o esforço feito para priorizar os recursos para a área mostra o comprometimento do Executivo com a agricultura familiar.

“Não se poderia imaginar para este setor um mínimo de redução de recursos, porque sabíamos que é um setor que depende deste montante. Quem não depende especificamente desses recursos depende da agricultura familiar para viver, porque depende da área para ter a comida na mesa todos os dias”, acrescentou o coordenador da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf), Marcos Bachinski.

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