Sucessão na PGR

Em debate sobre lista tríplice, procuradores trocam alfinetadas

Evento foi marcado por ironias, críticas e acusação de omissão entre candidatos, que concorrem ao cargo de procurador-geral da República. O atual procurador, Rodrigo Janot, busca a recondução

facebook/anpr

No evento organizado pela ANPR polarização foi marcante entre Rodrigo Janot e Carlos Frederico Santos

Brasília – O debate dos candidatos à listra tríplice para ser encaminhada à presidenta Dilma Rousseff para escolha do novo procurador-geral da República, a ser empossado em agosto, foi permeado por ironias, prestação de contas e discussões sobre o poder de investigação do Ministério Público. Numa prova de que a corrida sucessória para o cargo começou de vez, quatro candidatos participaram hoje (29) do evento, organizado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). A principal polarização aconteceu entre dois deles: o atual procurador-geral, Rodrigo Janot e o procurador Carlos Frederico Santos.

Os demais procuradores, Mário Bonsaglia e Raquel Dodge, colocaram-se de forma mais branda. Carlos Frederico expôs as divisões existentes no corpo do Ministério Público Federal (MPF) atualmente. Ele disse que se for o escolhido tentará traçar uma atuação independente. Além disso, reclamou do que chamou de “privilégios entre amigos e apadrinhados” da atual administração, acusou a PGR de não ter uma boa gestão estratégica e insistiu em falar sobre a experiência que possui, por ter sido secretário-geral do órgão em gestão anterior.

Rodrigo Janot, aproveitou as respostas para fazer um balanço da sua gestão. Falou dos programas de capacitação que empreendeu, das ações realizadas e do trabalho em curso, que inclui a criação de um banco de dados a ser implementado nos gabinetes dos procuradores, assim como novas ferramentas que permitirão a certificação ISO para toda a PGR. Janot alfinetou: “Precisamos ficar atentos para dar continuidade ao que tem sido desenvolvido, mas sem retroceder. Avançar é tão importante quanto não retroceder”.

Poder de investigação

Em relação ao tema considerado mais emblemático levantado pelos procuradores, o poder de investigação do Ministério Público, reconhecido recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Janot disse que depois dessa decisão da suprema Corte, o MPF tem a responsabilidade de criar um modelo que possa ser desenvolvido com profissionalismo e efetividade. “Temos atuação preponderante em crimes financeiros e combate à corrupção. Agora é preciso melhorar o sistema para atender a esse poder de investigação e também a relação como um todo do MPF e mais independência junto à Polícia Federal”, acentuou.

De acordo com o procurador-geral, no início da sua gestão a PGR tinha 35 investigações em suas bases de dados e hoje, conta com 141. Janot também disse que os casos de corrupção investigados na operação Lava jato são descomunais e, se for reconduzido ao cargo, tentará incrementar o apoio aos procuradores-chefes (que ficam nos estados) para aumentar o poder de investigação e para que o MPF possa enfrentar “com tranquilidade” o desafio de “desvendar crimes e encontrar os seus autores”.

O procurador Mário Bonsaglia destacou que não basta o STF ter o seu poder investigatório reconhecido. Segundo ele, é preciso saber o que fazer com essa conquista. “Precisamos saber como vamos nos programar, não só no campo da investigação criminal, como também no próprio combate a tais crimes”, afirmou, acrescentando que é preciso observar, ainda, a jurisprudência a ser aplicada, ter cautela e respeitar os direitos individuais. “Não podemos investigar tudo e a todos. Temos que ter critérios para apresentar bons resultados à sociedade. Vamos avaliar a questão da seletividade e fazer um trabalho impessoal”, pregou.

O procurador Carlos Frederico disse achar importante ser consolidado esse poder de investigação, mas de uma forma que o MPF atue de maneira mais autônoma do STF. Ele criticou o fato de, atualmente, a Procuradoria Geral da República submeter ao tribunal todo tipo de pedido, inclusive para abertura de autos com vistas a investigações diversas, como tem sido observado nos casos relacionados à Operação Lava Jato.

“Temos que ter consciência de que não somos polícia e não temos como missão substituir o seu papel, mas não podemos ter petições encaminhadas ao STF a toda hora. Existem casos em que não há necessidade de uma ordem judicial. Por que não realizamos direto os procedimentos para seguimos mais à frente?”, questionou.

Em resposta, Rodrigo Janot apresentou decisão do STF em ação relatada pela ministra Rosa Weber, na qual a magistrada afirma que todo tipo de investigação do Ministério Público perde a validade se não for pedida autorização ao STF. “Estamos cumprindo o que diz a lei”, ressaltou.

O cargo de procurador-geral da República é de livre indicação do presidente da República. Ou seja: a presidenta poderá acolher algum nome da lista, mas também pode preferir indicar outro procurador que não conste da relação. Depois da decisão de Dilma, o indicado ainda tem de passar por sabatina no Senado

‘Transformação da sociedade’

A procuradora Raquel Dodge afirmou que considera o papel do MPF “transformador da realidade que afeta a população” e, por isso, a seu ver, o MP precisa estar preparado para enfrentar os ilícitos observados hoje com novas ferramentas.

Janot destacou que tem consciência do momento difícil pelo qual passa o país e, até mesmo pela obrigação do cargo que ocupa, sabe que é candidato à recondução com prejuízos à sua candidatura, pois ao contrário dos outros candidatos, não percorrerá o país para falar do seu projeto para a próxima gestão nos estados – por entender que tem de tocar os trabalhos em realização. “Tentarei aprimorar aquilo que foi feito e seguir com a caminhada, sem fórmula mágica e sem vender ilusões.”

O procurador-geral lembrou que tem desenvolvido seu trabalho ao lado de um corpo de colegas que considera competentes, provenientes de vários ramos do MPF, e que não titubeou em se fazer representar por colegas que estão mais inteirados de determinados temos do que ele, nem hesitou em pedir ou oferecer ajuda aos procuradores que solicitaram. A resposta foi um contraponto a críticas recentes de que ele não privilegia um grupo de procuradores.

Carlos Frederico, sentindo-se atingido pela fala do procurador-geral, procurou abordar técnicas de planejamento estratégico que pretende adotar se for o escolhido, ressaltou que tem experiência institucional e também no campo administrativo para ocupar o cargo, e afirmou que não está atuando com ilusões. “Não é ilusão um MPF de inclusão que não tenha patrulhamento ideológico e garanta o pluralismo. Não prometo ilusão, mas verdade, entrosamento e transparência. Não sou vendedor de ilusões”, rebateu.

O procurador Mário Bonsaglia enfatizou a importância dos valores republicanos e disse que vai procurar manter um diálogo com todo o MPF, caso seja conduzido ao cargo, bem como ouvir as preocupações de todos os ramos. “Pretendo trabalhar para que o Ministério Público atue com independência e lide bem com a diferença de pensamentos. Nesse instante devemos buscar sempre ser republicanos por excelência, e lembrarmos de que temos de prestar contas à sociedade”, salientou.

A procuradora Raquel Dodge ressaltou a necessidade de o MPF, com sua atuação, se voltar para ajudar a melhorar os índices de desenvolvimento humano do país. “Precisamos combater a corrupção, mas também controlar os erros observados no uso da verba pública. O foco deve ser o combate à corrupção e a defesa de direitos humanos fundamentais”, afirmou.

Lista tríplice

Perto de 900 pessoas acompanharam o debate, sendo que 865 assistiram e participaram com o envio das perguntas para os candidatos pela internet. Cerca de 50 procuradores estiveram no auditório, como a procuradora Ela Wiecko (que integrou a lista tríplice em 2013), o procurador Wellington Saraiva, ex-representante do MP no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho, Carlos Eduardo Azevedo.

O encontro foi o primeiro de uma série de três organizados pela ANPR, com o objetivo de nortear a elaboração, por meio de decisão dos próprios procuradores, da lista tríplice a ser elaborada pela entidade para encaminhamento à presidenta Dilma.